Governo temer: relações do agronegócio com o capital especulativo financeiro e impactos sobre os camponeses e a legislação agrária

AutorJoaci de S. Cunha
CargoMestre e doutor em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), assessor do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) e coeditor da revista Cadernos do CEAS. Realiza Pós-doutorado (2015- ) junto ao Programa de Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador (PPGPSC-UCSal), com apoio da CAPES, desenvolvendo pesquisa sobre...
Páginas47-72
https://cadernosdoceas.ucsal.br/
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 241, p. 301-326, mai./ago., 2017 | ISSN 2447-861X
GOVERNO TEMER: RELAÇÕES DO AGRONEGÓCIO COM O
CAPITAL ESPECULATIVO FINANCEIRO E IMPACTOS SOBRE OS
CAMPONESES E A LEGISLAÇÃO AGRÁRIA
Government Temer: agribusiness relations with speculative financial capital
and impacts on peasants and agrarian legislation
Joaci de S. Cunha
Mestre e doutor em História pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA), assessor do Centro de
Estudos e Ação Social (CEAS) e coeditor da revista
Cadernos do CEAS. Realiza Pós-doutorado (2015- )
junto ao Programa de Políticas Sociais e Cidadania
da Universidade Católica do Salvador (PPGPSC-
UCSal), com apoio da CAPES, desenvolvendo
pesquisa sobre movimentos sociais, conflitos
agrários e hídricos na bacia do rio Pardo (Bahia
Minas Gerais). É autor de diversos artigos e
capítulos publicados, respectivamente, em revistas e
livros. Pela Edufuba (2017) assina O fazer político da
Bahia na República (1900-1930). Matriz das relações
entre Estado, corporações e políticos.
E-mail: joacisc@gmail.com
Informações do artigo
Recebido em 08/05/2017
Aceito em 23/05/2017
Resumo
Este artigo discute as ações político-legais do
governo de Michel Temer no Brasil direcionadas ao
setor agrário, bem como suas consequências sobre
os camponeses e os povos do campo. Destaca-se
nessas ações, a desestruturação da política pública de
reforma agrária, a lei que permite a transformação
em propriedade privada as áreas rurais de domínio
público em todo o país, e o projeto que pretende
facilitar a estrangeirização da terra no país.
Demostra-se como esses projetos correspondem aos
interesses na do governo, mas também dos
setores ligados ao agronegócio latifundiário. Conclui-
se que avança o crescimento da grande propriedade,
a violência sobre os povos tradicionais do campo,
exigindo uma urgente reação da sociedade e das
organizações camponesas num esforço nacional de
resistência.
Palavras-chave: governo Temer. Conjuntura agrária.
Reforma agrária. Terras públicas.
Introdução
Inicialmente, é preciso lembrar que a análise aqui apresentada está marcada por uma
práxis do CEAS junto ao campo social camponês e é uma tentativa de entender a hegemonia
do capital especulativo-financeiro no Brasil, suas relações com o agronegócio e os impactos
disso sobre os povos do campo, visando a capacitar os sujeitos históricos contra-
hegemônicos enfrentarem as dificuldades do contexto presente.
Em texto apresentado durante o IV Colóquio Internacional sobre Políticas Públicas,
Financeirização e Crise Sistêmica, organizado pela UNISINOS, em 2016, sustentamos que o
fenômeno da estrangeirização do espaço rural em curso se assemelha ao que aconteceu no
ambiente urbano-industrial brasileiro a partir do governo de Juscelino Kubitschek (1956-
1961) e durante a ditadura civil-militar de 1964, quando o capital estrangeir o assumiu a
supremacia d os setores mais dinâmicos da indústria brasileira. Neste século, o capital das
grandes corporações internacionais vem absorvendo ou associando-se as empresas agrícolas
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e latifúndios tradicionais, reproduzindo um processo de desnacionalização do campo similar
ao que ocorreu no passado no setor industrial (NECCHI, 2016; CUNHA, 2016).
Neste artigo, parto desta constatação para, indicando alguns aspectos da conjuntura
agrária do governo Temer, identificar o que considero ser as três linhas estratégicas centrais
do projeto conduzido por esse governo e a representação da agrominero-exportação no
Congresso Nacional para o agro e para os camponeses.
No Brasil atual, para se pensar políticas públicas para o campo em um contexto de
crise, e isso desde antes do atual governo ilegítimo, é preciso ver o quanto a estrutura agrária
absorve e se subordina ao capital financeiro especulativo. Enfim, é prec iso levar em conta o
processo de subsunção formal do capital agrár io ao capital financeiro especulativo. Por sua
vez, essa ação econômica exige reverter os movimentos de territorialização realizados pelos
camponeses, em conflito aberto ou latente com o capital no espaço rural.
Trabalhamos com a hipótese de que a crise estrutural do capital, desde o início deste
século, vem agravando ainda mais a estrutura latifundiária no Brasil. Nessa crise têm -se
estreitado os vínculos entre o capital financeiro especulativo e o empr esariado rural, com
vistas ao controle estratégico da terra e dos recursos naturais, seja para especulação seja para
a produção de algumas commodities primárias em alta no mercado mundial. Esse processo
impacta fortemente os recursos amb ientais do país e ameaça, além da extinção de políticas
e programas públicas, os direitos dos trabalhadores do campo.
A fase atual dessa ofensiva está marcada pelo golpe parlamentar-midiático-judicial de
2015/16, mas se assenta também sobre sucessivas reformas neoliberais, em curso desde os
anos 1990 que produziram um contínuo processo de enfraquecimento das políticas públicas
essenciais no campo e na cidade, elas próprias objeto de um permanente processo de
privatização e ou precarização. Atualmente, no Congresso Nacional tramitam dezenas de
projetos que visam a enfraquecer a resistência social dos camponeses e facilitar sua
exploração, quando não a sua expropriação direta.
Enfim, a legislação está sendo modificada para favorecer a ampliação dos latifúndios
e para ex pulsar camponeses dos seus me ios de produção, inclusive sobre as áreas antes
conquistadas por meio da reforma agrária, reservas extrativistas, indígenas etc.
A situação se revela ainda mais preocupante se forem observados alguns dados que
dimensionam o papel da agricultura familiar no país: ela responde por 70% da produção de
alimentos, emprega 74% da força de trabalho do campo usando 24% das terras agricultáveis,

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