O imenso, friável, reino da linguagem

AutorFurio Jesi
Páginas91-92
doi:10.5007/1984-784X.2014v14n22p91
91
O IMENSO, FRIÁVEL, REINO DA LINGUAGEM
Furio Jesi
No ensaio que dá título ao seu livro Dietro le parole (Por trás das palavras)
(Milano: Garzanti, 1978), Claudio Magris lembra que o reino de Rilke foi até
o último instante aquele “imenso e friável” das palavras. O segundo adjetivo
pode escandalizar. “Friável”: dir-se-ia diminuída, portanto, a suprema destreza
do Rilke poeta e prosador ao evocar constelações de palavras através de apa-
rências duras e compactas como as “coisas” perdidas, às quais se direciona-
vam sua nostalgia e seu medo. Mas, precisamente com esse adjetivo, Magris
concentrou em um ponto o esplendor da produção do poeta, dos Die Auf-
zeichnungen des Malte Laurids Brigge (Os cadernos de Malte Laurids Brigge)
às últimas líricas.
As palavras pesadas, quanto mais transparentes, enquanto conferem
semblantes cristalinos às páginas de Rilke atuam nelas jogos de espelhos e de
desequilíbrios calculados, os quais tornam “friável” todo o reino da palavra e,
estando ausente a certeza desse reino, aludem à solidão e à distância.
Em Klingsors letzter Sommer (O último verão de Klingsor), de Hermann
Hesse, dois amigos pintores estão à mesa, diante de “coisas amáveis e recon-
fortantes: trutas, salmão, aspargos, Chablis, vinho do Valais, Benedictine.” De-
pois, um fala ao outro: “Você tem pintado muitas coisas simpáticas e alegres…
gosto muito de todas: hastes de bandeira, clowns, circos equestres. Mas o que
mais me agrada é uma mancha sobre seu carrossel noturno. Você lembra?
Sobre a tenda violácea, distante de todas as luzes, alta na noite, agita-se uma
pequena bandeira fria, rosa-clara, tão bela, tão fria, tão distante, tão terrivel-
mente distante de tudo!”
Solidão e distância: em seu livro sobre Joseph Roth, que tem o título mais
bonito da ensaística dos últimos anos, Lontano da dove [Distante de onde]
(Torino: Einaudi, 1971), Magris diz: “A solidão, isto é, o lirismo, é antes de
L’immenso, friabile, regno del linguaggio.
Riga, Milano, n. 31 (Org. Marco Belpoliti e Enrico Manera), p. 232-233, 2010.
Texto publicado originalmente em L'Ora, Palermo, 21 abr. 1979.
Tradução de Davi Pessoa Carneiro
|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 14, n. 22, p. 91-92, 2014|

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT