A importância da responsabilidade social corporativa para a potenciação do capital social em pequenas e médias empresas

AutorRogério Rodrigues da Silva - Maria João Nicolau Santos
CargoDoutora em Sociologia Económica e das Organizações. - Psicólogo. Especialista em Gestão de Pessoas.
Páginas190-207

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Maria João Nicolau Santos 1

Rogério Rodrigues da Silva 2

1 Introdução

As transformações sociais, econômicas e tecnológicas, sobretudo das duas últimas décadas, criaram um cenário que favorece o questionamento

Artigo recebido em: 14/07/2008. Aceito em: 30/11/2009. Membro do Corpo Editorial Científico responsável pelo processo editorial: Gilberto de Oliveira Moritz.

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da relação entre Estado, empresas e sociedade. Nesse novo cenário, várias implicações podem ser elencadas como a internacionalização do mercado, o aumento do tamanho e da influência das empresas, a intervenção estatal para desfazer o estado de bemestar social, a luta cada vez maior por expertise, entre outras (CASTELLS, 1999).

Diante disso, os critérios para avaliação de eficiência e sucesso das organizações passam a considerar não apenas aspectos de natureza econômica, mas também de natureza social, cultural e ambiental. Além disso, pressionadas pela própria sociedade, as empresas passam também a assumir uma responsabilidade maior pelo bemestar da sociedade e fornecem garantias que antes estavam atreladas apenas ao Estado, tais garantias são chamadas hoje de Responsabilidade Social.

Embora seja uma questão observada em um grande número de empresas, poucos estudos têm sido feitos sobre esse tipo de prática em pequenas e médias empresas – PMEs. No Brasil, o critério mais usual para definição do porte das empresas, segundo o SEBRAE (2005), está relacionado ao número de seus empregados: a) Pequena empresa: na indústria, de 20 a 99 pessoas ocupadas e no comércio e serviços, de 10 a 49 pessoas ocupadas; e b) Média empresa: na indústria, de 100 a 499 pessoas ocupadas e no comércio e serviços, de 50 a 99 pessoas ocupadas. As PMEs encerram uma especificidade própria que as distingue das empresas de grande dimensão. A afirmação da responsabilidade social decorre de uma complexa rede de forças, de interesses e de convicções, dividida fundamentalmente entre, por um lado, a afirmação de um “espírito empresarial responsável”, assumido geralmente pelo empresário e, por outro lado, a existência de um não menos influente conjunto de pressões externas. A participação no mercado internacional, frequentemente pela via da subcontratação, obriga ao cumprimento de padrões previamente definidos pelas multinacionais como condição para operarem. A pressão das instituições reguladoras e dos competidores, bem como os incentivos financeiros dos governos são igualmente fatores de estímulo e/ou pressão para uma maior atuação a esse nível. Verificase também que as dinâmicas e as práticas assumidas são menos explicitas, pois têm um caráter informal, não estruturado, assumindo geralmente um aspecto ocasional, não estando integradas na estratégia da empresa (SANTOS et al., 2006).

Segundo Habisch (2004), esse tipo de empresa tem sido o sustentáculo da responsabilidade social corporativa nas comunidades onde atuam, embora enfrentem uma série de barreiras para realizarem algum tipo de ação

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dessa natureza. Para Southwell (2004) e Santos et al. (2006), essas barreiras apontam para a falta de tempo e recursos financeiros e, principalmente, a falta de conhecimento dos instrumentos de apoio, monitoramento e validação. A inexistência de ferramentas eficazes de avaliação da performance impede que se ultrapasse o obstáculo associado à dificuldade de testar se podem advir perdas de competitividade perante outras organizações que não assumem idêntica orientação.

Para superarem essas limitações, fazse necessária uma reorganização da empresa para estar cada vez mais atenta à demanda de seus stakeholders e do mercado como um todo. Castells (1999) salienta a esse propósito que a superação das dificuldades encontradas pelas PMEs passa pela sua integração em redes de cooperação. Independente do tipo de associação (redes interempresariais ou relacionamentos de parceria, por exemplo), o importante é referir que agir isoladamente implica grandes dificuldades. Assim, importa ter uma melhor compreensão sobre o papel desses relacionamentos, sobretudo, da confiança e das vantagens estabelecidas, o que pode ser atribuído ao capital social (ARAÚJO, 2003). Para Werner e Spence (2004), esse tipo de capital pode ser visto como um caminho de prosperidade econômica e de desenvolvimento sustentável para as PMEs. Segundo Ayuso et al. (2006), a capacidade das empresas integrarem, na ótica do desenvolvimento sustentável, os insights dos stakeholders no processo de inovação organizacional, constitui um fator de relevância extrema, gerador de forte vantagem competitiva. No entanto, as abordagens correntes não consideram o potencial das redes de capital social no entendimento das mudanças globais e, sobretudo, no processo de inovação empresarial.

