Incidências das novas tecnologias nas relações de trabalho

AutorThereza Christina Nahas
CargoDoutora pela PUC/SP (Brasil) em Direito do Trabalho e pela Doutora em Direito Internacional pela UCLM (Espanha), pesquisadora, professora, juíza do trabalho do Tribunal do Regional do Trabalho de São Paulo
Páginas89-100
Revista da Academia Brasileira de Direito do Trabalho 89
Incidências das novas tecnologias
nas relações de trabalho(1)
The impact of new technologies
work relationships
Thereza Christina Nahas
(2)
(1) Trabalho publicado no número especial da RDT de maio de 2019 da editora RT, dedicado aos artigos aprovados no Congresso
do Cielo Laboral 2018.
(2) Doutora pela PUC/SP (Brasil) em Direito do Trabalho e pela Doutora em Direito Internacional pela UCLM (Espanha), pesquisado-
ra, professora, juíza do trabalho do Tribunal do Regional do Trabalho de São Paulo. Currículo completo em:
cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4267210T4>. tnahas70@gmail.com
Resumo:
As mudanças trazidas pelas novas tecnologias não são as responsáveis pela precarização das relações de trabalho ou pelo desa-
parecimento dos postos de trabalho e fim do emprego, como preconizado pelos mais reticentes. O trabalho em que não se exige qualifi-
cação ou pode ser mecanizado será substituído por processos mecânicos e pela robotização, o que guarda pontos positivos e nada mais
representa que uma consequência natural da evolução dos meios de produção e da sociedade. Vivemos em um mundo em transformação
e devemos buscar respostas globais para conseguir solucionar questões locais. É necessário reinserir o contrato de trabalho no nova
cenário tecnológico, preparar os trabalhadores que transitam do modelo velho para o novo e permitir a inserção da nova geração que já
não se adequa ao sistema tradicional. Além disso, em países com grandes diferenças sociais e econômicas, faz-se necessário a inserção
do trabalhador que sequer consegue ocupar um posto de trabalho. A tecnologia serviu para fortalecer o capital e deve servir também,
na mesma proporção para unir a classe do precariado que por várias conveniências sociais e politicas foram olvidadas e só por meio da
reinserção dela na sociedade e por uma ação concertada se poderá alcançar um futuro do trabalho decente.
PalavRas chave:
Precariado. Economia colaborativa. Robotização. Trabalho em cadeia digital.
abstRact:
The changes brought by the new technologies are not responsible for the precariousness of labor relations or the disappearance
of jobs and the end of employment, as advocated by the more reticent. Work that does not require qualification or can be mechanized
will be replaced by mechanical processes and robotization, which holds good points and represents nothing more than a natural conse-
quence of the evolution of the means of production and society. We live in a changing world and we must seek global responses to solve
local issues. It is necessary to reinsert the work contract in the new technological scenario, to prepare the workers who move from the
old to the new model and to allow the insertion of the new generation that no longer suits the traditional system. In addition, in countries
with great social and economic differences, it is necessary to include the worker who can not even occupy a job. Technology has served
to strengthen capital and must also serve, in the same proportion, to unite the class of the precarious that by various social and political
conveniences have been forgotten and only by the reinsertion of it in the society and by a concerted action will be possible to reach a
future for decent work.
KeywoRds:
Precarious. Collaborative economy. Robotization. Digital chain work.
Sumário:
1. Colocação do tema. 2. Um mundo em transformação. 3. Pequenas e médias empresas e empreende-
dorismo. 4. Economia colaborativa. 5. Características das plataformas digitais e seus trabalhadores. 6. Impactos da
nova economia nas relações de trabalho fragmentadas. 7. Conclusões.
1. COLOCAÇÃO DO TEMA
A tecnologia atua de modo a trazer mudanças profundas não só na vida das pessoas, empresas e Estados, mas
também, na relação laboral. As chamadas plataformas digitais têm produzido uma verdadeira revolução na forma
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da prestação de serviços e no contrato de trabalho, seja no modelo subordinado ou autônomo, atingindo de forma
crucial o conceito de subordinação e a forma tradicional da relação de trabalho.
Não há dúvida de que a relação que se estabelece tem natureza trabalhista, por permitir que se vinculem entre
si aquele que realiza a prestação de serviços e aquele que organiza uma atividade empresarial. Todavia, há que
reconhecer que os modelos de organização empresarial consequentes do uso da tecnologia incidem de maneira
profunda no mercado de trabalho e permitem que escapem às formas tradicionais, tanto do trabalho autônomo
como dependente. Importa dizer que os contratos tradicionais, na modalidade típica ou atípica, têm como ca-
racterística a necessária retribuição pelo serviço prestado e uma maior ou menor subordinação à organização
empresarial, o que não ocorre, necessariamente, nas chamadas economias colaborativas que deram origem ao que
em pouco tempo se transformou numa das formas mais importantes dos novos modelos empresariais e que nasce,
justamente, da colaboração ou intercambio de bens, serviços ou experiências entre pessoas que muitas vezes não
possuem nada em comum.
A proposta inicial deste tipo de economia, tem um avanço importante a partir da crise de 2008. Para investido-
res mostrou-se como uma opção de negócio rentável e para muitos trabalhadores como uma opção de sobrevivên-
cia ante a dificuldade em encontrar uma ocupação. Assim surge uma economia baseada num compartilhamento
de lucros e riscos, sem que se configure um típico contrato social ou de trabalho, cujas características também são
distintas dos modelos tradicionais, aumentando o receio dos trabalhadores quando se ouvem os rumores que se
espalharam de que seriam substituídos por robôs.
Na estrutura empresarial tradicional, ainda que configurada por um grupo de empresas seja na mesma linha
de produção ou integradas economicamente, se tem conhecimento de quem forma parte dela. Fisicamente se sabe
onde esta localizada a empresa, quem são seus gestores e beneficiários da produção e a quem será dirigida a pres-
tação de serviços. A relação é fisicamente palpável e se pode identificar exatamente sua constituição e formação.
As novas tecnologias, ao contrário, têm viabilizado um ambiente empresarial desconhecido em que tudo se
move no escuro e numa relação de confiança que para este século se mostra absolutamente surpreendente e con-
traditório, quando comparada aos vários mecanismos criados pela própria tecnologia e que nos roubam a privaci-
dade ante sistemas de vigilância constantes em nossa vida privada.
As relações de toda natureza, no mundo tecnológico, se passam num plano virtual e se estabelecem numa
relação de confiança onde as pessoas, mesmo não se conhecendo, firmam negócios jurídicos dos mais diversos e
são impulsionadas pelo preço e pela comodidade. A tecnologia permite que os custos de transação e de produção
sejam reduzidos e, muitas vezes, inexistentes. A ausência de intermediações nos negócios permite que se preste
serviços por preços muito reduzidos, seduzindo o consumidor que está na outra ponta do negócio e que é a peça
central do que impulsiona este mercado cada vez mais pungente e crescente.
