A impossibilidade da interpretação econômica do fato jurídico tributário

AutorGiovani Hermínio Tomé
CargoMestrando em Direito Tributário pela PUC/SP. Especialista em Direito Empresarial pela UFMT. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Advogado
Páginas156-164

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1. Introdução

Nosso objetivo acerca do tema é evidenciar a autonomia do direito com relação a outras matérias, tidas por correlatas, como é o caso da economia. Para tanto, partimos de duas premissas, quais sejam: (i) que o direito positivo é estruturado em forma de sistema autônomo; e (ii) que os elementos de tais conjuntos são normas jurídicas expressas por proposições hipotéti-co-implicacionais.

Necessário se faz informar que a interpretação de cada uma das palavras utilizadas nesse contexto desencadeia um número interminável de confrontos na seara acadêmica. Em vista disso, para conseguirmos realizar o isolamento analítico do tema proposto, fixaremos nossas atenções no exame pontual de determinados tópicos que consideramos relevantes para a compreensão do assunto.

Iniciaremos tecendo algumas considerações sobre o direito positivo e seus elementos, para, com isso, fornecermos a base teórica de nossos estudos. Em seguida, discorreremos sobre a fenomenologia da incidência, contrapondo as principais correntes edificadas a respeito do tema e nos posicionando em relação a elas. Nossa concepção acerca da fenomenologia da incidência jurídico-normativa decorre do entendimento que firmamos acerca do cará-ter constitutivo da linguagem e será de grande importância para estabelecermos uma definição de fato jurídico tributário, a seguir tratado. Por fim, com suporte nessas premissas, estaremos habilitados a efetuar algumas anotações críticas a respeito da pretensa interpretação econômica do fato jurídico tributário.

2. Unidades que compõem o sistema do direito posto

Ao versarmos sobre o direito positivo nos referimos a um sistema lógico-deônti-co, formando conjunto de proposições linguísticas voltado às condutas intersubjeti-vas. Não sendo suscetível de valoração em

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termos de verdade/falsidade (lógica apo-fântica), resta-lhe inaplicável o princípio da não contradição, motivo pelo qual o sistema do direito positivo comporta a existência de proposições contraditórias e lacunas, mas traz em si certa porção de ra-cionalidade que entendemos ser suficiente para lhe conceder foros de sistema empírico, haja vista o comprometimento que guarda com o universo social.

São as normas jurídicas que compõem o sistema de direito posto, os juízos hipoté-tico-condicionais, em que se liga o antecedente normativo, descritor da norma, ao consequente normativo, prescritor do direito, sempre pela vinculação deôntica, o "dever-ser", em sua espécie neutra, ou seja, não modalizada.

Vale lembrar que existem duas normas que deverão se ajustar, de forma respectiva, nos fenômenos da incidência jurídica, quais sejam: (i) norma geral e abstra-ta; e (ii) norma individual e concreta. Sendo a primeira uma norma, quase sempre, de construção, ou seja, nela são estatuídas as conotações, as notas indispensáveis para que os indivíduos pertençam ao conjunto, a relação de pertinencialidade é determinada de forma conotativa. Esse é o modo mais usual no direito positivo, pois não teria fim a formação das classes se houvesse a enumeração dos indivíduos ou das ações frente à inegostabilidade e irrepetitividade do real. A segunda, norma individual e concreta, possui forma tabular, isto é, denotativa, individual a cada caso in concreto.

O enunciado fático é protocolar, corresponde a uma alteração individual que se passou no mundo fenomênico, plenamente determinada no espaço e no tempo. A denotação do evento ocorrido no mundo dos fenômenos, em linguagem apropriada, intitularemos de fato, seja ele um fato político, econômico, contábil, biológico, psicológico, histórico, jurídico etc. Na seara do direito positivo equivale ao antecedente das normas individuais e concretas, sendo esse o objeto da discussão do presente trabalho.

O evento, entendido aqui como realidade social em sua concretude, para que projete seus efeitos no campo do direito, necessita ser transcrito em linguagem competente, por um ser humano, isto é, por uma linguagem jurídica dotada de capacidade à constituição do antecedente normativo e determinar o vínculo relacional existente entre os sujeitos de direito na esfera concreta e individual.

Além da linguagem de cunho descritivo, indicativo ou declarativo, muito utilizadas para realizar a comunicação do dia--a-dia e nos textos científicos, também se faz possível a emissão de enunciados factuais em linguagem prescritiva, operativas ou em linguagem performativa. Deixando de lado a função, todos os enunciados deverão apresentar um quantum mínimo de referencialidade, posto que são formações linguísticas voltadas ao mundo da realidade fenomênica.

Além da boa formação sintática, do idioma, para que emirja uma norma de cunho denotativo, se faz necessária a identificação da ocorrência no tempo e no espaço, obedecendo sempre a hipótese auto-rizadora, o antecedente normativo, previsto na norma geral e abstrata, a norma conotativa. Dessa forma, serão, necessariamente, determinativos.

Em suma, quando aludimos ao fato jurídico e, mais especificamente, ao fato jurídico tributário, estamos nos referindo a uma das unidades do direito posto - a norma individual e concreta - na sua porção antecedente. Por isso, qualquer estudo que se faça do fato jurídico tributário há de levar em consideração o fenômeno normativo e a sua constituição em linguagem própria.

3. Teorias da incidência da norma jurídica

A teoria tradicional da incidência da norma jurídica afirma ocorrer a incidência automática e infalível no plano factual. Acontecido, no plano fenomênico, a situação prevista na hipótese normativa, já se

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operaria a incidência, instalando-se o vínculo obrigacional.

Essa teoria se enquadra muito bem aos sistemas teóricos que não distinguem planos do direito positivo e realidade social. Se entendermos dessa maneira, será necessário concluir que a incidência é um fenômeno do mundo social. Assim, ela incidiria sozinha, por conta própria sobre os eventos, no momento em que eles ocorrem, propagando consequências jurídicas independentemente de seu relato linguístico.

Noutro norte, para o construtivismo lógico-semântico, o direito positivo e a realidade social pertencem a dois planos distintos.

O plano do direito positivo, que é o conjunto das normas jurídicas válidas num território em determinado momento, formado exclusivamente por normas jurídicas, possui uma linguagem própria, que não se confunde com a da realidade social. O sistema do direito positivo só permite a entrada, em seu campo, de fatos sociais quando estes forem descritos no seu código (lícito/ilícito), sendo relatados na linguagem competente, que é a linguagem do direito positivo. Ou seja, o fato social não ingressa no universo jurídico: só fato jurídico passa a integrá-lo.

Assim, um fato do mundo social, evento, só passa a ser jurídico se for ingressado no direito positivo, qualificando--se como fato jurídico, pois somente a ele se atribuem as consequências jurídicas, não bastando o mero evento estar de acordo com o...

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