Diante disso, o que se busca neste artigo é mostrar como a questão da responsabilidade social pode potencializar o capital social das empresas por meio de uma articulação mais estreita com os stakeholders externos e das dinâmicas positivas que isso gera ao nível dos stakeholders internos, sobretudo, entre trabalhadores/colaboradores. Sob esse pressuposto, e com base nas investigações efetuadas, algumas questões de partida formam o presente artigo. Será que as empresas se beneficiam por realizarem ações socialmente responsáveis? Até que ponto níveis maiores de confiança, compartilhamento de normas, de valores, de crenças podem significar algum tipo de vantagem para as empresas? Complementarmente, será que as ações socialmente responsáveis podem de alguma forma afetar os níveis de cooperação e confiança estabelecidos com os stakeholders ou será que é o contrário? São essas questões que o presente artigo propõe discutir.

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2 Responsabilidade Social em Pequenas e Médias Empresas

A Responsabilidade Social Corporativa – RSC pode ser definida como sendo os modos formais e informais em que os negócios dão sua contribuição para melhorar a governança e as condições sociais, éticas, de trabalho e também ambientais dos países em que operam, enquanto estão sensíveis para seus contextos religiosos, históricos e culturais (VISSER, 2008). Nessa mesma direção, Perrini (2006) advoga que as questões econômicas, sociais e ambientais devem estar igualmente integradas às estratégias de negócios, às ferramentas de gerenciamento e a todas as atividades das empresas, o que se torna um grande desafio para as empresas de pequeno ou médio porte.

Tratase fundamentalmente de um modelo diferenciado de gestão da atividade de negócio. Pressupõe, dessa forma, um gerenciamento contínuo que toma em consideração e incorpora ao planejamento estratégico da empresa as preocupações com a sustentabilidade da sociedade, a preservação dos recursos naturais e culturais. Como refere o antigo Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, não se pede às empresas para fazer algo diferente da sua atividade normal, mas para fazerem a sua atividade normal de forma diferente (SANTOS et al., 2006).

Essa mudança na forma de gerenciar o negócio pressupõe a assunção de um compromisso no qual a implementação de processos produtivos e comerciais passa a estar baseada no estabelecimento de relações éticas, transparentes e solidárias da empresa com todos os seus stakeholders. Contudo, essas relações não se mostram fáceis de serem alcançadas para as PMEs, já que estão envolvidos expertise, planejamento de longo prazo e ainda um grande leque de atores cujas demandas podem tornar inviável qualquer iniciativa que transpasse o aspecto legal. Além disso, a falta de acesso ao crédito, a incapacidade de negociar as práticas de RSC com clientes e fornecedores, a falta de motivação de empregados e, principalmente, a ausência, quase que completa, de ferramentas de mensuração e quantificação dos benefícios solapam muitas das iniciativas das PMEs em relação à responsabilidade social corporativa (TEIXEIRA, 1996; SPENCE; SCHMIDPETER, 2003; PERRINI, 2006; SANTOS et al., 2006; JENKINS, 2006).

Todavia, estudos apontam algumas peculiaridades que podem se configurar como facilidades para a integração de RSC à gestão dessas empresas, são elas: a estratégia informal de relacionamento com os stakeholders, pau-

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tada principalmente no diálogo mais permanente; uma burocracia pequena; um grande potencial de assimilação, adaptação e geração de novas tecnologias (CASTELLS, 1999; BALESTRIN; VARGAS, 2004; GRAAFLAND; VEN; STOFFELE, 2003; SPENCE; SCHMIDPETER, 2003; PERRINI, 2006; JENKINS, 2006).

No contexto brasileiro, a motivação maior das ações de RSC das PMEs voltase para a filantropia e o assistencialismo, o que não reflete uma preocupação com a minimização ou a transformação dos problemas sociais (PELIANO, 2002). No Brasil, as ações socialmente responsáveis das PMEs são orientadas para a melhoria da imagem institucional, para a manutenção de uma política de boa vizinhança e para o aumento da produtividade (TEIXEIRA, 1996; PELIANO, 2002). Uma das razões que podem explicar essa ênfase é que no Brasil a falta de integração interempresarial, a burocratização e a ausência de redes (sociais ou empresariais) efetivas impedem uma maior cooperação entre as empresas (FUKUYAMA, 1995; MELO NETO; FROES, 2001). Caso fossem superadas tais razões, as atividades sociais das...

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