A ideia central desta economia, é o oferecimento do produto ou serviço cada vez por um valor menor, dentro de
uma margem de lucro razoável que, em tese, apresentará um resultado de satisfação para aquele que viabiliza a re-
lação comercial ou financeira. Além disso, o objetivo é permitir ou aumentar a competitividade no mercado global
e não necessariamente local, bem como criar facilidades para aqueles que (a) oferecem seu produto ou serviço,ou
(b) aqueles que o consomem ou fazem uso dele como destinatário final, dentro de uma cadeia harmônica e secular
existente: mercado – trabalho – consumo.
As novas formas do que podemos chamar de organizações empresariais, filantrópicas ou economia colaborativa,
com ou sem finalidade lucrativa para que as organiza, chegam ao extremo da descentralização e se pode afirmar
que é a forma aprimorada ou ápice daquilo que na década de 70 foi denominado de terceirização e chega ao século
XXI na forma genuína da descentralização ou fragmentação extrema da atividade empresarial ou filantrópica. Este
grande polvo, estende seus tentáculos em todas as áreas da vida cotidiana desde o consumidor mais humilde ao
mais exigente, facilitando sua vida, tornando-a mais econômica e seduzindo a todos para que consumam cada
vez mais, movimentando o mercado de um modo eficiente, rápido e satisfatório, de modo que, aquele que utilizou
o serviço ou comprou o produto em uma determinada oportunidade, certamente voltará a repetir a ação todas as
vezes que necessitar.
As relações verificadas nos novos tipos negociais, por consequência, afetam as relações de trabalho tradicio-
nais tanto no modelo autônomo como no subordinado. O trabalhador deixa de estar estritamente subordinado
a estrutura empresarial, não obstante dependa dela para oferecer seus serviços, torna-se mais confiante em suas
própria habilidades, passa a responder pelos riscos do negócio não na qualidade de autônomo dependente ou
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independente mas com uma característica que mescla sua qualidade de prestador de serviços com o responsável
pela organização empresarial, crescendo a figura daquilo que se vem nominando de empreendedores, categoria
que surge, quiçá, para designar este novo tipo de prestador de serviços.
2. UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO
O medo instalado no mundo do trabalho de que o trabalhador humano seja substituído por robôs ou por
qualquer aparato tecnológico, nada mais representa que um mito. Convém lembrar o que pontuou Todd Hirsch
“It’s an economic tale told time and time again. Camera film makers. Video stores. The music recording industry.
Perhaps most famously, the Luddites – those textile labourers in 19th century England who protested against the
introduction of mechanized looms by smashing them. Many of them failed to adapt to new, disruptive technolo-
gies and went extinct(3).
O que se está produzindo é uma nova economia no contexto de um novo mundo de organização empresarial
e, até mesmo, estatal pública, não muito distinto dos movimentos que já ocorreram em outros séculos, mas na
velocidade que os cabos de internet ou a rede wifi permite que elas ocorram. O modelo tradicional das grandes
empresas que concentravam a produção desde a aquisição da matéria prima até sua distribuição ao consumidor
final, não tem mais espaço no século XXI, dando lugar a grandes núcleos multinacionais atuantes em grupos em-
presariais que acabam por utilizar as economias locais e suas pequenas e médias empresas para alimentar a gestão
atual de atuação, produção e desenvolvimento do produto e serviço, fragmentando não só a relação de trabalho,
mas a empresarial e, por consequência provocando uma descontinuidade no fluxo da prestação de serviços. Leva a
máxima a doutrina de Toyota: é necessário produzir-se a quantidade necessária no tempo necessário, buscando-se
o controle na qualidade de serviço e na satisfação do cliente: o trabalhador é livre para fazer aquilo que o mercado
(empresarial e consumidor) gostaria que fizesse.
Esta máxima com a necessidade de se criar métodos alternativos de produção e inserção do trabalho (autô-
nomo ou subordinado) no mercado de trabalho, reduzindo as estatísticas de desemprego e o custo estatal, desen-
volve-se, principalmente por meio de plataformas que agregam principalmente, as médias, pequenas empresas e
trabalhadores individuais, o que acaba por resolver, ainda que não de forma definitiva e muitas vezes extrema-
mente precária, dois problemas: do desemprego e dos custo de produção e formação. Incentiva-se e prolifera-se o
empreendedorismo. Os prejuízos americanos resultantes da crise de 2008 pareceriam ser reduzidos com a política
protecionista de Barack Obama e a grande proliferação dos empreendedores, solução esta agasalhada pelas orga-
nizações internacionais como Banco Mundial e FMI.
Em paralelo, viabiliza a abertura desenfreada no mercado de trabalho das cadeias de produção digitais e a
fratura do próprio direito do trabalho e do contrato de trabalho tradicional que já não se pode mais adequar aos
modelos tradicionais.
3. PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS E EMPREENDEDORISMO
Há que considerar que as empresas médias e pequenas (pymes) têm representado mais da metade dos postos
de trabalho formais no mundo, o que não representa necessariamente que se comportem como empregadores
formais e tradicionais. As pymes constituem a maioria dos negócios existentes nos países de ingressos baixos e,
segundo estudo realizado pela Corporação Financeira Internacional (IFC) representam mais da metade dos postos
de trabalho formais em todo o mundo já comparável com as grandes empresas(4), apesar de ressaltar o informe que
está excluindo desta estatística as microempresas e os trabalhadores independentes. Todavia, um exemplo que se
pode dar é da plataforma Farmerline(5), que promete transformar os pequenos agricultores em empreendedores de
sucesso, possibilitando o aceso a informação e recursos necessários para aumentar sua produtividade. E evidente
que este pequeno empreendedor ineludivelmente fará parte da grande cadeia de produção do agronegócio.
(3) HIRSCH, Todd, specialtotgeGlobeand Mail, disponivel em
-technology-claims-another-victim>. Acesso em: novembro de 2018.
(4) Disponível em: ww.bancomundial.org /es/news/featur e/2016/06/20/entrepreneurs-and-small-businesses-spur-econo-
mic-growth-and-create-Jobs>. Acesso em: set. 2018.
(5) Disponível em: . Acesso em: setembro de 2018.
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A Farmerline desenvolveu, por exemplo, o Mergdata(6) que é uma ferramenta de comunicação topográfica de
gerenciamento de dados que fornece a análise instantânea de dados coletados em campo e permite a transmissão
de mensagens de voz a textos para milhares de telefones de uma só vez.
A MoringaConnect e uma empresa social que assegura aos agricultores de moringa, um mercado garantido
para seus produtos, processando as folhas nutritivas em produtos de saúde e beleza para este tipo de mercado.
Gerencia mais de 2.500 agricultores de moringa.
