Ilhéus - 3ª vara cível e comercial

Data de publicação24 Março 2020
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
Gazette Issue2584
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
3ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CIVEIS E COMERCIAIS DE ILHEUS
SENTENÇA

8001371-29.2020.8.05.0103 Retificação Ou Suprimento Ou Restauração De Registro Civil
Jurisdição: Ilhéus
Autor: Mario Lopes Maselli
Advogado: Diego Antonio Parada Haye (OAB:0036661/BA)
Custos Legis: Ministerio Publico Do Estado Da Bahia

Sentença:

  1. R E L A T Ó R I O.

MARIO LOPES MASELLI, qualificado na inicial, requer a presente AÇÃO DE REGISTRO TARDIO DE OBITO de sua mãe ISAURA LOPES MASELLI, aduzindo, em síntese, o seguinte: Que a senhora ISAURA LOPES, genitora do Requerente, nascida em 14 de junho de 1911, faleceu em 27 de outubro de 1939, aos 28 anos de idade, tendo sido sepultada na cidade de Ilhéus/BA, onde residia; Que, entretanto, diante da inexistência de lei e não havendo costume de registro de óbito naquela época, não foi assentado a existência do óbito: Que o Requerente, à época do falecimento, ainda sequer havia completado 4 (quatro) anos de idade, não possuindo capacidade civil para buscar qualquer registro do óbito de sua genitora; Que o próprio Registro de Nascimento do Requerente somente fora realizado em 12 de janeiro de 1945, conforme Certidão de Nascimento expedida em 9 de Fevereiro de 1953, pelo Cartório do 1º Distrito de Registro Civil da Comarca de Ilhéus/BA; Que em sua certidão de nascimento já consta a informação, prestada por seu pai FRANCISCO DE PAOLA MASSELI, de que ISAURA LOPES, sua esposa e genitora do Requerente, já se encontrava falecida quando da lavratura daquele registro de nascimento, tendo sido as informações prestadas e confirmadas na presença de duas testemunhas à época; Que, se viva estivesse, sua mãe teria hoje 109 (cento e nove) anos de idade, o que, por si só, faria presumir o seu óbito; Que o Requerente necessita do registro e da expedição de documento de assentamento de óbito da Sra. ISAURA LOPES para efeito de regularização de nacionalidade italiana, sendo um dos documentos exigidos para tal naturalização; Que já efetuou a busca de informações quanto ao assentamento do óbito de sua falecida genitora em todos os Cartórios de Registros da Comarca de Ilhéus e nos órgãos da administração pública municipal, sem, contudo, obter êxito. Portanto, requer seja autorizado o assentamento tardio do óbito de sua falecida genitora ISAURA LOPES, nascida em 14 de junho de 1911 e falecida em 27 de outubro de 1939, aos 28 anos de idade, tendo sido sepultada nesta cidade de Ilhéus/BA, onde residia. e que, se viva estivesse, teria 109 (cento e nove) anos de idade, o que, por si só, faria presumir o seu óbito. Instruiu o pedido com documentos – Páginas 2 a 6.

Realizada audiência de instrução com inquirição de 2 (duas) testemunhas, interveio o Ministério Público, opinando pelo deferimento do pedido nos seguintes termos: “O pedido encontra-se justificado, com prova testemunhal, colhida em juízo, conforme ID 49104578. Pelos depoimentos e pela certidão de nascimento do requerente (ID. 47575473), pode-se colher os dados necessários para o respectivo assentamento, sendo a lavratura do óbito um direito fundamental para os devidos fins” - página 20..


2. F U N D A M E N T A Ç Ã O.


O registro de óbito é necessário à ordem pública tanto quanto o do nascimento, estando obrigados a fazer a declaração de óbito as pessoas indicadas no art. 79 da Lei nº 6.015/73Lei dos Registros Públicos, devendo conter os requisitos previstos no art. 80 da citada Lei.

Na impossibilidade de ser feito o registro no prazo legal (24 horas do falecimento), ou mesmo na hipótese de não ter sido feito o registro em tempo algum, não há outra solução para o registro tardio de óbito senão pela via judicial, nos termos permitidos pela legislação específica.

O art. 83 do diploma legal acima citado prevê a possibilidade de abertura de registro de óbito “posterior ao enterro”, na falta de atestado médico ou de duas pessoas qualificadas, permitindo que a declaração seja assinada por “duas testemunhas que tiverem assistido ao falecimento ou ao funeral e puderem atestar, por conhecimento próprio ou por informação que tiverem colhido, a identidade do cadáver”. Cuida-se, como se vê, de exceção à regra geral relativa ao registro de óbito, visando atender a situações excepcionais que sói acontecer no imenso território brasileiro, notadamente nos rincões nordestinos, não se podendo descartar aconteça mesmo nas urbes mais civilizadas.

