A proteção jurídica do meio ambiente na sociedade multicultural: o mote da sustentabilidade

AutorTaciana Marconatto Damo Cervi
Páginas267-280

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Introdução

O homem sempre buscou na natureza1 as ferramentas necessárias para o desenvolvimento da sociedade, e as intervenções humanas no meio ambiente revelaram-se marcantes. Inicialmente, o homem buscou garantir a sobrevivência, mas, posteriormente, utilizou-se da natureza como meio de reafirmar seu domínio sobre as demais espécies, usando da biodiversidade para auferir condições mais cômodas em sua vida.

Decorrido longo período de intensa degradação ambiental, em meados do séc. XX despertam iniciativas de conscientização da importância da preservação do meio ambiente, que culminaram em discursos conduzidos ao âmbito do conteúdo da lei. No Brasil, constituiu-se um sistema complexo de proteção ao meio ambiente, que compreende os esforços conjugados dos três poderes, a disponibilização de instrumentos legais protetivos e três esferas de tutela do meio ambiente, quais sejam, a esfera civil, penal e administrativa. Neste vértice está conduzida a análise desta pesquisa.

Com isso, o trabalho não pretende esgotar a temática, mas sim contribuir para a discussão da proteção ambiental no âmbito das atribuições do Estado Democrático de Direito.

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1 A atuação do Estado para o meio ambiente ecologicamente equilibrado

A busca por um meio ambiente ecologicamente equilibrado capaz de proporcionar vida saudável no planeta emerge como um sinal de reorientação para a humanidade. No intuito de buscar alternativas de remediação e minoração dos efeitos destrutivos sobre a natureza, a comunidade internacional, através da Organização das Nações Unidas - ONU - iniciou a construção de parâmetros ecológicos destinados a nortear um modo ideal de conviver com a natureza.

Essa trajetória se iniciou com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada em 10 de dezembro de 1948. Fruto das transformações mundiais ocorridas no segundo pós-guerra, a Declaração projetou, em dimensão internacional, um enfoque específico dos direitos humanos e da proteção do meio ambiente, baseando-se no espírito de que os direitos e a dignidade do homem constituem expoentes da justiça, da paz e da liberdade.

A partir desse marco histórico, o direito de viver em um meio ambiente sadio tem sido um conteúdo corrente no pensamento do homem, sendo reivindicado pelos setores da população preocupados com o futuro do planeta e com a qualidade de vida legada às futuras gerações.

Nesse sentido, a Carta Política brasileira de 1988 reconheceu o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental e indisponível. Seu art. 225 menciona que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” E para conferir efetividade a esse direito difuso, a Constituição Federal ainda incorporou a chamada cláusula aberta que permite o ingresso de normas protetoras contidas nos tratados internacionais firmados pelo Brasil e que são imediatamente obrigatórias no território nacional.2 O princípio encontra-se enunciado no parágrafo 2.º do artigo 5.º da Constituição Federal que dispõe sobre os direitos e deveres individuais e coletivos e inclui todos os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na esfera das relações internacionais.

Contudo o mandamento constitucional impõe ao Estado a obrigatoriedade de políticas públicas previamente estabelecidas nos incisos do referido artigo, quais sejam, preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais, promover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, preservar a integridade do patrimônio genético do País, definir os espaços territoriais protegidos, exigir a realização do estudo prévio de impacto ambiental, proteger a fauna e a flora vedando práticas que coloquem em risco sua função ecológica e, ainda, promover a educação ambiental, entre outros.

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Frente a isso, a efetiva proteção do meio ambiente exige a conjugação de esforços dos três poderes: o Legislativo, dotando o país de instrumentos modernos e efetivos para a proteção do meio ambiente; o Executivo, criando aparelhamento administrativo suficiente para exigir o cumprimento das leis; e o Judiciário, como poder auxiliar adicional para os casos em que a sanção administrativa não tenha coerção suficiente para inibir o infrator.3

No tocante à criação de instrumentos legais, a Constituição Federal determina, em seu artigo 23, inciso VI, que cabe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a competência concorrente para “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”. Essa possibilidade decorre da concretização do denominado federalismo cooperativo,4 refletido no parágrafo único do art. 23, que prevê que uma lei complementar fixe normas para a cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, visando ao equilíbrio de desenvolvimento e bem-estar em âmbito nacional.5

Em razão do fenômeno cooperativo que permite atuação comum, o Município poderá atuar aplicando a lei federal (Estudo de Impacto Ambiental, Relatório de Impacto Ambiental, Licenciamento, etc.) em situações em que não haja lei de regulamentação municipal, ou mesmo, nem seja de interesse local. Trata-se de evitar que o meio ambiente seja prejudicado pela inércia ou demora do ente político ao qual seja cabível a atuação administrativa, permitindo, assim, uma atenção eficaz. Portanto a competência para legislar sobre matéria ambiental é compatível com todos os entes da federação.

