Imagens do camponês na pintura brasileira: o sertanejo de Carlos Chambelland

AutorArthur Valle
CargoInstituto Superior de Educação. Fundação de Apoio à Escola Técnica
Páginas77-94
IMAGENS DO CAMPONÊS NA PINTURA BRASILEIRA:
O SERTANEJO DE CARLOS CHAMBELLAND
Arthur Valle
Instituto Superior de Educação
Fundação de Apoio à Escola Técnica
artus_agv@yahoo.com.br
Resumo
Após uma temporada no Estado de Pernambuco, o pintor e ilustrador fluminense
Carlos Chambelland (1884-1950), julgando ter ali encontrado a própria essência
da cultura brasileira, começou a produzir uma série de quadros que figuravam os
tipos humanos do sertão nordestino, os seus modos de vida e o seu ambiente. No
presente artigo, procurando compreender melhor esses quadros ‘sertanejos’ de
Chambelland, analisamos como eles dialogaram com as tendências regionalistas
que marcaram as artes plásticas brasileiras desde meados do século XIX e se
inseriram no debate mais amplo a respeito da identidade cultural brasileira, uma
das preocupações proeminentes nos círculos intelectuais da Primeira República.
Palavras-chave: Carlos Chambeland; Sertanejo; Identidade Cultural Brasileira;
Pintura na Primeira República
Images of the peasant in the Brazilian painting: sertanejo of Carlos Chambelland
Abstract
After a season in the State of Pernambuco, the painter and illustrator Carlos
Chambelland (1884-1950), judging to have finded the true essence of the Brazilian
culture, began to produce a series of pictures that figured the human types of the
northeastern hinterland, its ways of life and environment. In the present article,
trying to better understand these pictures of Chambelland, we analyze their dialog
with the regionalist trends that marked the Brazilian visual arts since the mid-19th
century XIX and how they were inserted in the debates concerning the Brazilian
cultural identity, one of the prominent concerns in the intellectual circles of the
so-called First Republic.
Keywords: Carlos Chambeland; Sertanejo; Brazilian cultural identity; Painting
in the First Republic
78 REVISTA ESBOÇOS Nº 19 — UFSC
Em uma entrevista concedida ao jornalista e historiador João Angyone Costa,
publicada originalmente em uma edição dominical do periódico fluminense O Jor-
nal, em 22 de agosto de 19261, e depois reeditada no famoso livro A Inquietação
das Abelhas, de 1927, o pintor e ilustrador Carlos Chambelland foi questionado a
respeito dos rumos que a arte brasileira deveria naquele momento tomar. O clima
cultural no Brasil era dos mais agitados: o pacto oligárquico que governara o país
durante todo o primeiro período republicano dava claros sinais de esgotamento,
anunciando o advento de uma nova configuração política que se concretizaria
com o Estado Novo. Poucos anos antes, em 1922, realizara-se, no Teatro Muni-
cipal de São Paulo, a famosa Semana de Arte Moderna, que reivindicava, com
estardalhaço, uma arte genuinamente brasileira, regida por novos padrões estéti-
cos que contemplassem aquilo que de típico havia em nosso país.
Como o problema da identidade cultural brasileira se apresentava com uma
urgência renovada também no meio artístico do Rio de Janeiro, não é de se es-
pantar que Chambelland expressasse a sua opinião a respeito dos possíveis no-
vos rumos artísticos com a firmeza digna de um manifesto. Vale a pena reprodu-
zir aqui, na íntegra, as palavras que então endereçou a Angyone Costa a esse
respeito:
A orientação do pintor brasileiro, que pense commigo, nesse
ponto, tem de ser a procura do convívio da gente do Norte,
onde senti, – eu que sou carioca, aqui sempre vivi, e só sahi
duas vezes para a Europa – o verdadeiro espírito da naciona-
lidade, o orgulho de ter nascido aqui. O Rio e o sul do país
estão muito trabalhados pela influencia estrangeira, o cosmo-
politismo absorveu-nos tanto, que hoje, sómente no norte, se
nos depara, em sua pureza inicial, o sentimento da pátria afer-
rado á tradição, aos costumes, á vibração da alma do povo.
Acredite, pela primeira vez envaedeci-me da minha nacionali-
dade, quando vivi tres annos – os melhores da minha vida -
em Pernambuco, recebido com um carinho, com um affecto,
que não são muito communs por aqui, no seio daquella gente,
amiga e bôa, que se excede na propria gentileza para agradar o
hospede.2
Essa estadia de Chambelland no Nordeste, onde o “genio bom do povo” o
fizera “conhecer a terra e começar a amar fortemente o Brasil”3, forneceu-lhe
igualmente a inspiração para que ele desse início à produção de uma série de
telas abordando tipos e cenas sertanejas, como Depois da feira, Vaqueiro e
Volta do trabalho [Figura 1], que constituem o fio condutor do nosso presente
artigo e que são bastante representativas das preocupações nacionalistas que
marcaram uma boa parte de nossa intelectualidade desde os tempos do Brasil
Império.

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