É evidente a vantagem de sistemas integrados e as oportunidades econômicas que criam não somente no cam-
po econômico, mas também social, permitindo que muitos trabalhadores sem qualquer oportunidade e em uma
situação absolutamente precária, possam ver com esperança uma possibilidade de colocação profissional. Tecno-
logia da informação e comunicação estão em crescimento acelerado nos países em desenvolvimento e a estimativa
que as pymes possam representar um aproveitamento de U$ 1,6 bilhões dos mercados na próxima década.
A questão que se coloca, no entanto, é saber como isso afetará o mercado de trabalho e as incidências que poderão
refletir sobre ele, principalmente sobre os trabalhadores precarizados e os não qualificados, aos quais muitos países,
especialmente em desenvolvimento, não tem reservado um respaldo jurídico de inserção e formação. E, alguns deles,
o que se tem é um socorro provisório em forma de algum benefício social que pouco serve para alimentar-se.
É certo que todos estes movimentos causam uma ruptura entre o modelo de contrato de trabalho tradicional,
seja subordinado ou independente em qualquer nível, criando novas relações jurídicas para uma sociedade que,
também, é distinta daquele em que se formou o direito do trabalho que conhecemos.
A descentralização da prestação de serviços alcança níveis nunca imaginados e o principal objetivo é reduzir
custos e tornar a atividade cada vez mais especializada, a ponto de reduzir-se ao mínimo a atividade empresarial
ao mesmo passo que se pretende oferecer uma variedade de serviços. Barak Obama, na Cumbre Mundial de Em-
preendedores realizada no Kenya em 2015, acenou para a importância do espírito empreender e na possibilidade
que tem de criar “novos empregos e novos negócios, criar novas maneiras de prestar serviços básicos, criar nova
maneiras de ver o mundo; é o fator que impulsa a prosperidade”(7).
É evidente que todas estas mudanças de organizações que impactam a sociedade, a econômica e o modo de
vida de todas as pessoas, vai refletir nos negócios jurídicos de toda natureza, interferindo nos modelos de contra-
to de trabalho tradicionais que não estão preparados para a tutela do que se vem denominando de novos tipos de
trabalhadores.
Como ensina Adrián Todolí Signes, “no obstante, conforme mejoran las tecnologías y los costes de transacción
se reducen aún más, se está empezando a observar, en algunos sectores, que la descentralización no es suficiente.
Por el contrario, las empresas están dando paso a una balcanización del mercado, donde las empresas no contratan
trabajadores – excepto los más imprescindibles –, sino que su modelo de negocio consiste en poner el contacto
el demandante del servicio con el proveedor del este. La novedad proviene en que el proveedor del servicio no
será una empresa, como lo hubiera sido hasta ahora, sino que directamente será la persona individual que pres-
tará el servicio – un autónomo independiente –. La descentralización, pues, lleva a extremo: a la atomización del
mercado”(8).
4. ECONOMIA COLABORATIVA
A economia colaborativa, para fins didáticos, pode ser dividida em situações em que não se fixam qualquer
contribuição econômica desde a perspectiva do contrato de trabalho tradicional; e, também, naquelas em que a re-
tribuição econômica é elemento do contrato de trabalho subordinado ou não. Está baseada em plataformas digitais
que permitem que se possa intercambiar bens, serviços e direitos, mas nela não se vê necessariamente a existência
de um empresário que dirige o negócio e seus riscos; tampouco um trabalhador que está disposto a subordinar-se
na forma tradicional a estrutura das plataformas digitais que, em geral, sequer tem conhecimento de sua estrutura.
Muito vezes se reveste da forma daquilo que se pode denominar de empreendedorismo, embora possa ser assim
caracterizada ou não, inobstante tem a pretensão de ter esta natureza.
(6) Disponível em: e https://mergdata.com/. Acesso em: novembro de 2018.
(7) Disponível em: . Acesso em: novembro de 2018.
(8) TODOLÍ SIGNES, Andrián, El Trabajo en la Era de la Economía Colaborativa, ed. Tirant, Valencia 2017, p.19.
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Há uma mudança radical nos elementos contratuais dos negócios jurídicos tradicionais e o objeto da relação
jurídica que se realiza é absolutamente amplo e distinto das estruturas formais que estávamos habituados nos
modelos tradicionais.
Ocupa espaço, ainda, num nicho em que se percebe a crescente inserção de robôs para realização de tarefas
repetitivas e capazes de serem realizadas com o uso da tecnologia, o que se realiza desde tarefas simples como por
exemplo, aquelas realizadas em residências com o uso de robôs aspiradoras, até aquelas que se mostram um pouco
mais complexa, como uma cirurgia hospitalar.
Nas plataformas, os trabalhadores em transição – permita-me o uso da expressão que utilizo para referir-me ao
trabalhador que transita no modelo tradicional do séculos passados a este século XXI e que necessariamente terá
que adaptar-se a nova economia para manter-se ocupado – se caracterizam por se disporem a prestar um serviço
em que demonstram suas habilidades, intenções e objetivos à disposição de um número ilimitado de pessoas que
poderá ou não ter algum contato pessoal, através de centro de bits que se encarrega de fazer a aproximação entre
este prestador de serviços e os seus consumidores. Muitos deles podem, inclusive, garantir cem por cem daquilo
que se produz, como ocorre no exemplo já citado da Moringa Connect(9). O fato é que a maior parte deles não
teve oportunidade de entender a nova sistemática dos novos modelos empresariais: as escolas mantém os métodos
tradicionais e a formação que adquirem não se adapta as novas regras do mercado. Há um descompasso gritante
entre a formação que adquirem e aquilo que se lhe é oferecido pelo mercado de trabalho.
Estima-se, ainda, que estes novos métodos de prestação de serviço e produção virtuais desenvolvidos através
das novas tecnologias, serão responsáveis pelo desaparecimento até 50%(10) dos postos de trabalho criados no
modelo da revolução industrial e do trabalho tradicional, métodos estes que não são mais adaptáveis as novidades
introduzidas pela revolução tecnológica que já esta na sua quarta geração. A perspectiva é que isso ocorra nos pos-
tos de trabalho de menor qualificação e remuneração e que exigem menos estudos e conhecimentos(11). Isso atinge
de modo brutal os países em desenvolvimento ou aqueles que simplesmente ainda não adotaram um sistema que
possa tutelar estas relações em todas as suas formas. Some-se a isso que não se vê, necessariamente, em concreto,
novos standares de proteção global, capazes de agasalhar o novo mundo do trabalho em todas as suas formas.
