Histórico e criação do acordo TRIPS/OMC

AutorThiago Paluma
Páginas31-50

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Este capítulo abordará os antecedentes históricos que motivaram a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e que resultaram na inclusão do tema propriedade intelectual1no bojo desta organização. Em um segundo momento, será analisada a estrutura do Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio (TRIPS). Dessa forma, este capítulo revela-se útil para um melhor entendimento do panorama jurídico do tema no plano internacional.

1.1. Histórico do Acordo TRIPS/OMC e interesses defendidos na fase de negociação do Acordo pelos países desenvolvidos e subdesenvolvidos

Após o período das duas grandes guerras mundiais, as nações começaram um processo de negociação para a criação de uma Organização Internacional que regulasse o comércio internacional. Em 1947 realizouse em Genebra uma reunião entre diversos países com o escopo de criar a OIC (Organização Internacional do

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Comércio). Tal entidade teria a função de complementar o novo sistema econômico internacional, o qual já contava com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, ambos fundados em 19442.

Com o objetivo de dar prosseguimento à formação desse sistema, em 1948, na cidade de Havana, 53 países aprovaram os pontos discutidos na reunião anterior, criando a OIC, que além de tratar de regras simplesmente comerciais, possuía preocupações desenvolvimentistas. Todavia, com a recusa dos EUA de ratificar tal acordo, esta Organização restou inviabilizada.

No entanto, com o intuito de salvar parte do negociado ao longo dos anos anteriores foi assinado um acordo relativo apenas às regras tarifárias e comerciais, o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade ou Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio). Este acordo acabou por transformar-se em uma Organização com sede em Genebra, na Suíça.

O GATT 1947 é marcado por algumas rodadas de negociação3, mas nenhuma define parâmetros concretos para aumentar o fluxo entre a transferência de tecnologia do Norte para o Sul e consequentemente um maior comprometimento daqueles países com o desenvolvimento destes. Ocorre que, com o passar dos anos, as

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relações comerciais vão se aprimorando, revestindo o comércio internacional com um status muito maior do que o existente na época da criação do GATT.

Este crescimento e estreitamento das relações comerciais entre os países evidencia que o órgão competente para regular essas relações, qual seja, o GATT 1947, não atendia às diversas necessidades dos países membros, como por exemplo, a necessidade de um órgão para solução de controvérsias em matéria comercial.

Nos anos seguintes aumentaram a mobilização e as pressões por parte dos países chamados de terceiro mundo no que tange ao tema desenvolvimento. Tais anseios desembocaram na I Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (I UNCTAD) em 1964.

Salienta-se que a I UNCTAD não foi responsável por provocar nenhuma mudança significativa nas relações entre o Norte e o Sul, porém, teve grande importância, na medida em que recolocou no cenário diplomático mundial as discussões acerca da necessidade de desenvolvimento dos países do sul e a importância da tecnologia como geradora deste desenvolvimento. Tal discussão foi colocada em pauta nas negociações que resultaram na fracassada OIC, e cerca de 20 anos depois foi novamente trazida à baila no plano político internacional.

Ainda no âmbito da UNCTAD foi negociado em 1968 o Sistema Geral de Preferências, que possibilitou a redução das tarifas alfandegárias dos produtos advindos dos países do Sul, sem que houvesse a exigência da reciprocidade. Tal medida alfandegária foi uma forma

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de dar propulsão ao comércio dos países menos desenvolvidos.

Acontece que ainda eram ausentes as soluções para atender às necessidades prementes dos países, como a da criação de um órgão para solução de controvérsias em matéria comercial. Para tanto foi estabelecida em 1986, na cidade de Punta del Leste, uma rodada de negociações que ficou conhecida como Rodada Uruguai. Esse processo finalizou-se em 1994 na cidade de Marraqueche, com a assinatura do Acordo constitutivo da OMC pela maioria dos países participantes das negociações.

