A política de recursos humanos em foco: um estudo a partir da visão dos profissionais do Programa Saúde da Família

AutorAna Paula Rocha Miranda; Patrícia Barreto Cavalcanti; Mirian A. da Silva; Claudenizia de O. Pereira
CargoUniversidade Federal da Paraíba (UFPb)
Páginas63-71

Page 64

1 Introdução

Independentemente do enfoque que receberam e recebem, os recursos humanos foram sempre importantes para o desenvolvimento de empresas e oferta de serviços das mais diversas áreas. No setor de saúde, as discussões em torno dos recursos humanos evidenciam a importância de se investir em mudanças que favoreçam seu desempenho profissional e possibilitem sua adequada preparação para o trabalho, sob o enfoque das diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS, de modo a fortalecer a oferta dos serviços de saúde dentro do padrão ampliado de direito do cidadão, conquistado após a Constituição Federal de 1988.

O estudo aqui retratado consiste em um estreitamento com a problemática dos recursos humanos na saúde, mediante o estabelecimento de um processo investigativo que, estando focado nesses profissionais, buscou analisar as percepções que os mesmos possuem com relação à Política de Recursos Humanos desenvolvida no município de João Pessoa, sob os reflexos trazidos pela nomeação do Programa Saúde da Família – PSF como a estratégia de reorganização dos serviços de saúde.

A pesquisa realizou-se nos meses de fevereiro e março de 2006 e sua amostra correspondeu a 37% do universo investigado que era de 177 profissionais de nível superior que compunham a equipe mínima do Programa Saúde da Família e que exerciam atividades no Distrito Sanitário III, o maior em número de equipes do município. O critério de seleção foi intencional, pois somente foram englobados na pesquisa profissionais com mais de 1 (um) ano de atuação no PSF, dando-lhes um período mínimo para conhecimento da Política de Recursos Humanos local. Entre os 65 profissionais entrevistados, 28 eram enfermeiras, 22 cirurgiões-dentistas e 15 médicos.

Para os propósitos deste estudo, crê-se que o estabelecimento de uma Política de Recursos Humanos, comprometida com o desenvolvimento dos profissionais de saúde, de relações multiprofissionais, de processos avaliativos coerentes e bem definidos e de melhoria da qualidade de vida no trabalho, seja condição indispensável para a construção da identidade desses profissionais com as prerrogativas do SUS.

A título de citação, recorda-se que a regulamentação do SUS é uma inovação datada de 1988, quando foi promulgada a Carta Constitucional, na qual, partícipe do Sistema de Seguridade Social juntamente com a Previdência e a Assistência Social, a política da saúde teve suas ações e serviços integrados ao SUS. Tal conquista representou, ao menos em termos legais, o abandono do caráter de seguro social e configurou o perfil da assistência pública da saúde no Brasil, sob a ótica do direito do cidadão.

Todavia o estabelecimento do SUS coincidiu com a intensificação do ideário neoliberal, que impôs uma Reforma do Estado, com redução de papel deste e racionalização dos investimentos no setor público, fragilizando as políticas públicas e vulnerabilizando a estrutura de bem-estar social.

No caso da política de saúde brasileira, a influência neoliberal tem reforçado o Projeto de Saúde Privatista, em detrimento do Projeto originário de Reforma Sanitária, conduzindo a uma precarização das condições de oferta dos serviços oferecidos e de sua qualidade, dificultando o acesso e inviabilizando a promoção dos princípios e diretrizes do SUS.

No que tange aos recursos humanos, apesar das inúmeras discussões iniciadas nas Conferências Nacionais de Saúde e intensificadas durante o Movimento de Reforma Sanitária, houve pouca precisão na Carta Constitucional de 1988 acerca de sua gestão, no que se refere à definição dos órgãos executores e dos agentes planejadores, seja no que compete à sua formação, seja no que se refere à sua inserção no mercado de trabalho e aperfeiçoamentos.

Ademais, apesar de se compreender o homem como diferencial decisivo para o alcance da oferta de serviços de qualidade, é preciso observar que, quando não são incorporados conhecimentos e desenvolvimentos adequados às reais necessidades do seu trabalho cotidiano – por conseguinte, da população – e aos princípios defendidos pelo SUS, aliados a incentivos e boas condições de trabalho, a margem de autonomia que esses profissionais possuem pode conduzir os serviços prestados a um favorecimento do modelo da contra-reforma, uma vez que esses profissionais estão sendo afetados, tanto pela racionalização dos gastos que precariza as condições de trabalho, quanto pelas transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho, as quais conduzem à fragilização/desregulamentação do trabalho e a um aumento da rotatividade da mão-de-obra.