Dai a consequência lógica de que os investimentos estrangeiros vêm sendo trasladados para países com maior
conhecimento tecnológico, o que não parece uma mera coincidência, já que as empresas devem investir cada vez
mais em zonas que lhes garantam o desenvolvimento tecnológico de sua produção. Guy Ryder, na conferência
Predecir lo Impredecible: El Futuro del Trabajo, em 2015(12), acena para o fato de que as cadeias de montagem mun-
dialmente formadas e virtuais tem a capacidade intrínseca das tecnologias futuras de transformar as relações entre
os provedores da produção e aqueles que a buscam: produção mundial em linha virtual serão os pilares da econo-
mia mundial. Isso se dará, irremediavelmente, pelo uso cada vez maior e mais estendido das plataformas virtuais.
Há que se ter em mente, não somente a conjuntura econômica e de transformação das empresas, mas também
a força natural trazida pelo mercado de consumo que impulsiona estas novas relações jurídicas. Assim como as
empresas, os consumidores querem produtos e serviços com maior qualidade e menores custos. Não há intenção
de que pessoas físicas e jurídicas com condições econômicas menos favorecidas possam arcar com os custos de
uma atividade produtiva, o que leva que busquem soluções que sejam economicamente viáveis e com custos me-
nores, muitas vezes executada por elas mesmas sem delegação da atividade a um trabalhador que possa mediar a
prestação de serviços e a gerência do negócio.
Por outro lado, a nova geração digital de jovens, tem um perfil diferenciado dos antigos trabalhadores que
deram nascimento ao direito do trabalho, tendo acesso a tecnologia em todas as suas formas. A chamada geração
Y (nascidos depois de 1983) rotulada “Geração Ecológica”, “Nativos Digitais” ou os “Milênios” “são incrivelmen-
te confiantes, criativos e com uma visão mundial (...) é a maior geração a entrar na força do trabalho desde os
Boomers (...) estão no mercado de trabalho há poucos anos e já ganharam a reputação de serem superconfiantes,
(9) Disponível em: . Acesso em: novembro de 2018.
(10) BENEDIKT FREY, Carl &A. OSBORNE, Michael, The future of employment: how susceptible are Jobs to computerisation (sep-
tember 17, 2013, disponível em: .oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/The_Future_of_Employment.pdf>.
Acesso em: setembro de 2018.
(11) NAVARRO, Vicenç, Não culpem os robôs, disponível em: . Acesso em:
janeiro de 2018.
(12) Disponível em: outube.com/watch?v=U3RSFeYFrFo>. Acesso em: novembro de 2018.
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desleais e volúveis. Indiscutivelmente, isso pode ser porque foram mal compreendidos e mal geridos pelos empre-
gadores, que ainda os tratam no formato das perspectivas adotadas pelo Baby Boomers e integrantes da Geração
X. Mais importante ainda, eles encaram o trabalho e o tratam de maneira diferente, em parte porque foram criados
de maneira diferente”(13).
Assim, atualmente, se vê no mercado de trabalho gerações muito diferentes compartindo e competindo por
vagas de trabalho em numero insuficiente para albergar a todos e, certamente, a geração tecnológica, terá mais
condições de conseguí-las do que aquela que entre o novo e o velho, ainda tem dificuldades de apreender aquilo
que esta ultima geração já tem conhecimento desde a infância. Isso certamente acirra o problema quanto a co-
locação da mão de obra mãos velha a viabiliza a maior precarização dos trabalhadores mais jovens, fato este que
desencadeia vários outros conflitos para os Países.
5. CARACTERÍSTICAS DAS PLATAFORMAS DIGITAIS E SEUS TRABALHADORES
As plataformas digitais permitem maior mobilidade e disponibilidade de tempo, aquilo que o novo modelo
de trabalhador tem como componente essencial na colocação profissional e que, ao contrário das gerações ante-
riores, não lhes importa que seja para toda a vida: a geração dos trabalhadores digitais tem um ritmo frenético de
mudanças e nenhuma fidelidade com o empregador que, muitas vezes, não sabem quem é. Adaptam-se a tudo e
o seu momento e agora(14).
Paralelo a este cenário, ainda se vê um grande contingente de trabalhadores pobres ao extremo, sem qualquer
qualificação ou oportunidade profissional ou social que, segundo aponta o relatório 2018 da OIT, em 2017 chegou
ao extremo: mais de 300 milhões de lares de trabalhadores nos países emergentes e em desenvolvimento teve uma
renda inferior a U$1,90 ao dia(15). Tal situação não é um privilégio dos países periféricos. Como observa Deborah
Greenfield, o mundo do trabalho está em uma encruzilhada: “tras la Gran Recesión que elevólos niveles de de-
sempleo a 200 millones y generó una inseguridad generalizada, los mercados laborales de todo el mundo están
experimentando profundas transformaciones. Estos cambios nos obligan a reconsiderar lo que el trabajo significa
e implica. También son un desafío para que nuestras sociedades encuentren la manera de garantizar que el trabajo
ofrezca los empleos y los ingresos que las personas necesitan. Hoy en día, el mundo del trabajo está presenciando
una erosión de la clásica relación empleado-empleador. Una proporción cada vez mayor de la población activa está
empleada en lo que la OIT define formas atípicas de empleo. Éstas comprenden el empleo temporal, el trabajo a
tiempo parcial y el trabajo a pedido, la relaciones de trabajo multipartitas como la “cesión temporal”, y el empleo
encubierto y por cuenta propia económicamente dependiente. En los últimos años, el incremento de la “economía
de plataformas de Internet” o el “trabajo por encargo” donde el trabajo es mediado a través de plataformas Internet
o aplicaciones por celular, ha renovado el interés hacia estas formas de trabajo”(16).
Todavia, a crise do emprego e as mudanças nos modelos contratuais não depende apenas dos fatores aqui já
relatados. Há outras realidades em paralelo que devem ser consideradas: (i) a população mundial chegará a 9000
milhões em 2050 e este número cresce em ritmo mais acelerado do que o aumento de postos de trabalho; (ii) até
2020 estima-se que serão criados 900.000 postos de trabalho todos relacionados a internet, tecnologia e inteli-
gência artificial que farão desaparecer outros tantos postos de trabalho que resultarão inadequados e obsoletos
(processo de “virtualización laboral”(17)); (iii) os trabalhadores do futuro (knowmads) terão que mudar constan-
temente de emprego, ou por vontade própria ou pela atividade que desempenhem, não estando mais vinculados
a um posto de trabalho ou a uma só empresa e cruamente trabalharão por projetos nos novos ecossistemas de
trabalho corporativo; (iv) as empresas multinacionais voltarão a brigar por talentos, num momento em que as
políticas anti-imigração se tornam mais severas(18).
(13) MATTEWAN Jim. Os Novos Nômades Globais. Editora Laselva Negócios, São Paulo, 2012, p.38.
(14) MATTEWAN Jim, Os Novos Nômades Globais....p. 38-39
(15) Informe OIT Perspectivas Sociales y del Empleoenel Mundo. Disponível em: .ilo.org>. Acesso em: janeiro de 2018.
