ICMS-Importação e interstadual: uma questão sobre a sujeição ativa nas operações de importação

AutorRodrigo Antônio da Rocha Frota
Páginas327-338

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O presente estudo busca discutir Oquem é o sujeito ativo do ICMS incidente nas operações relativas à circulação de mercadorias importadas do exterior, o chamado "ICMS-Importação", a partir de uma aparente lacuna quanto a uma definição clara sobre o Estado para o qual deve ser realizado o recolhimento do imposto, induzindo o exegeta a um aparente conflito entre os preceitos constitucionais e a legislação complementar.

Existindo dúvidas na definição do sujeito ativo, o sujeito passivo está submetido ao risco de recolhimento errôneo, sujeitando-se a nova exigência do imposto, apesar da ocorrência de um único fato jurídico tributário. Tal situação configura claramente a insegurança jurídica presente na vida cotidiana dos empresários, e precisa ser combatida pelos operadores do Direito, a fim de dar efetividade ao sistema jurídico pátrio.

A dúvida quanto à definição do sujeito ativo da obrigação tributária surge na hipótese em que uma empresa "ABC Ltda.", estabelecida em um dado Estado -São Paulo, por exemplo -, importa mercadorias por meio de uma trading localizada no Espírito Santo e as revende para a cliente "XYZ Ltda.", estabelecida em outra unidade federativa - como Minas Gerais, por exemplo. Por questões logísticas, remete o bem importado, e que se encontra em uma repartição, de modo que o bem importado não circula fisicamente pelo estabelecimento do importador (São Paulo).

A análise da Constituição Federal prescreve que o imposto caberia ao Estado no qual esteja estabelecida a pessoa jurídica que realizou a operação de importação. Enquanto a Lei Complementar 87/1996, em seu art. 11,I, "d", determina que o local da operação ou da prestação, para efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é, tratando-se de mercadoria ou bem importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física.

Diante disso, fica o contribuinte jus-tificadamente apreensivo sobre a qual o Estado fazer o recolhimento do chamado ICMS-Importação: se para aquele em que está estabelecido, e por intermédio do qual realiza suas operações mercantis (São Paulo), ou para o Estado no qual está estabelecido seu cliente, e onde se dá a entrada física do bem (Minas Gerais).

Para a perfeita compreensão do tributo em foco, serão analisados e abordados (i) os conceitos de "operação", "circulação" e "mercadoria"; bem como (ii) as modalidades de importação previstas pelo

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sistema jurídico nacional, e que devem ser levadas em conta pelo legislador estadual na instituição e exigência do imposto de sua competência; (iii) a regra-matriz do ICMS-Importação; (iv) a função das leis complementares no sistema jurídico nacional; (v) o conteúdo da Lei Complementar 87/1996, verificando a compatibilidade de seus enunciados com os limites constitucionais; e (vi) se o ICMS-Importação caracteriza-se como mero adicional do imposto de importação.

Ao final do presente estudo pretende-se chegar a alguma contribuição científica sobre as seguintes questões, que ainda causam grande dúvida a empresários e operadores do Direito - sem, contudo, pretender colocar um ponto final a elas, mas contribuir para o esclarecimento do tema:

(a) Para qual Estado deve ser recolhido o ICMS-Importação?

(b) Qual o significado do termo "destinatário" utilizado pela CF no art. 155, § 2o, IX, "a"?

(c) É correto afirmar que o ICMS é devido pelo "destinatário final" da mercadoria e, neste sentido, seria esse o sujeito a figurar no critério pessoal da regra-matriz de incidência tributária?

(d) A Lei Complementar 87/1996 (art. 11,I, "d") "complementa" a Constituição, de forma a preencher de conteúdo semântico o disposto no art. 155, § 2o, IX, "a"?

(e) Existem decisões do STF sobre a matéria?

Mas, antes de adentrar o assunto propriamente dito do presente estudo, é de suma importância um posicionamento acerca do caráter sistêmico do Direito. Nas lições do professor Paulo de Barros Carvalho,1 o Direito constitui corpo de linguagem agregada por um fator comum: sua função prescritiva; além ser auto-or-ganizada. A soma destes dois fatores im-plica a condição de sistema do direito positivo.

Não coadunamos com as teorias que afastam o caráter sistêmico do ordenamento, relegando-o à produção científica, mas, sim, na ordem interna ao Direito posto. Relevante, portanto, o papel do intérprete chamado autêntico, interno ao sistema, de organizar seus elementos: as normas jurídicas.