Aliás, não é esta a única hipótese de se recorrer a testemunhas para fazer prova em registros tardios de óbitos, permitindo a lei que o juiz promova a justificação em casos de “óbito de pessoas desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe”, como também no caso desaparecimento em campanha (durante operação militar, de guerra interna ou externa, na qual, por suas próprias circunstâncias, torna-se impossível realizar o registro normal) – art. 88 e parágrafo único da LRP.

Ora, se o ordenamento jurídico viabilizou registros de óbito dessas pessoas desaparecidas em eventos que tais, cujos registros são feitos, muitas vezes, com base em morte presumida, tendo em vista a dificuldade de se localizar ou identificar os cadáveres dos registrandos, com maior razão é de se admitir o registro tardio do óbito quando se pauta em testemunhos ~de pessoas que mantiveram alguma proximidade com o (a) falecido (o), embora com a precariedade natural inerente ao decurso do tempo desde a data do evento morte, notadamente quando o fato aconteceu em tempos bastante remotos, como é o caso dos autos.

No caso em tela, verifica-se que o Requerente Mário Lopes Maselli nasceu em 10 de novembro de 1935, embora o seu registro de nascimento só tenha sido aberto em 12 de janeiro de 1945, ou seja, quando ainda não contava dez anos de idade. O declarante daquele registro foi o próprio pai do Requerente, Sr. Francisco de Paula Maselli, na presença das testemunhas Alberto Storino e Nelson Peixoto Ribeiro, tendo constado daquela declaração que a mãe do Requerente, Srª Isaura Lopes, já era falecida (v. Cerridão de nascimento de página 6 – evento 47575473).

As testemunhas ouvidas na justificação, o médico Vitorino Palomo Filho e a Srª Maria Guiomar Santana Silva, ambos com 84 (oitenta e quatro) anos de idade, afirmaram que conhecem o Requerente Mário Maselli (também com oitenta e quatro anos) “desde criança”, tendo sido contemporâneos de infância no Bairro Cidade Nova, nesta cidade de Ilhéus, onde todos eles foram criados, e foram categóricos em confirmar que, efetivamente, a mãe de Mário Maselli já é falecida há dezenas de anos.

A testemunha Vitorino Palomo, que demonstrou e revelou estar acometido de elevado grau de surdez, afirmou que a mãe do Requerente “faleceu há uns 40 ou 50 anos, não podendo o depoente afirmar com exatidão, porque, apesar de a ter conhecido, foi estudar logo cedo na cidade de Salvador, onde se formou em medicina no ao de 1963”, ou seja, se a Srª Isaura Lopes faleceu em 1939, ele teria se formado com 24 (vinte e quatro) anos, que a idade média aproximada de quem se formava em Medicina naquela época. Disse ainda que “que após o falecimento da mãe do Requerente, o pai deste último se casou com outra esposa e com ela teve outros filhos; que o depoente não estava em Ilhéus na época em que aquela senhora faleceu”.

Já a testemunha Maria Guiomar Santana Silva, brasileira, disse que conhece o Requerente Mário Maselli desde criança “sendo que a casa da Depoente ficava próxima à residência do referido Mário; que a depoente não lembra se a mãe de Mário já era falecida quando ela depoente o conheceu; que a depoente não sabe exatamente em que ano faleceu a mãe do Requerente, mas ouviu dizer que o óbito ocorreu em 1939; que a depoente tem 84 anos de idade; que depois do falecimento da mãe de Mário Maselli, o pai deste se casou com outra mulher e teve outros filhos; que na época que a mãe de Mário faleceu a depoente era criança e não presenciou o velório nem o sepultamento”. Considerando que a testemunha tem hoje 84 (oitenta e quatro) anos, seu nascimento ocorreu no ano de 1936 e, portanto, é coerente o seu depoimento quando afirma que “na época que a mãe de Mário faleceu a depoente era criança e não presenciou o velório nem o sepultamento”. Grifos e negritos postos.

O processo justificatório se insere na jurisdição voluntária, espécie na qual “O juiz não é obrigado observar o critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna” (art. 723, parágrafo único, do Código de Processo Civil).

O registro de óbito é necessário à ordem pública tanto quanto o do nascimento e cria presunção relativa de verdade. Seu efeito comprobatório prova a existência e a veracidade do ato ao qual se reporta, mas sua autenticidade resulta do próprio registro, e não do fato jurídico de que se origina.

Na impossibilidade de obter todos os elementos impostos pelo art. 80 da Lei dos Registros Públicos (hora, se possível, dia, mês e ano do falecimento; o lugar do falecimento com indicação precisa, etc), o assento deverá ser lavrado com os que dispuserem o declarante e o serventuário (este último, no caso de registro feito sem intervenção judicial).

Em situações inusitadas como a destes autos, em que se noticia...

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