A importância do sistema público de regulação do trabalho: impactos da reforma trabalhista em diálogo com a economia e o direito

AutorMagda Barros Biavaschi, Marilane Oliveira Teixeira e Alisson Droppa
Ocupação do AutorDesembargadora aposentada do TRT4. Doutora e Pós-Doutora em Economia Social do Trabalho pelo IE/UNICAMP/Economista e Doutora em Desenvolvimento Econômico pelo IE/UNICAMP/Doutor em História e bolsista de pós-doutorado FAPESP
Páginas31-46
CAPÍTULO 1
(1) Desembargadora aposentada do TRT4. Doutora e Pós-Doutora em Economia Social do Trabalho pelo IE/UNICAMP. Pesquisadora no CESIT/
UNICAMP. Professora convidada nos cursos de Pós-Graduação/IE e IFCH/UNICAMP.
(2) Economista e Doutora em Desenvolvimento Econômico pelo IE/UNICAMP. Assessora sindical e Pesquisadora no CESIT/UNICAMP na área de
relações de trabalho e gênero. Membro da REMIR (Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista).
(3) Doutor em História e bolsista de pós-doutorado FAPESP, Processo n.2016/13563-1, na Faculdade de Educação, Unicamp.
A Importância do Sistema Público de Regulação do Trabalho:
Impactos da Reforma Trabalhista em Diálogo
com a Economia e o Direito
MAGDA BARROS BIAVASCHI
(1)
MARILANE OLIVEIRA TEIXEIRA
(2)
ALISSON DROPPA
(3)
Resumo: Este artigo discute aspectos da “reforma” trabalhista brasileira, Lei n.13.467/2017, para, na dinâmica da economia e em
diálogo com o direito, abordar seus principais impactos no sistema brasileiro de regulação do trabalho. Para tanto, sublinha o
significado dessa “reforma” e as falácias dos argumentos de seus defensores, analisando algumas alterações introduzidas que bus-
cam, em síntese, desconstruir o sistema de proteção ao trabalho cujo processo de elaboração se deu a partir da década de 1930,
passando pela CLT de 1943 para, com avanços e recuos, culminar na Constituição de 1988 que estendeu tais direitos a todos os
trabalhadores, urbanos e rurais, reconhecendo-os como sociais fundamentais. Dessa forma, traz elementos que contribuam para
com o debate sobre a importância de um sistema público de regulação que, concretizando as aspirações a uma vida decente e
que a todos integre, coloque limites à ação destruidora de um capitalismo sem peias.
Palavras-chave: Capitalismo globalizado. Impactos da Reforma Trabalhista. Justiça do Trabalho. Terceirização. Precarização.
Abstract: This paper discusses some aspects of the Brazilian labor “reform”, Law No. 13467/17, to address its main impacts on the Bra-
zilian regulatory labor system, within the dynamics of the economy and in dialogue with the law. To do this, it analyzes: the “reform´s”
meaning; the fallacies of the defenders argument´s; and, some of the introduced changes that seek, in synthesis, deconstruct the
work protection system whose elaboration process is from the 1930s, going through the 1943 Consolidation of Labor Laws (CLT) and,
with advances and setbacks, culminating in the 1988 Constitution which extended such rights to all workers, both urban and rural,
as fundamental social rights. Therefore, it brings elements that can contribute to the debate regarding the importance of a public
regulatory system that enables to achieve decent work and put limits to the destructive action of an unregulated capitalism.
Keywords: Globalized capitalism. Labor Reform Impacts. Labor Justice. Outsourcing. Precariousness.
[...] Esse é o momento em que, tanto do ponto de vista prático, quanto ideológico e teórico, as classes
dominantes e dirigentes, em escala mundial, apostam (e ganham) no retrocesso, no recuo das conquistas
sociais e econômicas das classes subalternas. Não é de se espantar que se observe a corrosão das insti-
tuições republicanas, que seja constante e reiterada a violação dos direitos sociais acumulados ao longo
dos últimos trinta anos. Torna-se, portanto, agudo o conflito entre a aspiração e uma vida decente, segura,
economicamente amparada e as condições reais de existência que, segundo o cânone liberal, devem ser
definidas pelas regras impostas pelos processos de “regeneração capitalista”.
(Luiz Gonzaga Belluzzo, O Capital e suas metamorfoses, 2013, p. 33).
32
Direito Fundamental ao Trabalho Digno no Século XXI – Vol. II
Gabriela Neves Delgado
1. INTRODUÇÃO
Este artigo, que atualiza e amplia as análises realiza-
das em texto publicado pela Revista Jurídica Trabalho
e Desenvolvimento Humano(4), busca, com imensa sa-
tisfação, atender ao irrecusável convite para integrar a
obra coletiva “Direito Fundamental ao Trabalho Digno
no Século XXI”, lançada em comemoração aos dez anos
do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania,
da UnB, que, sob a coordenação da Professora Gabriela
Neves Delgado, tem contribuído para a concretização
dos princípios constitucionais da dignidade humana e
do valor social do trabalho, elementos essenciais às aspi-
rações de um trabalho digno que a todos assegure uma
vida decente e democrática neste Brasil de mil e tantas
misérias(5). Para tanto, traz à discussão certos aspectos
da “reforma” trabalhista brasileira, Lei n. 13.467/2017,
para, na dinâmica da economia e em diálogo com o
direito, trazer ao debate seus significados e principais
impactos no sistema de regulação pública do trabalho.
