Hannah Arendt e a política sem piedade

AutorRicardo Luiz de Souza
CargoDoutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Professor do Centro Universitário de Sete Lagoas (UNIFEMM).
Páginas119-141
Artigo
Hannah Arendt e a
política sem piedade
Ricardo Luiz de Souza*
1
O
eixo temático por mim proposto é a análise do pensamento de
Hannah Arendt no que se refere à ação política em conexão com
duas questões que, por assim dizer, estão presentes no horizonte
teórico da autora e, ao mesmo tempo, assombraram-no, a saber:
o advento do totalitarismo e a ascensão das massas no mundo
moderno. A autora define essas questões como intimamente rela-
cionadas, e os aspectos do pensamento político arendtiano serão
aqui abordados com base no eixo temático proposto.
Podemos começar com algumas questões a respeito da teo-
ria política arendtiana. Inicialmente, o que é o poder para Hannah
Arendt? A autora assim o define: “O poder corresponde à habilidade
humana de não apenas agir, mas de agir em uníssono, em comum
acordo. O poder jamais é propriedade de um indivíduo; pertence ele
a um grupo e existe apenas enquanto o grupo se mantiver unido”
(ARENDT, 1985, p. 24). Já a violência é a ruptura do acordo e, por-
tanto, a dissolução do poder: “À violência sempre é dado destruir o
poder; do cano de uma arma desponta o domínio mais eficaz, que
resulta na mais perfeita e imediata obediência. O que jamais poderá
florescer da violência é o poder” (idem, p. 29). O poder, portanto,
nasce sempre do acordo, jamais da violência.
* Ricardo Luiz de Souza é Doutor em História pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) e Professor do Centro Universitário de Sete Lagoas (UNIFEMM).
Endereço eletrônico: riclsouza@uol.com.br.
120 p. 119 – 141
Nº 12 – abril de 2008
A violência não é vista por Arendt, como acentua Wagner
(2002, p. 118), como um fenômeno político, “além disso, por não
estar assentada na palavra e na ação, ela é, sempre, destituída de
dignidade e de grandeza”. E violência para Arendt, portanto, não é
poder, nascendo, antes, de sua ausência: “Falando genericamente, a
violência sempre brota da impotência. É a esperança daqueles que
não têm poder [consentimento ou apoio do povo] de encontrar um
substituto para ele – e essa esperança, penso, é em vão” (Arendt
apud YOUNG-BRUHEL, 1997, p. 363).
A violência é situada por Arendt em oposição ao poder, sendo
de natureza instrumental, enquanto o poder é racional e intersub-
jetivo (SINTOMER, 1994, p. 117-118). Mas, apesar disso, a violência
sempre esteve presente como elemento constituinte da ação estatal,
o que leva Arendt a reconhecer, weberianamente, que “a violência
sempre foi a ultima ratio na ação política, e a força sempre foi a ex-
pressão visível do domínio e do governo” (ARENDT, 1989, p. 167).
Tomemos a seguinte afirmativa da autora: “Somente a pura
violência é muda, e por este motivo a violência, por si só, jamais
pode ter grandeza” (ARENDT, 1981, p. 35). A política grega, segundo
ela, nasce da palavra e, portanto, pressupõe a discussão e exclui
a violência. A palavra como fundamento da política é, assim, um
fundamento a ser resguardado.
Montesquieu (1973, p. 124) antecipa aspectos da tipologia
arendtiana ao distinguir entre autoridade e despotismo, afirmando:
A monarquia arruina-se quando o príncipe, relacionando tudo
unicamente a si, chama Estado à sua capital, capital à sua corte, e
corte à sua única pessoa. Enfim, ela se arruina quando um príncipe
desconhece sua autoridade, sua situação, o amor de seus súditos,
e quando não percebe que o monarca deve julgar-se em segurança,
como um déspota deve crer-se em perigo.
A autoridade, como acentua Montesquieu, nasce não da força
e, sim, da legitimidade; pressuposto arendtiano. E é fundamental
para a compreensão do pensamento político da autora a distinção
feita por ela entre força e autoridade: “Visto que a autoridade sem-
pre exige obediência, ela é comumente confundida com alguma for-
ma de poder ou violência. Contudo, a autoridade exclui a utilização

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