(16) GREENFIELD, Deborah. Notas explicativas. Disponível em: .ilo.org>. Acesso em: janeiro de 2018.
(17) DE LA TORRE, Carlos, Contribuición al Debate sobre el Futuro del Trabajo. Inciativa del Centenario de la OIT. Disponível em:
. Acesso em: janeiro de 2018.
(18) DE LA TORRE, Carlos. Contribuición al Debate sobre el Futuro del Trabajo
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Por fim, um último elemento que gostaria de ponderar é o crescimento de um movimento que Guy Standing
denomina como precariado “un fenómeno nuevoaunquetuviera precedentes em el passado (...) es algo distinto de
la “classe obrera” o del “proletariado”. Estos últimos términos sugieren una sociedad que consiste principalmente
en trabajadores con un puesto relativamente duradero y estable, con jornadas de trabajo fijas y vías bastante claras
de mejora, sindicados y con convenios colectivos, cuyos puestos de trabajo tenían un nombre que sus padres y
madres habrían entendido, frente a patronos locales cuyos nombres y rasgos les eran familiares. La mayoría de
los trabajadores precarizados no conocían a su patrono ni sabían cuántos empleados tenía este o podría llegar a
tener en el futuro. Tampoco eran de “clase media”, ya que no tenían un salario estable o predecible ni el estatus y
ventajas que se supone que posee la gente de clase media. A medida que se aproximaba el final del milenio, cada
vez más gente, y no solo en los países en desarrollo, se iba encontrando con un estatus que los antropólogos y
economistas del desarrollo llaman “informal”. Probablemente ellos mismos no habrían encontrado adecuado el
término para sí mismos ni habrían pensado que describía una forma común de vivir y trabajar. Así pues, no perte-
necían a la clase obrera ni a la clase media, ni se sentían “informales”. ¿Qué eran entonces? Lo que probablemente
no habrían negado es que llevaban una existencia precaria”(19).
É justamente nesta rachadura dos modelos tradicionais que se insere estes novos tipos de trabalhadores que,
apesar do grande número que representam, tem sido tratados à margem pelos diversos sistemas normativos que
insistem em seguir presos a tradição dos tipos de relação subordinada ou autônoma que permitiu o desenho do
direito do trabalho que hoje se aplica.
Em esta apertada síntese do cenário econômico e social e que impulsiona e economia moderna, é que se en-
contra o uso maciço da tecnologia em benefício de pessoas comuns, principalmente a esquecida classe precária,
que utiliza as ferramentas virtuais a fim de desenvolver uma atividade que, se não fosse pelas facilidades trazidas
pelos instrumentos tecnológicos de ponta, não poderiam faze-lo e se manteriam à sombra dos sistemas normati-
vos. Estas formas trazem, ainda, a ilusão do alcance de alguma segurança e muitas vezes de mostra como a única
opção daqueles que não encontram outra ocupação que possa manter suas vidas.
O conflito entre tutela estatal e movimentação dos novos modelos de inclusão dos trabalhadores na sociedade
só faz crescer a tensão entre capital e trabalho, com um amargo ingrediente que se traduz na inserção dos antigos
trabalhadores subordinados em uma relação jurídica não prevista na maioria das legislações e que viabiliza que a
precarização se acentue e, com isso, todos os problemas sociais que dela decorrem.
O precariado, em sua grande maioria, seguramente não constadas estatísticas oficiais, pois não ocupa postos
de trabalho tradicionais e provavelmente é computado em alguma estatística, provavelmente, relacionada aos
trabalhadores informais. O trabalhadores em transição, que também constituem um tipo de trabalhador precário,
não guardam sorte melhor, até mesmo porque gravitam numa zona absolutamente cinzenta e sem perspectiva: não
tiveram formação adequada e estão com idade mais avançada para tentar opções variadas; tem contas para pagar
e necessitam manter-se a si e sua família.
É inquestionável que os Estados não dispõem, na sua grande maioria, de políticas públicas, para inclusão
social e no mercado de trabalho desta massa de trabalhadores que pertence as novas formas de relações jurídicas e
que sofrem os impactos de todas estas mudanças. Certamente, numa crescente maioria vem ocupando as vagas de
ocupação que lhes facilita as plataformas digitais e que vem sendo responsáveis por empregar 80% de contratos
de trabalho submergidos.
Em estudo que analisa o mercado de trabalho dos BRIC´s(20)se noticia que “o emprego informal representa
45% do emprego total no Brasil, 53% na China e mais de 90% na Índia. A persistência de elevada informalidade
no mercado de trabalho, não obstante, o rápido crescimento econômico, indicaria barreiras estruturais à transição
para o mercado de emprego formal. Na Rússia, as estimativas disponíveis indicam que a informalidade é muito
menor do que a observada nos demais países do grupo e situa-se em nível semelhante ao dos países da Europa
Central e do Leste”(21).
(19) STANDING, Guy, El precariado (Ensayo (pasado Presente) (Spanish Edition) (Locais do Kindle 359-361), Pasado y Presente,
Edição do Kindle.
(20) Grupo de países formados pelas maiores economias emergentes do mundo, Brasil, Rússia, Índia e China, que vem ampliando
sua importância no cenário econômico mundial desde a década de 1990.
(21) Disponível em: . Acesso em: setem-
bro de 2018.
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Não há dados estatísticos seguros, mas certamente o mercado crescente de trabalhadores informais está uti-
lizando as plataformas digitais para oferecer serviços e como um local de trabalho único ou somado a outro para
incrementar sua renda. A um pela comodidade e redução de custos que elas representam; a dois pelas necessidades
comuns surgidas na sociedade o que leva a criação de uma solução, em geral realizada por meio de um software
que permite criar uma rede onde se possa intercambiar bens e serviços. Foi nesta brecha que várias destas pla-
taformas surgiram no seio da economia colaborativa, animada pela crescente onda de desemprego, escassez de
empregos formais, flexibilização dos modelos tradicionais e necessidade que o ser humano tem de trabalhar para
manter sua subsistência. Assim, muitas empresas encontraram oportunidade de negócios que, no seio da econo-
mia colaborativa teve inicio com o intento de realizar-se por uma perspectiva diversa, isto é, de integração e auxílio
mútuo com ou sem ânimo comercial ou lucrativo.