1. 1 Três esferas de responsabilização: administrativa, civil e penal

Depois da norma constitucional, o sistema jurídico será integrado e complementado pela legislação inferior, contando com três esferas de tutela do meio ambiente, quais sejam: a esfera administrativa, civil e penal.

Relativamente à tutela administrativa do meio ambiente, destaca-se a Lei n.º 6.938, de 1981, que obriga o administrador a gerir a manutenção do equilíbrio ecológico, no exercício de uma gestão ambiental qualificada que se inicia com o exercício permanente do poder de polícia ambiental, atuando de ofício na prevenção para que o meio ambiente não seja degradado.

Sobre este aspecto, Nalini menciona que todas as entidades federativas têm competência na polícia ambiental, em que se destacam os municípios atuantesPage 270 na esfera local, controlando e fiscalizando as atividades capazes de provocar degradação ambiental, contribuindo ainda para a elaboração de normas supletivas e complementares às editadas pela União e Estados Federados.6

Dentre os principais instrumentos colocados à disposição da cidadania estão a Avaliação de Impacto Ambiental – AIA - cujos elementos são o Estudo de Impacto Ambiental - EIA - e o Relatório de Impacto Ambiental - RIMA. A avaliação preliminar é feita pela AIA e, na hipótese de significativo prejuízo ao meio ambiente, então, se realiza o EIA que proporciona o detalhamento dos impactos. O licenciamento ambiental é outro importante instrumento que coloca o poder público no controle das atividades econômicas que possam resultar em intervenções no meio ambiente. Através do licenciamento, a Administração Pública estabelece condições e limites para o exercício da atividade, impondo sanções na hipótese de descumprimento das regras.7

O Estado de Direito pressupõe que administrar é cumprir a lei. Isso gera que as infrações administrativas ambientais constituem-se em ações ou omissões que violem as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.8 Para assegurar o cumprimento das regras, a lei comina diversas penalidades que incluem desde a advertência à multa e à suspensão da atividade, até penas restritivas de direito compreendidas pela suspensão e cancelamento do registro à proibição de contratar com a administração pública pelo período de até três anos.

Quanto à tutela civil do ambiente, sabe-se que o dano ambiental representado pela lesão de recursos naturais tem como grande dificuldade os parâmetros de mensuração. Entretanto é necessário impor ao infrator a responsabilidade de ressarcir, feita através do retorno ao status quo ante ou mediante indenização em dinheiro. A restituição da natureza à qualidade anterior à lesão, nem sempre é possível e, por esta razão, torna-se importante estipular outras formas, e o Direito encarregou-se de estipular que, em matéria ambiental, a responsabilidade é objetiva, isto é, independe de culpa.9

Além disso, conforme menciona Nalini, o legislador inovou, implementando a modalidade do risco integral que significa a impossibilidade de invocação de qualquer excludente de responsabilidade.10 Neste particular, Barbarullo destaca que a teoria do risco integral no âmbito da responsabilidadePage 271 objetiva do Estado atua “como meio de repartir por todos os membros da coletividade o ônus dos danos atribuídos ao Estado”.11

Desta forma, ninguém pode escusar-se de ressarcir o mal causado ao ambiente, invocando a ausência de culpa. Na existência de um dano, quem o causou deve indenizá-lo, bastando existir a ação ou omissão do réu, o evento danoso, e a relação de causalidade entre o primeiro e o segundo. Assim, é irrelevante a licitude ou ilicitude da atividade causadora do dano. O fato de o infrator exercer uma atividade lícita não o isenta de responsabilidade.

Outra esfera de responsabilização por incidentes ambientais é a do direito penal na hipótese de um crime ambiental. A Lei n.º 9.605, de 1998, elenca as possibilidades de concretização de um crime ambiental que pode...

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