A Rodada Uruguai teve dez anos de duração e foi palco de mais um embate entre os países do Norte e os do Sul. Os países mais pobres reivindicavam um maior comprometimento dos países mais ricos com o desenvolvimento global, através do incentivo da transferência de tecnologia, investimentos diretos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) nas universidades e empresas dos países subdesenvolvidos. Já o grupo dos países ricos defendeu principalmente a inclusão do tema propriedade intelectual na OMC, com a definição de parâmetros severos de proteção.

O principal embate Norte versus Sul durante as negociações da OMC ocorreu justamente quando se discutia a inclusão de um acordo sobre propriedade intelectual no âmbito da organização. Sobre as negociações para inclusão na OMC do que hoje se conhece por Acordo TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights4), Maristela Basso esclarece que durante os de-

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bates surgiram três concepções sobre o tema propriedade intelectual. A primeira concepção, encabeçada pelos EUA,

[...] entendia a proteção da propriedade intelectual como instrumento para favorecer a inovação, as invenções e a transferência de tecnologia, independentemente dos níveis de desenvolvimento econômico dos países. Os países desenvolvidos enfatizavam a vinculação entre propriedade intelectual e comércio internacional.

Durante as discussões, os países comunicaram ao GATT que a operação de suas companhias era ameaçada pela contrafação e inadequada proteção da propriedade intelectual5;

A segunda concepção surgida, de tom oposto à primeira, foi defendida pelos países em desenvolvimento6. Segundo Basso, esta corrente

[...] destacava as profundas assimetrias Norte-Sul, no que diz respeito à capacidade de geração de tecnologia. Sem desconhecer a importância da proteção da propriedade intelectual, estes países defendiam que o objetivo primordial das negociações deveria ser assegurar a difusão de tecnologia mediante mecanismos formais e informais de transferência. Os países em desenvolvimento tinham a preocupação de se garantir o acesso seguro à moderna tecnologia atra-

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vés de maior proteção dos direitos de propriedade intelectual. O dilema era como aumentar a proteção a esses direitos e garantir o acesso à moderna tecnologia. Para eles, suas necessidades de desenvolvimento econômico e social eram tão importantes (ou mais) que os direitos dos detentores de propriedade intelectual7;

De forma mais moderada, existia um terceiro grupo de países, formado pelo Japão e países europeus. Estes Estados

[...] destacaram a necessidade de assegurar a proteção dos direitos de propriedade intelectual, evitando abusos no seu exercício ou outras práticas que constituíssem impedimento ao comércio legítimo. Isso porque os direitos exclusivos outorgados pelos títulos de propriedade intelectual poderiam se tornar, muitas vezes, barreiras ao comércio, especialmente por seu uso abusivo. Para esses países, as distorções no comércio podem surgir não apenas da "inadequada" proteção como também de uma "excessiva" proteção.8Como resultado deste embate o tema propriedade intelectual foi incluído no âmbito da OMC através do já citado Acordo TRIPS. Tal acordo define os parâmetros mínimos de proteção dos direitos de propriedade intelectual, sendo que tais parâmetros devem ser incorporados, nos prazos determinados pelo TRIPS, às legislações nacionais. Conforme exposto, o TRIPS prevê prazos para a incorporação dos standards de proteção de acordo com o nível de desenvolvimento de cada país. Define o art. 65.1 que os países membros possuem o prazo de um ano a partir da entrada em vigor do acordo para aplicar

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suas disposições. Para os países em desenvolvimento o prazo é de quatro anos (Art. 65.2), e para os países com menor desenvolvimento relativo o prazo é de dez anos, podendo tal prazo ser prorrogado pelo Conselho (art. 66.1).

O Brasil, conforme será exposto em momento apropriado, é um país em desenvolvimento e por tal motivo poderia fazer uso do prazo de quatro anos concedido pelo art. 65.2 do TRIPS. No entanto, o Brasil não utilizou esse prazo de carência para incorporação do TRIPS ao ordenamento legal interno, e em 1996 aprovou a Lei 9.279/96, a conhecida lei de Propriedade Industrial, que incorporou todos os standards de proteção previstos no TRIPS.

Sobre tal situação, recorre-se às lições do professor Denis...

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