Os princípios constitucionais e o transexualismo

AutorRosângela Mara Sartori Borges
CargoMestre em Direito do Estado pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (FUNDINOPI). Docente do curso de Direito da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR), Arapongas-PR, e do curso de Direito da Faculdade do Norte Novo de Apucarana (FACNOPAR)
Páginas27-33

Page 27

1 Visão Geral dos Princípios

Os princípios são de natureza variada e a tarefa de conceituá-los de maneira precisa, através de um sintético enunciado, não é das mais simples. Mesmo assim, uma formulação brilhante é a do jurista Clemente de Diego que esclarece:

Princípio de direito é o pensamento diretivo que domina e serve de base à formação das disposições singulares de Direito de uma instituição jurídica, de um Código ou de todo um direito positivo. (DIEGO, 1948 apud BONAVIDES, 2000, p. 229).

Uma das críticas que se faz a esse conceito é que ele não menciona a normatividade dos princípios, considerada traço fundamental para a sua caracterização.

Observe-se que há princípios inscritos na lei e há outros não, pois não se constituem princípios apenas os positivados, mas todo o axioma derivado da cultura jurídica universal. Anote-se: inscritos ou não, surgem como preceitos fundamentais para a prática e a proteção dos direitos.

Discute-se, na doutrina, a existência ou não de distinção entre princípios e normas. Sobre o tema, a teoria contemporânea dos princípios bem sintetizou a questão1 preceituando que não há distinção entre normas e princípios, visto que estes são dotados de normatividade (BONAVIDES, 2000). Afirma que as normas compreendem regras e princípios (norma é gênero, princípios e regras são espécies). Diferenças há entre regras e princípios (CANOTILHO, 1998). Além disso, reconhece a superioridade e hegemonia dos princípios na pirâmide normativa, tanto no sentido formal como no material, pois são compreendidos e até confundidos com os valores.

É evidente, portanto, a importância dos princípios, tanto para os ordenamentos jurídicos como para a constituição de um Estado de Direito. Por isso, longe está o tempo em que a única função dos princípios era a supletiva ou subsidiária, a qual vinculava à questão da capacidade ou da suficiência normativa do ordenamento jurídico (época em que os positivistas entendiam o Direito como mero sistema de leis, com total exclusão de valores).

Com a doutrina contemporânea, pode-se atribuir aos princípios: nos momentos revolucionários, a função de ordenar os fundamentos que deram base à revolução; a imediata aplicação, quando tenham condições de auto-executoriedade; e, ainda, a ação no plano integrativo, construtivo e prospectivo (BASTOS, 1999).

Nos casos de integração e construção, os princípios dependerão de legislação que lhes dê eficácia e, no caso da função prospectiva, tendem a uma aplicabilidade cada vez maior.

Além disso, Ruy Samuel Espínola (2002) apresenta outras relevantes funções: a fundamentadora, a interpretativa e a supletiva.

Page 28

Pela função fundamentadora da ordem jurídica, os princípios ostentam uma eficácia derrogatória e diretiva. Significa que as normas que se contraponham aos núcleos assentados nos princípios constitucionais perderão sua validade e/ou sua vigência.

Levando-se em conta o sistema jurídico como ordem global (totalidade do direito positivo) e de subsistemas (ramificações estrutural-normativas do Direito), como ordens parciais, os princípios desempenham a função de dar fundamento material e formal aos subprincípios e demais regras integrantes da sistemática normativa.

Por intermédio da função interpretativa, os princípios servirão de orientação para as soluções jurídicas a serem processadas pelo intérprete. São verdadeiros vetores de sentido jurídico às demais normas, em face de atos e fatos que exijam compreensão normativa. Cumprem função orientadora do trabalho interpretativo.

Através da função supletiva, os princípios realizam a integração do Direito, preenchendo as lacunas legais.

Em que pese sejam várias as funções dos princípios, não se pode deixar de destacar que todas são elementares para a composição de um sistema jurídico.