Como lembra Tom Slee, o termo economia colaborativa já leva uma contradição em si mesmo, pois economia
tem o sentido de transações comerciais com fins de lucros, enquanto colaborar é um termo que implica em auxi-
liar, ajudar e, no contexto do fenômeno que se apresenta, vai além de si mesmo, tendo sua origem em negócios
de internet. Em consequência, acabam por representar negócios e investimento de riscos que se espalham com
enorme rapidez por todo o mundo concentrando-se em uma pequena quantidade de empresas tecnológicas: “la
Economía Colaborativa está constituída en una proporción abrumadora por organizaciones comerciales en lugar
de por entidades sinánimo de lucro. De los setenta socios de Peers, más de sesenta son compañías con ánimo de lu-
cro, y más del 85 por ciento de los fondos de los socios de Peers fue a parar a empresas californianas. Pese a que hay
algunos socios dispersos porel mundo, el dinero demuestra que la Economía Colaborativa es predominantemente
un fenómeno de Silicon Valley (…) Predominan tres clases de servicio: alojamiento (43 por ciento), transporte (28
por ciento) y educación (17 por ciento). En el mundo del alojamiento, la mayor parte de esos fondos ha idoa una
compañía, Airbnb, que en el verano de 2014 había recaudado 800 millones de dólares desde 2009, procedentes
en su mayoría de los doce meses anteriores. En el mundo del transporte, la mayor recaudación de fondos corrió a
cargo de Lyft, que había obtenido algo más de 300 millones de dólares, la mayoría en abril de 2014. Pese a todo lo
que se afirma sobre vecinos que comparten taladros, estas son el tipo de compañías que están agitando lasaguas y
liderando la Economía Colaborativa”(22).
Não se pode ignorar que as plataformas digitais consequentes do sistema da economia colaborativa, revolu-
cionam o mercado em todos os seus níveis e tem a capacidade de possibilitar a mais ampla gama de intercâmbios
que vão desde aqueles negócios que seriam a razão de ser de sua origem, isto é, sem qualquer intenção de lucro
ou interesse econômico direto, até o estabelecimento de um meio de trabalho produtivo e rentável tanto a quem
o realiza como a seus gestores. Há que se ter em mente, ainda, que apresentam peculiaridades distintas e que não
se poderá tratar todas as atividades desenvolvidas em plataformas como se fossem iguais, nota esta que se pode
extrair, também, do Relatório Eurofound 2018.
No blog futuro do trabalho se encontra um elenco de diversidade de serviços que se pode encontrar através do
que se tem classificado como capitalismo baseado em plataformas: “Upwork o Freelancer enel mercado generalista
de todo tipo de trabajo ‘freelance’ digital, Taskrabbit enel de lasreparaciones domésticas, Deliveroo para reparto
de comida a domicilio, HourlyNerd para lacontratación de expertos, Quierocanguro para cuidado de niños... e
incluso un caso que he descubierto recientemente que no sé cómoclasificar: ConfesorGo para localizar al sacerdote
más cercanoen caso de necesidad “(23).
Há que considerar que, na atual conjuntura econômica, a forma como circula o capital transnacional somada a
ineficiência dos países em darem uma resposta adequada às suas próprias crises internas, não se vê qualquer incen-
tivo ou justificativa econômica para que as empresas mantenham as pesadas estruturas que foram desenvolvidas
pela Revolução Industrial. Além disso, a rapidez com que os negócios se realizam e o modo como se desenvolvem
as sociedades e as cidades, não condiz com os modelos clássicos de produção.
Poderia, assim, dividir o desenvolvimento social e econômico em dois grandes grupos: (a) de todos os fatores
que convergem no sentido de provocar transformações que independem da vontade de um Estado ou grupo, co-
mo a globalização, a digitalização econômica, as grandes mudanças demográficas e fluxos migratórios por razoes
diversas; (b) a maneira como o mundo esta conectado e o efeito irreversível dessa união; as novas tecnologias
(22) Slee, Tom. Lo tuyo es mío: Contra la economía colaborativa (SpanishEdition) (Locais do Kindle 324-325). Penguin Random House
Grupo Editorial España. Edição do Kindle.
(23) Disponível em: . Acesso em: setembro de
2018.
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produzem uma maior comodidade e facilidade, e as pessoas não estão dispostas a abrir mão das conquistas que a
modernidade colocou em benefício delas.
Os governos, também, não têm interesse em manter as estruturas e os pesados encargos que possuem os ser-
viços públicos, o que tem levado as propostas de reformas na previdência e assistência social a promover cada vez
mais recortes aos benefícios concedidos pelas estruturas públicas conquistas até finais do século XX. Não obstante
os movimentos para recortar direitos, constata-se que 4 milhões de pessoas no mundo carecem de proteção social
no mundo, segundo o informe da OIT sobre proteção social de 2017/2019. Como sustentar recortes e mudanças
no velho modelo quando uma boa parte da população mundial não conhece o mínimo de proteção. Vivemos um
verdadeiro contrassenso num mundo dividido de forma extremamente desigual: somente 45% da população mun-
dial beneficia-se de ao menos uma prestação social, enquanto que 55% carece de qualquer proteção(24).
A realidade do discurso sobre a necessidade de redução de custos de transação é de ordem pública e privada
e, ai se proliferam as incertezas sobre o futuro do trabalho cuja natureza está fragmentada, deixando-nos a única
certeza de que as mudanças estão ocorrendo e não temos soluções eficientes para tratar das novas realidades: des-
regulamentação a desigualdade são os pontos chaves num mundo em que proliferam novas formas de negócio e
mesclas de economia por subordinação e por conta própria.
Não se pode ignorar ainda que, os próprios movimentos sociais e econômicos impulsionam para as aberturas
destes novos tipos de modelos que, guardadas as criticas que se poderá fazer quanto a precarização e vulnerabi-
lidade da mão de obra, tem contribuído para viabilizar a concretização de um trabalho e a subsistência de vários
trabalhadores que, a falta de qualquer perspectiva, valem-se das facilidades das plataformas que criam condições
para a interação dos trabalhadores com os tomadores dos serviços prestados (diretamente). Há que lembrar que, o
número de vagas de trabalho, não cresce no mesmo ritmo que o aumento da população e daqueles que ingressam
no mercado de trabalho, bem como fato de que os investimentos estrangeiros diretos (IED) estão caindo cada ano
mais nos países em desenvolvimento.
Em 2016 os fluxos de IED nos países em desenvolvimento foram de 37%, sendo 15% em Ásia e chegando a 3%
em África. Os protagonistas das inversões passaram a ser os países desenvolvidos. Isso se deu principalmente por
“las fusiones y adquisiciones transfronterizas tuvieron un papel relevante y se concentraron en las economías de-
sarrolladas, impulsadas por la elevada liquidez internacional y por dinámicas sectoriales que llevaron a operacio-
nes de gran envergadura. Por otra parte, con un aumento sostenido de sus inversiones en el exterior y en particular
de las adquisiciones en la Unión Europea y los Estados Unidos, China fue el segundo origen de IED mundial (tras
los Estados Unidos). La estrategia de salida al exterior iniciada hace más de un decenio ha consolidado a China
como actor global que se inserta en las dinámicas de sectores cada vez más sofisticados, participando activamente
en las nuevas tendencias tecnológicas de la cuarta revolución industrial”(25).
