Identidades nacionais e violência cultural

AutorAntonio Dari Ramos
CargoDoutor em História pela UNISINOS. Pesquisador sobre Etnicidade e Multiculturalismo. Professor do programa de pós-graduação e graduação da URI-Santo Ângelo.
Páginas39-46

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Introdução

Qual tem sido o tratamento dado pelas nações às formas como os grupos minoritários significam sua existência? Que políticas adotam para integrar os grupos sociais aos seus projetos? Qual tem sido a resposta em termos de construção de identidades nacionais? Este artigo se desenvolve na perspectiva de buscar respostas para estas importantes questões que pouco têm chamado a atenção da academia.

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Para dar conta do objeto a que nos propomos, encaminhamos nossas análises na perspectiva da História Cultural, tomando como suporte teórico-metodológico a teoria das representações.

1 As nações enquanto comunidades imaginadas

Inúmeros autores têm tratado sobre o tema das representações. No entanto, uma teoria pela qual nutrimos simpatia é aquela formulada por Roger Chartier, pois sua construção teórica sobre as representações permite tomar a cultura como plena de interesses contrastantes, motivo pelo qual prefere tratar das práticas culturais que genericamente da cultura. Para o autor, representação pode ser tomada como a presentificação de uma ausência, postulando uma relação decifrável entre o signo visível e o que significa, mas também como o conjunto das formas teatralizadas e estilizadas mediante as quais os grupos e os poderes constroem e propõem uma imagem de si mesmos (CHARTIER, 1996). Aquilo que muitas vezes se designa, então, de cultura nacional, não passaria de imagens construídas com um dado fim. De resto, "a cultura não é algo dado, posto, algo dilapidável também, mas algo constantemente reinventado, recomposto, investido de novos significados" (CUNHA, 1987: 101).2 Os grupos que têm acesso ao centro difusor de significados elaboram discursos3 que se pretendem universais, mas que na verdade justificam seus objetivos e não raras vezes são bem parciais. Assim, o discurso sobre a identidade nacional é geralmente recheado de significados alheios à grande parte das pessoas que compõem os países. É neste sentido que destacamos o pensamento de Tânia Navarro Swain, para quem "a vida social produz, além de bens materiais, bens simbólicos e imateriais, um conjunto de representações, cujo domínio é a comunicação, expressas em diferentes tipos de linguagem, discursos que se materializam em textos 'imagéticos', iconográficos, impressos, orais, gestuais, etc", (SWAIN, 1994: 46), nos quais o imaginário tem enorme força. De fato, as nações devem ser vistas como comunidades imaginadas.

Considerando que o conceito de nação é representacional, tomamos como pressuposto que a construção das identidades nacionais é ação de grupos quePage 41buscam conscientemente a hegemonia. Acreditamos, por isso, que as imagens existentes acerca daquilo que se convencionou chamar de nação devam ser sempre submetidas a uma crítica consistente, pois devemos considerar que tudo o que é histórico somente pode ser explicado a partir da análise das relações históricas que o produziu.

Nos estudos sobre a memória social, a afirmação de que as nações agem de forma a sufocar a memória dos grupos minoritários ou ideologicamente concorrentes é lugar comum (vide Pollack, 1989). Indiscutivelmente, a memória nacional tenderá a excluir todo e qualquer fato ou imagem que possa depor contra o consenso que se pretenda construir. Ademais, toda a memória social é de antemão seletiva, pois nem tudo o que se vive se deve recordar. Aquilo que é memória social incômoda deve ser posto no esquecimento. Exemplos abundam nesse sentido. Algo paradigmático, no entanto, pode ser visto no costume antigo de espalhar uma pá de cal ou de sal nos locais onde renegados sociais viveram, como na casa onde Tiradentes morou seus últimos dias em Minas Gerais, representando o banimento daquele personagem da memória oficial. Tiradentes somente será reabilitado como herói um século depois. Durante cem anos, mas principalmente durante o Império, Tiradentes foi considerado memória incômoda, que devia ser lançada para o nível do esquecimento, pois se contrapunha ao imaginário do Império Brasileiro. É...

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