Nessa démarche, aborda o significado dessa “reforma” e
as falácias dos argumentos de seus defensores, focan-
do algumas das alterações introduzidas, deixando claro
que se trata de um processo de desconstrução do sis-
tema público de proteção ao trabalho, cuja elaboração
sistemática se deu a partir da década de 1930, passan-
do por sua consolidação em 1943, com a Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT) para, com avanços e recuos,
ser ampliado a todos os trabalhadores urbanos e rurais
pela Constituição Federal de 1988 que elevou tais direi-
tos à condição de sociais fundamentais.
Escrito em momento de aprofundamento das de-
sigualdades no mundo e no Brasil(6), está fundamenta-
do em pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto
temático Contradições do trabalho no Brasil atual. For-
malização, precariedade, terceirização e regulação, que
contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo
Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP– Processo
n.12/20408-1–, e em estudos realizados no Centro de
(4) BIAVASCHI, M.B; TEIXEIRA, M.O. Balanço da reforma trabalhista em perspectiva econômica, as falácias dos argumentos de seus defensores e
os impactos nas instituições públicas do Trabalho. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.2, n.1, jul. 2019.
(5) ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Nova Aguilar, 1994.
(6) Sobre o aprofundamento das desigualdades consultar: PIKETTY, T. Capital In: the Twenty-First Century. Cambridge: Harvard University Press,
2014 e, também, OXFAM 210. Informe, jan. 2016. Disponível em: comunicacao.com.br/clientes/oxfam/noticias/relatorio_da-
vos_2016>. Acesso em: nov. 2019.
(7) Ver: BIAVASCHI et all. In: KREIN, J. D.; GIMENES, D. M.; SANTOS, A. L dos. Dimensões críticas da reforma trabalhista no Brasil. Campinas, SP: Curt
Nimuendajú, 2018. p. 209-242.
(8) BIAVASCHI, M.B.; TEIXEIRA, M.O. A Reforma Trabalhista Brasileira na Dinâmica da Economia e seus impactos na Regulação Pública do Trabalho:
em diálogo comparado com a reforma trabalhista em andamento na Argentina. In: Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.8, n.2, p. 477-518,
jul./dez. 2018.
(9) As Súmulas do TST expressam o entendimento prevalente das decisões trabalhistas sobre certa matéria.
(10) BIAVASCHI, M.B. et al. In: KREIN, J. D.; GIMENES, D. M.; SANTOS, A. L. Dimensões críticas da reforma trabalhista no Brasil. 2018. p. 209-242.
Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho do Insti-
tuto de Economia da UNICAMP, CESIT, apresentados ao
Ministério Público do Trabalho do Brasil, MPT, sobre a
“reforma” trabalhista e suas consequências(7). Estudos
esses que compreendem a desconstrução da tela pú-
blica de proteção ao trabalho como uma das expres-
sões do capitalismo globalizado e hegemonizado pelos
interesses das finanças, em que as cadeias de valor e as
redes mundiais de produção redefinem as relações de
trabalho, fragmentando a organização dos trabalhado-
res e impactando fortemente o sistema de regulação
do trabalho que inclui as instituições públicas com in-
cumbência de fiscalizar e de dar-lhe eficácia.(8)
Importante definir o significado dessa “reforma”
com o olhar voltado ao conjunto de medidas encami-
nhadas pelo governo federal a partir, sobretudo, de
2016, para, com esse olhar, traçar algumas considera-
ções sobre as novas formas de contratação legitimadas
pela “reforma”, especificando o que se entende por elas,
em especial quanto à terceirização, cujas inibições in-
corporadas na Súmula n.331, do Tribunal Superior do
Trabalho, TST, foram retiradas, sendo necessária con-
ceituação ampla que permita abarcá-la nos diversos
aspectos pelos quais aparece no mundo do trabalho,
como se verá.(9)
Ressalvadas as especificidades de cada país, perce-
be-se que, em linhas gerais, os argumentos dos defen-
sores da reforma estão centrados em temas como(10):
necessária “modernização” da regulação do trabalho
para adequá-la ao estágio atual do capitalismo e às no-
vas tecnologias, estimulando a competitividade e am-
pliando o emprego; fortalecimento das negociações
diretas entre empregadores e empregados como um
dos aspectos necessários à “modernização” e à melho-
ria da produtividade; retirada da “rigidez” da legislação
trabalhista visando ao crescimento e à incorporação
dos informais; busca de maior “segurança jurídica”, com
medidas dirigidas à Justiça do Trabalho sob o argumen-

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