As tendências apontadas pela OIT quanto a perspectiva do emprego é assim alinhada:
(24) Disponível em: . Acesso em: novembro de 2018.
(25) Informe CEPAL La inversión extrajera directa en América Latina y Caribe– 2017. Disponível em: . Acesso em:
outubro de 2017.
Nota: Las cifras para 2017 y 2018 son proyecciones. La tasa de probeza de los trabajadores se define como la proporción de
la poblacione empleada que vive en pobreza extrema o moderada, por ejemplo con un ingreso per cárpita de menos de 3,10
de dólares al día.
*El agregado Mundo para los trabajadores pobre no incluyr a los países desarrolados.
Fuente: OIT, Modelos econométricos de tendencias, Noviembre 2016.
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A economia colaborativa possibilita a criação de infraestruturas invisíveis através da economia sujeita a de-
manda (on demand economy ) em que os prestadores de serviços estão a espera de que um consumidor solicite a
sua atuação, o que é absolutamente incompatível com a figura do trabalhador da empresa individual e tradicional.
Adrían Todolí Signes compara o termo economia baseada em plataformas digitais: a um“paraguas que recoge
um conjunto de negócios bastante diferentes entre sí – aunque todos compartanlaidea de lautilización de uma
plataforma virtual donde oferta y demanda se encuentran –. La tecnología puede utilizarse de muchas maneras, y
dar como resultado diferentes modelos de negocio, donde las repercusiones – sociológicas, económicas y jurídi-
cas – para el mercado de trabajo son distintas. De esta forma, en principio, por sus características, se puede obser-
var al menos, cuatro tipos de negocio diferentes: (i) Crowdsorcingonlinevs. Crowdsorcingoffline; (ii) Crowdsorcing
genérico vs. Crowdsorcing específico”(26).
Importa citar para melhor ilustrar, o caso de duas grandes empresas que são referências mundiais, isto é, Uber
e Airbnb. Ambas vem provocando debates apaixonados em torno de várias questões. Para o objeto do nosso es-
tudo, especificamente, a empresa Uber pode ser usada para referência no que constitui um divisor de águas no
direito do trabalho tradicional e atual. Dentro dos vários contextos normativos, doutrinários e jurisprudenciais de
cada pais, o que se vê é um movimento convexo em se tratar as relações entre os trabalhadores destas plataformas
e novo tipo empresarial dentro dos modelos tradicionais de contratoso que, obviamente, não se vem mostrando
adequado e eficiente.
Corrobora esta afirmação, a legislação italiana que desde 1998 vem regulamentando a questão do trabalho
com uso de tecnologia, sendo aprovado, neste ano, a Lei n. 191 e no ano seguinte o Decreto presidencial n. 70 a
regulou para prever o teletrabalho uma forma de trabalho realizada em locais distintos daquele em que se realiza
a atividade empresarial/Estatal, mas conectando o trabalho por meio da tecnologia a estrutura do administrador
público ou privado. Diante da evolução da matéria, o governo italiano promulgou em 2017 a Lei n. 87 que regulou
o smartworking, forma de trabalho que se apresenta como consequência da expansão das novas tecnologias e que,
segundo o art. 18 da lei tem por fim “aumentar a competitividade e facilitar a conciliação dos tempos de vida e
de trabalho”, constituindo uma forma de exercer o trabalho subordinado, com indiscutível redução de custos na
organização empresarial e em que o trabalhador pode prestar o trabalho onde quiser e da maneira que lhe for mais
conveniente. Os instrumentos jurídicos italianos servem de parâmetro para as negociações coletivas e intencionam
garantir direitos mínimos, entre eles, o da desconexão.
Neste mesmo diapasão e com a pretensão de regular relações que se desenvolvem no âmbito virtual, Portugal
promulgou em agosto de 2018 a Lei n. 45/2018 visando estabelecer o regime jurídico da atividade de transporte
individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrônica. A lei se
aplica exclusivamente a atividade de transporte individual e remunerada de passageiros em veículos descaracteri-
zados a partir de plataforma eletrônica visando estabelecer o regime jurídico para as plataformas eletrônicas que
organizam e disponibilizam aos interessados a modalidade de transporte em veiculo descaracterizado a partir da
plataforma eletrônica. Não se aplica a lei: as plataformas que sejam somente agregadoras de serviços e que não de-
finam os termos e condições de um modelo de negócio próprio; as atividades de partilha de veículos sem fim lucra-
tivo (carpooling) e o aluguel de veículo sem condutor de curta duração com características de partilha(carsharing),
organizadas ou não mediante plataformas eletrônicas. Entre várias questões que a lei tenta organizar, o art. 20
prevê o dever dos operadores de plataformas eletrônicas de garantir tempo máximo de condição e repouso o que
implicará, por obvio, o controle do tempo de trabalho.
Portanto, este dois exemplos que me refiro são no sentido de ratificar que vários países tem se preocupado
com aspectos variados das relações que se estabelecem no âmbito das plataformas e em todas aquelas que vem se
desenvolvendo com o uso da tecnologia. Todavia, as normas que vem surgindo de natureza interna provocarão
entendimentos dos mais variados para uma situação fática que tem abrangência global. E certo que os Estados
devem preservar seus ordenamentos e sua gente. Todavia, poderá ocorrer que os movimentos das organizações
globais possam interferir de modo não previsto ou não querido pelas legislações internas, o que poderá refletir na
economia e nas relações sociais.
Por outro lado, não se tem conhecimento que algum Pais em desenvolvimento esteja cuidando de inserir al-
guma regulamentação para tutelar relações de trabalho que fujam aos modelos tradicionais, o que poderá agravar,
ainda mais, a proteção dos trabalhadores precários e em transição.
(26) TODOLÍ SIGNES, Adrián. El Trabajo en la Era de la Economia Colaborativa….. p.21-22.
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6. IMPACTOS DA NOVA ECONOMIA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO FRAGMENTADAS
O que se deve plantear, no marco desta nova economia, é um novo pacto social que possa coordenar a proteção
social e o mercado de trabalho, não no sentido de socorrer o trabalhador, mas sim de inseri-lo nas novas formas
de negócios que se vem formando, permitindo que as normas da OIT possam ir além dos muros desta organiza-
ção para extravasarem nos código de condutas empresariais e nos tratados de negócios entre países, permitindo
o fortalecimento do sindicato global o que somente se torna possível alcançar pela forma de organizações de
trabalhadores através das mesmas plataformas digitais, único meio possível de permitir a reunião das categorias
tradicionais e da nova classe do precariado. Antes disso, faz-se necessário fortalecer, ainda, as entidades locais,
responsáveis que deverão ser pelo diálogo entre empresas, governos e trabalhadores.