Tanto em relação à existência como à funcionalidade, os princípios são compreendidos de acordo com uma concepção sistêmica do ordenamento jurídico e justificam-se por emprestar solidez, coerência e identificação a esse sistema. Eles sempre aparecem vinculados à idéia de regentes, num ambiente logicamente organizado, mesmo quando entendidos localizados fora do Direito positivo ou encontrados nos interiores dos códigos e das leis (ROTHENBURG, 1999).

Partindo dessa concepção sistêmica do Direito, os princípios possuem um duplo aspecto fundamental: tratase de uma ordenação que não é apenas formal, mas substancial ou material. Assim, os princípios exercem uma função de ordem formal porque proporcionam uma concatenação lógica ao sistema e exercem função de ordem material quando dão significado, sentido e harmonização aos conteúdos normativos. É essa abertura que possibilita o acompanhamento da realidade fazendo com que o Direito esteja em constante sintonia com o ambiente social.

Além de exercerem uma dupla função no sistema jurídico, são importantes para a sua sustentação, seja em momentos de relevantes mudanças institucionais ou em situações normais, através de sua imediata aplicação. Eles servem de base tanto para a formação do ordenamento como para a aplicação de todo o Direito.

Porém, é no Direito Constitucional que a concepção de fundamento do direito positivo se otimiza diante da teoria principialista. Os princípios estabelecidos nas constituições servirão de pautas ou critérios por excelência para a avaliação de todos os conteúdos constitucionais e infraconstitucionais.

2 Princípios Constitucionais

Os princípios, ao integrarem a lei maior, passam para o ponto mais alto da escala normativa, sendo rodeados de prestígio e hegemonia conferidos às normas constitucionais, fundamentando toda a ordem jurídica.

Existe uma variada classificação dos princípios orientada por um critério de generalidade/positividade: princípios gerais de Direito; os que se referem a uma determinada concepção político-social; e, finalmente, princípios mais específicos dotados de maior precisão (ROTHENBURG, 1999).

José Joaquim Gomes Canotilho assim os classifica: princípios jurídicos fundamentais, princípios politicamente conformadores, princípios impositivos e princípiosgarantia (CANOTILHO, 1998).

Os princípios jurídicos fundamentais são historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e encontram uma recepção explícita ou implícita no texto constitucional. Constituem importante fundamento para a interpretação, a integração, o conhecimento e a aplicação do direito positivo.

Exercem função tanto no seu aspecto positivo como no negativo, sendo exemplos do primeiro o princípio da publicidade dos atos jurídicos, o princípio da imparcialidade da administração e, do segundo, os casos limites (Estado de Direito e de não direito, Estado Democrático e ditadura).

Os princípios politicamente conformadores são aqueles que exteriorizam os valores políticos fundamentais do legislador constituinte: "São o cerne político de uma constituição política" (CANOTILHO, 1998, p. 1090). São, por exemplo, os que se referem à forma de Estado, forma de governo, à estruturação do regime político, etc..

São princípios constitucionais impositivos aqueles que determinam aos órgãos do Estado, especialmente ao legislador, a realização de fins e tarefas. Traçam, sobretudo para o legislador, linhas de sua atividade política e legislativa.

Finalmente, os princípios-garantia são aqueles que objetivam instituir direta e imediatamente uma garantia em favor dos cidadãos. Têm a densidade de autêntica norma jurídica e uma força determinante, positiva e negativa. Em função disto, o legislador se encontra vinculado à sua aplicação. São exemplos: nullum crimen sine lege, in dubio pro reo, o princípio do juiz natural, etc..

José Afonso da Silva (2000), ao classificar os princípios constitucionais, toma por base José Joaquim Gomes Canotilho, dividindo-os em duas categorias: os princípios político-constitucionais e os jurídico-constitucionais.

Ensina que os primeiros são os constituídos daquelas decisões políticas fundamentais concretizadas em normas conformadoras do sistema constitucional positivo. São princípios fundamentais que se traduzem em normassíntese ou normas-matriz, como, por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT