O Grampo e o Veneno

AutorDaniel Sampaio
CargoAluno de graduação em Direito da UnB

Sujeitinho belicoso o tal Onófrio. Baixinho, atarracado, feio, nariz de batata, aos 47 anos, bem aparentava uns cinqüenta e poucos, tinha uma fala ardida pelo sotaque do norte e momentos de gagueira. Não conseguia articular várias palavras e tampouco idéias. Não fosse o momento ruim de meus empreendimentos e jamais teria aceito aquele serviço. Onófrio Bezerra era inoportuno e descartável, mas era também o Vice-Presidente da República, cargo que, a bem da verdade, lhe caía bem.

Corno. Corno. Essa é a síndrome de grande parte dos meus clientes. Mesmo naqueles que não confirmam a condição, vislumbro sempre um certo ar de desapontamento e perplexidade. Quem procura um detetive particular, invariavelmente, suplica uma confirmação (os que não a conseguem, muitas vezes se mostram chateados, um ou outro já chegou a dizer que fui eu quem não trabalhou direito, ou mesmo a insinuar que suas mulheres haviam feito um conluio comigo para que eu não as flagrasse).

Onófrio era vice e corno, reunia em torno de si duas qualificações que o faziam alvo de desprezo entre seus pares na política e em qualquer boteco. Para ser perfeito, só faltava ser honesto, mas não era. Falcatruas, maracutaias e fraudes, era um político da hora, interessado e comprometido com os "problemas" do país e especialmente do seu pequenino reduto eleitoral. Tinha nos olhos uma fagulha de carisma, mas a fagulha não vingava e o fogo não surgia. Fora talhado para vice.

Vinha de uma grande decepção: viu ruir, inerte, seu segundo casamento. A mulher o abandonara e fora morar sozinha. Onófrio, repleto de culpa, achava que ela havia se enojado da política e arranjado um amante. Me confessou, um tanto angustiado, que já havia passado por sua cabeça a idéia da renúncia. De pronto, eu lhe disse para deixar disso, que mulher não valia a pena e coisa tal, instiguei-o a pensar na gorda aposentadoria que o aguardava muito em breve, ao que ele me respondeu com um sorriso jovial e maroto, embora tenha se recomposto quase que imediatamente.

Shirley Correa era o nome da ex-mulher, tinha 26 anos e duas filhas anteriores ao casamento com Onófrio. Era de estatura mediana, magra do tipo seca e tinha uma daquelas belezas míopes, que melhoram com a distância, mas que só se agigantam com a saudade. E de saudade padecia o pobre Onófrio.

Então, Shirley vinha morando numa chácara enorme, presente de campanha, situada ainda dentro da cidade, mas a última de um conjunto de terrenos cuja extensão nos faz lembrar que não só no campo se distribuem os latifúndios. Mas era também um local ermo e frio. Brasília é uma cidade gélida nesses quinhões de terra que de tudo ficam longe.

Onófrio...

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