O Direito, corpo de linguagem constituído por proposições prescritivas institucionalizadas em alto grau, caracteriza-se como verdadeiro objeto cultural: decorrente da produção humana, através da va-loração das condutas. O legislador, ao produzir normas, elege quais as condutas pretendidas, agregando-lhes a obrigatoriedade, aceitas, permitindo-as, ou repelidas, imputando-lhes a proibição.

Neste sentido, reforça-se a idéia de que a interpretação revela-se verdadeira construção de sentidos. Quando feita por um intérprete interno ao sistema, é produzida norma, que caminha no sentido da concretude, mas que não toca aquele mundo chamado "real", aquele "conjunto de dados" que Vilém Flusser nomeia "dados brutos ou imediatos", de caos, enquanto a realidade das palavras seria o "caos organizado".2

No tocante ao direito tributário o legislador busca estabelecer normas que imputem a obrigação tributária, mas dentro do campo predeterminado pela Constituição, em decorrência do poder constituinte originário, respeitando a hierarquia normativa do sistema.

O papel da Constituição no ordenamento é organizar o Estado, atribuindo competências, através de disposições afirmativas e negativas. Nesse caminho legislativo, resguarda o cidadão dos excessos do Estado e de outros cidadãos, seja no abuso de autoridade, seja no abuso de direito por parte do administrado.

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Não poderia ser de outra maneira se o Direito objetiva a regulação de condutas que possibilitem a boa convivência em sociedade, segundo os valores eleitos por ela para tanto.

Assim, evidencia-se que tanto o Estado pode abusar de seu poder no trato com os administrados ao fugir das linhas mestras dispostas na Constituição Federal, como estes, quando buscam por meio de condutas ilícitas se locupletar através de fraudes, simulações e condutas dolosas. Diferente é o caso do erro, do Fisco ou do particular, onde não há a evidente intenção do autor da conduta de prejudicar a outra parte.

No campo do direito tributário a Constituição determina as competências específicas de cada ente federativo para instituir tributos, delimitadas entre si e pelas imunidades e princípios constitucionais tributários, os quais visam a garantir o cidadão dos eventuais abusos cometidos pelo Estado.

Neste sentido atribui às leis ordinárias, em regra, o papel de instituir e aumentar tributos (art. 150,I, da CF) e à lei complementar (art. 146 da CF) a função de dirimir conflitos de competência entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; bem como regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; e estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. Sendo este último item o que causa maior discussão na doutrina sobre qual seria a natureza destas normas gerais.

Contudo, este não é o objeto da análise do presente trabalho. Restrinjo-me aos dois primeiros itens: dirimir conflitos de competência e como regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.

Em relação com o ICMS, a CF, em seu art. 155, § 2o, XII, elenca em quais situações deve a lei complementar atuar de maneira a dirimir tais conflitos de competência e limitações constitucionais ao poder de tributar, de maneira a lhe ser atribuí-da a competência para definir quais os contribuintes deste imposto, dispondo, inclusive, sobre substituição tributária; disciplinar o regime de compensação do ICMS; fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços; estipular uma isenção heterôno-ma, excluindo da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e produtos; prever quais os casos de manutenção de crédito, na circulação interestadual e exportação; regular a forma como concessão e extinção de isenções, incentivos e benefícios fiscais, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, serão concedidos e revogados; definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez; além de fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.3

Pretende-se, aqui, ao analisar o ICMS-Importação, elaborar um estudo acerca da regra-matriz constitucionalmente possível e das limitações constitucionais ao poder

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de tributar, dentro do limite de competência de cada Estado, regulamentadas pela Lei Complementar 87/1996, através de um enfoque sistêmico do sistema normativo pátrio. Para tanto, é necessária a interpretação conjunta dos enunciados normativos relacionados ao tema em análise.

Comecemos com o critério material da regra-matriz. A Constituição Federal revela qual a materialidade possível ao estabelecer competência para os Estados e para o Distrito Federal de instituir o ICMS sobre: (a) realizar operações relativas à circulação de mercadorias; (b) prestar serviços de transporte interestadual e inter-municipal; e (c) prestar serviços de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior, mas que tenham fim dentro dos limites territoriais dos Estados ou do Distrito Federal, identificadas pela execução, geração ou utilização dos serviços correspondentes.4

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [redação dada pela Emenda Constitucional 3/1993] (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se...

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