Identidade, diferença e complexidade: um ensaio escópico acerca do feminino

AutorAngelita Maria Maders
CargoDefensora Pública do Estado na Comarca de Santo Ângelo/RS
Páginas41-56
IDENTIDADE, DIFERENÇA E COMPLEXIDADE: UM ENSAIO
ESCÓPICO ACERCA DO FEMININO
IDENTITY, DIFFERENCE AND COMPLEXITY: AN ESSAY ABOUT SCOPIC
FEMALE
Angelita Maria Maders1
"Devemos lutar pela igualdade sempre que a diferen ça nos
inferioriza, mas devemos lutar pela diferença sempre que a igualda de nos
descaracteriza." (Boaventura de Souza Santos)
Resumo: O presente ensaio pode ser resumido como um outro olhar, um testemunho feminino, acerca
da questão feminina. Tem por objetivo fazer emergir um referencial para iluminar discussões que
continuarão sendo trava das acerca do tema em pesquisas que seguirã o sendo realizadas. Para tanto, são
considerados asp ectos como i dentidade, diferença e complexidade, todos fruto de leituras a nteriores e
que e nsejaram diversos questionamentos acerca da complexidade da construção do feminino em um
mundo dominado há longa data.
Palavras-chave: Identidade – Diferen ça – Complexidade – Gênero – Feminino
Abstract: This essay can be summarized as a di fferent look, a female evidence, about the woman
question. Aims to help create a framework to illuminate further discussions about the issue being fought
in r esearch t hat will continue to be p erformed. Th erefore, it is considered aspects such a s identity,
difference a nd complexity, all the result of previous readings an d that have caused several qu estions
about the complexity of the construction of the Female in a world dominated long time.
Keywords: Identity – Difference – Comple xity – Gender – Female
1 INTRODUÇÃO
Escrever ou falar sobre a mulher ou a luta feminina no mês de março –
mês dedicado às mulheres – par ece demais previsível, esperado e pouco original
para ser publicado meses após essa proclamada data. No entanto, o objetivo deste
ensaio é exatamente este: escrever em um período de tanto glamour, de paixão pela
causa feminina, na esperança de que essas palavras sejam lidas em momentos de
menor sentimentalismo e maior razão, talvez, para que se possa melhor pensar
acerca do tema que se propõe. Não que se tenha utilizado de puro sentimentalismo
para a escrita – embora não se possa escrever algo acerca de a ssunto tão polêmico
e apaixonante abstraindo-se totalmente de algum sentimento, pois este faz do ser
um ser humano – mas, é claro, de uma razão, esta sim, temperada com sentimento.
Talvez aquilo que aqui se vai dizer já tenha sido dito por algum ou alguns
autores, até mesmo por ser fruto de leituras precedentes e por espelhar diversos
questionamentos que surgiram no decorrer destas e que permeiam o assunto. O
olhar que se tem a pretensão de aqui externar objetiva fazer emergir um referencial
para iluminar discussões que seguirão sendo travadas acerca da questão feminina
no aprofundamento das pesquisas que serão efetuadas nessa área.
O tema, como de conhecimento público, é complexo, pois comporta
diversas nuances e, portanto, pode ser trabalhado sob diversos enfoques. Não se
pretende aqui abordar, de forma específica, qualquer uma dessas diferentes linhas,
1Defensora Pública do Estado na Comarca de Santo Ângelo/RS, Professora do Mestrado em Direito da
URI, bem como dos cur sos de graduação em Direito na URI e na UNIJUÍ, Mestre em Gestão,
Desenvolvimento e Cidadania pela Unijuí e Doutora em Direito pela Universidade de Osnabruck,
Alemanha. E-mail: angmaders@hotmail.c om.
42 Direitos Culturais, Santo Ângelo, v. 5, n.8, p. 41-56, jan./jun. 2010
teorias ou correntes acerca do assunto, como o faria um expert, até mesmo por não
se ter aut oridade para tanto. Ao contrário, a abordagem se dará sob a ótica de um
testemunho feminino, o qual se faz com feminilidade.
2 O FEMININO COM FEMINILIDADE
Por que sob uma óptica feminina com feminilidade? É o que certam ente
está se questionando o leitor. Necessário esclarecer, em r esposta a essa p ergunta,
que inúmeras impropriedades são reveladas na evolução histórica acerca do
feminino, em especial no que se refere à sexualidade feminina, justamente porque,
na evolução da causa feminina e da própria sociedade patriarcal envolta com a luta
feminista, esses conceitos acabaram se confundindo ou sendo confundidos, ou suas
diferenças não foram mais sendo percebidas no cotidiano, pela grande maioria.
Para hialinizar essa posição, conveniente recordar que a luta feminina
passou pela at enuação dos aspectos mais brutais da condição h umana até a
promoção de valores femininos, que evoluíram a uma feminização das civilizações.
Além disso, o feminino e o viril, embora identificativos, são encontrados na
evolução humana tanto no homem como na mulh er. Não há dúvida, entretanto, de
que a virilidade pode ser melhor percebida em alguns setores e ou atividades, como
é o caso dos esportes, por exemplo, mesmo que praticados por mulheres, assim
como a feminilidade pode ser percebida pela própria sensibilização ou aumento da
ternura do homem, que, por exemplo, de pai autoritário, de chefe de família,
assumiu um papel de pai-maternal, de companheiro.
Ademais, já não é uníssono na sociedade o culto ao menino-masculino ou
à menina-feminina, pois os dois temas identificadores de suas culturas se
entrelaçam. Nesse sentido, não há mais que se tratar o feminino como o interesse
voltado à casa, ao bem-estar, à sedução e ao a mor, por exemplo, assim como o
interesse masculino aos esportes, à política, aos negócios. Embora prevaleçam os
referidos interesses, não se pode mais identificá-los isoladamente como in teresses
apenas feminino ou masculino.
No que se refere ao feminino com feminilidade, especificamente, embora
esta se desenvolva também em uma cultura de m assa no rosto de uma m ulher
sedutora, n a moda feminina, na imprensa feminina, etc., esse i dentificador
“mulher-objeto” não afasta outro, que é o da mulher-sujeito, de modo que, de uma
forma ou de outra, isso demonstra que a emancipação feminina não atenuou essas
duas faces, a da mulher sedutora e a da mulher doméstica. Ao contrário, elas
somente foram cumuladas com a promoção social da mulher, com o exercício dos
direitos políticos, com o acesso às carr eiras masculinas, sobrecarregando a mulher
em seus papéis na sociedade.
A promoção do feminino parece haver desbancado a soberania masculina
em alguns aspectos, e os homens parecem haver aceitado isso passivamente, tanto
que, em determinados setores, até mesmo no seio das famílias, já se sente a
ausência dessa figura. Não é diferente nos bancos un iversitários, em especial em
alguns cursos, c omo é o caso das licenciaturas, onde a presença das mulheres
predomina, assim como em algumas carreiras profissionais. Isso,
consequentemente, levou a um quase domínio feminino nas escolas de educação
básica e fundamental e outros setores. Por sua vez a consequência de tal império já
vem sendo sentida pelos homens, que o estão questionando quanto a um suposto
enfraquecimento do masculino pela própria falta de identificação com este.

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