Uma contribuição para pensar as políticas públicas de educação: a burocracia como sujeito do processo de políticas públicas

AutorMaria de Fátima da Costa Gonçalves
CargoUniversidade Federal do Maranhão (UFMA)
Páginas93-98

Page 94

1 Introdução

As políticas públicas1 são construídas pelas demandas sociais e políticas e não sinalizam para uma atividade que signifique uma ação natural, um acaso. Elas possuem umaintencionalidade racional, no sentido weberiano de atividades orientadas para um fim (WEBER, 2000). Elas não são anacrônicas nem inscritas numa casualidade.

Trata-se de entender que os problemas os quais geram as políticas públicas se estabelecem como questões, como issues, à medida que são publicizados, ou seja, se deslocam do domínio privado (BOBBIO, 1995) e ingressam na esfera pública (BOBBIO, 1995). Essas questões se tornam mais visíveis, à proporção que grupos ou classes e suas frações as tomam como prioritárias, exigindo a participação da esfera estatal.

A intervenção do Estado manifestada na ação política pública resulta, portanto, da ação de sujeitos das mais diversas instâncias – partidos políticos, legisladores, membros do poderjudiciário, entidades de classes, movimentos sociais (estes com uma trajetória histórica bem acentuada) e, também, a burocracia. A partir da constituição do problema social (BOURDIEU, 1966) e sua legitimação na agenda pública, temos a ação do Estado, a suainterferência pela via das políticas públicas.

Em relação à burocracia, que é o nosso foco teórico fundamental, podemos adiantar que é um dos sujeitos a ser considerado, uma materialidade expressa pela racionalidade e ação no âmbito do Estado, como são outros sujeitos que, a fortiori, fornece o sentido dinâmico às ações de domínio público, de domínio estatal.

Nesse contexto, as políticas públicas voltadas para a educação expressam, com certa visibilidade, o movimento dos sujeitos na esfera do Estado, rebatendo a concepção instrumentalista (POULANTZAS, 1990)2 que possa ser imputado à ação estatal. Desse modo, a burocracia se inscreve na órbita do processo das políticas públicas e revelase como um dos sujeitos desse processo, referendada pelo seu caráter racionale pelo seu raio de ação no movimento de uma dada sociedade, detentora das demandas expressas pelos grupos ou classes sociais.

É mister, pois, conduzirmos a análise com vistas ao estabelecimento da relação entre o corpo burocrático do Estado, sobremodo, no Estado Capitalista, e as políticas públicas, nas quais estão inseridas aquelas voltadas para a educação.

2 Concepções teóricas sobre burocracia: notas de referência

A burocracia é um fenômeno socialmente manifesto, disposto numa trajetória histórica que, no Ocidente, se identifica com a chamada “modernidade” (WEBER, 2000) e o desenvolvimento do capitalismo, mas que resiste a um exame mais minucioso, apesar de participar dos esquemas usuais de percepção do mundo social.

Tentamos aquiexplanar, ainda que de forma breve, as ponderações teóricas que fundamentam a análise da burocracia, numa perspectiva de sujeito social do processo das políticas públicas.

A análise marxista insere a burocracia, o burocratismo e a burocratização como expressões da progressiva rigidez do aparelho de Estado3 – caracterizado pela força coercitiva (MARX, ENGELS, 1988)–em oposição às exigências da democratização de base.

Éinteressante frisar que Marx não dedicou especial atenção ao tema, colocando-o no conjunto de suas análises mais gerais. Coube aos seus seguidores, Lênin, Rosa de Luxemburgo e Trotski, aprofundarem as análises e realçar os vieses e tensões inerentes ao fenômeno.

A análise weberiana funda novas categorias analíticas indispensáveis na discussão sobre burocracia,longe da perspectiva marxista, desprovida, assim, da coerção einteresse de classe. Ao contrário, é um conceito que se sustenta na racionalidade dos tempos modernos.

2. 1 A burocracia como expressão do poder de Estado: elementos da análise marxista

Na abordagem feita em “Crítica da Filosofia do Estado de Hegel” (1973), Marx afirmou que a burocracia é uma camada social, não sendo em si mesma uma classe, mas voltada para os interesses da classe burguesa e dotada de um papel especial que é assegurar a estrutura estabelecida, o que se efetivaria pela manutenção da ordem vigente.

Mais do queisso, para Marx (1989), a burocracia, situada na esfera pública – o Estado –, se ligaria a interesses específicos–domínio privado–da classe burguesa, tornando taisinteresses universais, como se pertencessem a todo um conjunto social, fornecendo aparentemente um caráter de neutralidade ao corpo burocrático.

Esse fato–apropriação do corpo burocrático para interesses específicos–seria mediado pela ideologia, cuja função seria escamotear essa pseudoneutralidade da burocracia no sistema capitalista.

Lênin (1982), ao recompor a análise marxiana, afirmou que a burocracia, bem como, na sua perspectiva, o exército permanente, são parasitas no corpo da sociedade burguesa, ou seja, dependentes dosinteresses da classe burguesa que recrutaria os burocratas das camadas médias e inferiores da sociedade. Estes últimos cooptariam com a classe dominante, desligando-se dos interesses de classes a que estavam vinculados.

Além disso, ainda para Lênin (1982), a burocracia não seria uma necessidade técnica frente ao desenvolvimento tecnológico e administrativo do mundo...

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