2 Política de recursos humanos no Brasil: avanços e retrocessos

Consonante ao histórico perfil conservador das relações de trabalho no Brasil, originalmente a administração de recursos humanos do setor de saúde foi enquadrada em um modelo tipicamente centralizador que se estabeleceu sob a égide da administração pública, com destaque para a esfera federal. Tanto neste momento inicial, quanto nos momentos posteriores, as Conferências Nacionais de Saúde foram fundamentais para a discussão e formação de uma Política de Recursos Humanos em âmbito nacional, pois subsidiaram o debate em torno dos profissionais de saúde e seu papel no setor. (CAVALCANTI, 2001; ELIAS; 1993; MARSIGLIA, 1993)

Nos anos 1970 e 1980, o processo pela ReformaPage 65 Sanitária também enfatizou a questão dos recursos humanos na saúde, focando-se na valorização e na fixação dos profissionais do setor, mediante estabelecimento de Plano de Carreira, Cargos e Salários – PCCS, inclusive para redução da heterogeneidade profissional relativa a postos e salários, e o desenvolvimento de programas de educação e formação para capacitação desses profissionais. (ELIAS, 1993)

Com a Constituição Federal de 1988, a concepção de saúde foi formalmente ampliada e estabeleceu, entre outras proposições, a defesa do incremento da qualidade de vida dos sujeitos, inclusive na órbita do trabalho. Para validação dessa concepção ao processo de reforma setorial implantado na saúde, fazia-se necessário o acompanhamento por financiamento adequado, permanência da intervenção social com aprofundamento do controle social e estabelecimento de uma política de recursos humanos que estivesse calcada por um processo de mudanças equivalente no setor de educação.

Entretanto, a conquista do SUS coincidiu com asinflexões trazidas peloideário neoliberal–a partir dos anos 1990 – à seguridade social brasileira, às quais se soma o crescimento da influência do papel das agências e dos organismos internacionais na administração das políticas públicas nacionais, concorrendo para diluição e simplificação das ações e dos investimentos do Estado, despolitização da questão social e fortalecimento do terceiro setor.

Entende-se que os recursos humanos seriam os mais afetados porque, apesar de terem sido indispensáveis para a construção do SUS, desde sua implantação, estes profissionais não foram contemplados por conquistas que afetassem positivamente sua categoria e ainda hoje aguardam por medidas relativamente simples, como a elaboração de PCCS. Ao contrário, eles tiveram de conviver com a insatisfação decorrente da forma – sem critérios ou negociação – como foram feitas as cessões de diversos trabalhadores das esferas estadual e federal para as municipais. Depois, em conseqüência das políticas econômicas restritivas que atingiram o setor saúde e tornaram equipamentos obsoletos, serviços insuficientes e ambientes de trabalhoinadequados; dasinovações tecnológicas poupadoras de mão-de-obra; das políticas salariais deficitárias; das mudanças administrativas elegais que tangenciam ouincorrem diretamente sobre suas contratações, tornando-as cada vez mais instáveis e, ainda, das inovações gerenciais e institucionais decorrentes das transformações no mundo do trabalho.

Todos esses fatores, somados à inércia das agências formadoras que se encontravam, em sua maioria, desarticuladas das condições de trabalho, da articulação com a comunidade e das requisições do novo mundo do trabalho, confluíram para uma baixa adesão dos profissionais de saúde ao processo de consolidação do SUS.

Isso se torna mais grave pelo fato de a gestão dos recursos humanos, aliada à formação/preparação dos recursos humanos, compreenderem os dois componentes básicos para a criação de uma Política de Recursos Humanos, já que é nesse campo que são definidas as formas de como esses profissionais serão utilizados e distribuídos; tendo em vista que são eles – os gestores – os responsáveis pela oferta, montagem e qualidade dos serviços do sistema, bem como pela viabilização do controle social e pela administração dos recursos humanos, suas demandas e conflitos. A reforma administrativa dos anos 1990, inaugurada pelo governo de Fernando Collor e intensificada durante a administração de Fernando Henrique Cardoso, interveio...

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