A imunidade dos serviços de telecomunicação: características, requisitos de aplicação e efeitos sobre o FUST e o FUNTTEL

AutorTácio Lacerda Gama
CargoMestre e Doutor em Direito pela PUC/SP - Membro e Professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários
Páginas118-126

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1. Introdução

Até o dia 11.12.2001 os serviços de telecomunicação estavam imunes à incidência de qualquer outro tributo que não o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços/ICMS, o imposto de importação/ II e o imposto de exportação/IE, quando, então, foi inserida no Sistema Tributário Nacional a Emenda Constitucional 33/2001, substituindo um único vocábulo no § 3o do art. 155, fazendo constar o signo "imposto" no lugar de "tributo".

Esta sutil alteração juntamente com os precedentes construídos pelo STF no sentido de que a contribuição ao PIS e a COFINS - contribuições sociais - não eram excepcionadas da referida imunidade fizeram com que a maior parte da doutrina não se manifestasse sobre a validade de alguns tributos instituídos sob a vigência da redação originária do art. 155, § 3o, da CF, para incidir sobre as materialidades ali previstas, como é o caso das contribuições ao FUST e ao FUNTTEL.

Insurgindo-se contra este silêncio de quase uma década, o objetivo do presente trabalho é: (i) delimitar o sentido e alcance da regra de imunidade prevista no art. 155, § 3o, da CF; (ii) indicar os critérios para sua aplicação ao caso concreto; e, por fim, (iii) os efeitos que projeta sobre a validade das contribuições ao FUST e ao FUNTTEL.

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2. Noções gerais sobre imunidades

As imunidades são enunciados constitucionais que integram a norma de competência tributária, delimitando a autorização para criar tributos.

Adotando a definição oferecida por Paulo de Barros Carvalho, conceituamos "imunidades" como "classe finita e imediatamente determinável de normas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas".1 Partindo-se desta definição, é possível concluir, dentre outras coisas, que, ao se referir a situações específicas e suficientemente caracterizadas, as imunidades surgem como princípios que ditam limites objetivos à instituição de tributos.

De fato, a distinção entre "princípios" e "imunidades" é formulada pela doutrina. Não há no texto constitucional referência a "imunidades tributárias". Há - isto, sim - um conjunto de enunciados prescritivos identificados como "princípios" ou "imunidades" segundo critérios que variam de um autor para outro. Esses enunciados têm em comum o fato de integrarem a estrutura da norma de competência, disciplinando a criação de tributos. Por este argumento, não há maiores inconvenientes em se considerarem as "imunidades" como espécie do gênero "princípios jurídico tributários".2

Tomando a distinção entre princípios que prescrevem valores e princípios que veiculam limites objetivos, Eurico de Santi afirma ficar claro que "a imunidade (...) não é um valor, mas sim um limite objeti-vo. Isso não nega que por detrás da regra de imunidade há valores que ela visa a atingir".3 Como todo limite objetivo, as imunidades atuam para atingir determinados valores. Esta é, invariavelmente, sua função: viabilizar o alcance de valores que o constituinte julgou fundamentais.

Com estas noções, e tendo em vista a estrutura da norma de competência, é possível afirmar que as imunidades são enunciados prescritivos, veiculadores de limites objetivos, que atuam no conseqüente da norma tributária, impedindo sejam criados tributos que onerem determinadas situações e pessoas.

3. Imunidades genéricas e imunidades específicas

Várias são as classificações que podem ser construídas a partir das regras de imunidade. Interessa, entretanto, para o desenvolvimento do presente trabalho, aquela que diferencia as imunidades em genéricas e específicas ..4 Entendem-se por

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imunidades genéricas aquelas prescritas para todo e qualquer tributo, ao passo que as imunidades específicas dizem respeito somente a uma determinada espécie tributária. O critério de distinção está no próprio direito positivo: quando há referência a "tributos" há uma imunidade genérica; quando há referência a uma espécie tributária - impostos, por exemplo - tem-se uma imunidade específica.5

A Constituição Federal prescreve diversas imunidades específicas. O art. 150, VI, por exemplo, veda a instituição de impostos sobre algumas materialidades que enumera. Proíbe, por exemplo, sua instituição sobre (i) patrimônio, renda e serviços uns dos outros; (ii) templos de qualquer culto; (iii) livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão. Note-se que a referência constitucional é dirigida especificamente a uma espécie de tributo: os impostos. Por isso, configura imunidade específica.

Há, também, imunidades específicas relativas a outros tributos. O art. 195, § 7°, prescreve que seriam "isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei". Neste enunciado, embora a prescrição afirme "são isentas", o que se tem é uma imunidade. Trata-se de enunciado constitucional que veda a instituição de contribuições sociais sobre as pessoas jurídicas que indica, conforme sejam atendidos os requisitos da lei.

Esses exemplos demonstram que as imunidades podem integrar a norma de competência para a edição de qualquer espécie tributária. As normas que regulam a criação de contribuições interventivas não são exceção, sendo delimitadas também por enunciados que veiculam imunidades.

4. A imunidade do art 155, § 3°, da Constituição da República

Antes da edição da Emenda Constitucional 33/2001 o art. 155, § 3o, da CF apresentava a seguinte redação: "§ 3°. À exceção dos impostos de que tratam o inciso II deste artigo e o art. 153,I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do país" (grifamos).

Desdobrando analiticamente esta disposição constitucional, é possível concluir que - exceção feita ao ICMS, ao II e ao IE - as pessoas políticas de direito constitucional interno não tinham competência para gravar com qualquer outro tributo as operações com (i) energia elétrica, (ii) serviços de telecomunicações, (iii) derivados de petróleo, (iv) combustíveis e (v) minerais do país.

A norma em análise não comporta qualquer tipo de digressão. Seu texto é de clareza singular. Estabelece verdadeiro limite ao exercício da competência tributária, impedindo a instituição de qualquer outro tributo sobre as materialidades taxativamente indicadas além do ICMS, do II e do IE. A referência específica a estes impostos exclui a possibilidade de se criar qualquer outra espécie tributária que onere as atividades que menciona. Não há espaço para dúvidas: trata-se de imunidade genérica.

O STF em mais de uma oportunidade reconheceu a imunidade genérica estabelecida pela redação originária do art. 155, § 3o, da CF, qualificando-a como garantia

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geral do contribuinte. No julgamento do RE 177.137-2/RS, de relatoria do Min. Carlos Veloso, ficou assentado: "Quando a Constituição desejou estabelecer limitação ou vedação a qualquer tributo e não às suas espécies, ela foi expressa, como, v.g., art. 146, III...

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