Trata-se de não ignorar que a economia colaborativa, apesar de várias criticas que se poderá traçar ao modo
como vem se mostrando e que não caberá discutir neste âmbito, tem contribuído de forma positiva para a inclu-
são de trabalhadores no mercado em razão da omissão dos Estados em politicas que possam garantir postos de
trabalhos estáveis. Graças as plataformas digitais, vários trabalhadores desempregados e sem opções de emprego,
podem ocupar-se de uma atividade em um momento critico de crise econômica e em que o emprego regular esta
cada vez mais escasso, por exemplo. Todavia, não se pode ignorar que, abre uma rachadura no que diz respeito a
exploração da mão de obra, principalmente a não especializada e marginalizada, criando empregos cada vez mais
precários e vulneráveis.
A situação tende a agravar-se nos países em desenvolvimento ou com números elevados de pobreza e desi-
gualdade, sem qualquer politica publica que possa inserir trabalhadores no mercado de trabalho dando-lhes a
esperança de uma vida digna.
Insistir em tratar estas relações surgidas em plataformas digitais como se fossem relações tradicionais sem con-
siderar suas peculiaridades, poderá ser uma válvula para incrementar a viabilidade da fraude contribuindo para o
aumento da pobreza e desigualdade.
Uma das dificuldades que vejo para subordinar tais relações às tradicionais está na figura do dador do trabalho
que no âmbito da plataforma digital se materializa na figura de um software, responsável pela organização do tra-
balho daquele que voluntariamente a busca para fazer que sua força de trabalho chegue até aquele que diretamente
irá consumi-la. Este consumidor, por sua vez, é atraído principalmente pela reputação que esta plataforma tenha
no mercado e, para isso, o prestador de serviços é constantemente avaliado por aquele que é o destinatário final da
sua força de trabalho. Por outras palavras, o poder de direção está desvinculado daquele que organiza a atividade
produtiva, assim como a subordinação estrita também está. A relação tradicional se altera descaracterizando o
contrato de trabalho tradicional e desordenando a base em que esteve assentado
Como se vê, as novas tecnologias estão revolucionando o mercado de trabalho, aumentando absurdamente a
produtividade e criando uma concorrência cada vez mais acirrada não só entre empresas, mas também, entre os
próprios trabalhadores. Este revolução digital provoca de modo crescente a eliminação de postos de trabalhos tra-
dicionais, provoca a substituição de trabalhos estáveis por instáveis e flexíveis sendo que alguns pelos movimentos
naturais da nova onda, outros por necessariamente terem que se sujeitar as novas relações para poderem subsistir
e outros, ainda, por se caracterizarem como o novo modelo de trabalhador.
Estudo realizado por Frey & Osborne dá conta de que a tecnologia e a robotização irão substituir a mão de
obra que requer menos educação e com custos remuneratórios menos elevados. O estudo parte de duas frentes:
(1) analisa a construção da literatura econômica do trabalho e como o mercado de trabalho foi impactado pela
computadorização; (2) analisa os diferentes tipos de ocupação e características dos trabalhos prestados, através
de sites de trabalho considerando as mudanças quanto a necessidade de se realizar o trabalho em um local espe-
cifico; e, quando o trabalho exige que esteja o trabalhador cara a cara com aquele que se aproveita do resultado
do trabalho(27).
Todavia, não são os robôs ou a mecanização e digitalização que vem causando a precarização das relações ou
as dificuldades que a classe trabalhadora vem enfrentando. A tecnologia permitiu a criação de novos postos de
trabalho e a elevação de salários e nível de vida. O que destrói o trabalho e contribui para a precarização. Cons-
(27) FREY, Carl Benediktand. OSBORNE, Michael. The Future of Employement: how susceptible are jobs to computerization? Dispo-
nível em… Acesso em: setembro de 2018.
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titui aquilo que Vicenç Navarro chama de “contrarrevolução neoliberal (....) a debilidade do mundo do trabalho
nos EUA deve-se ao tipo de intervenções públicas que o Estado — influenciado pelo mundo empresarial – realiza
e impõe à população. Entre estas, estão as politicas públicas voltadas a debilitar os sindicatos, aplicadas desde
os anos 1980. Elas afetaram muito negativamente a qualidade do mercado de trabalho, sua estabilidade e seus
salários(...) Trabalhos realizados pelo CEPR tem demonstrado de forma clara que a tecnologia substituiu os traba-
lhadores no fim do século XIX e começo do século XX, gerando problemas graves, dado que isso provocou uma
enorme queda dos salários e uma forte crise de demanda, que contribuiu com a Grande Depressão de 1929 (...)
Porém, a causa dessa situação não foi a introdução de tecnologia, mas a inexistência de instrumentos para a defesa
do mundo do trabalho. A fraqueza do mundo laboral permitiu a introdução de um tipo de tecnologia que, por sua
vez, debilitou ainda mais os trabalhadores. Em contrapartida, entre o fim da II Guerra Mundial e 1973 vivemos o
período conhecido como os “anos de ouro do capitalismo”(28). O mundo trabalhista tinha instrumentos como os
sindicatos e partidos políticos enraizados em si mesmo ou próximos (casos dos partidos socialistas e democrata,
respectivamente). Foi quando a introdução de tecnologia não resultou numa queda dos salários”(29).
Portanto, sem que se possa compreender o contexto global e sem que se promova a integração das pessoas as
novas tecnologias, revendo os métodos de educação e formação desde seu inicio, não seremos capazes de resolver
as questões que a chamada 4ª revolução nos impõe. Temos que ser capazes de primeiro colocar quais as questões
que devem ser tratadas sem deixar que tudo se realize pelas mãos das empresas, sob pena de não alcançarmos um
futuro do trabalho decente. Culpar a robotização e a tecnologia por não ter o mundo do trabalho acompanhado a
revolução organizacional empresarial é um discurso hipócrita que servirá tão somente para justificar nossa ima-
turidade e acomodação.
O mundo do trabalho foi praticamente engolido pelo poder do capital e a fragmentação da classe trabalhadora
somente poderá ser recomposta com o uso eficiente da tecnologia. Somente pelo poder de instituições sólidas e
organizadas, pela retomada do papel das organizações sociais e pela união do precariado é que se poderá alcançar
uma contrarrevolução social adequada a fazer frente as mudanças que seguramente estão por vir.
Se o mundo está melhor conectado é um contrassenso ter respostas individuais e regionais para problemas
que são globais. Somente a resposta conjunta, a ação concertada global é que poderá servir a gestões estatais mais
equilibradas e eficientes, como poderá ocorrer com a inserção de cláusulas sociais nos acordos internacionais, ou
empresariais; ou os programas de responsabilidade social das empresas. Somente este novo pacto social permitirá
a construção de um futuro decente para o trabalho.
7. CONCLUSÕES
É inegável que a tecnologia é um importante instrumento de desenvolvimento social, político e econômico.
Todavia, deve servir a facilitar as inclusões dos trabalhadores no mercado de trabalho, com a expansão do em-
prego produtivo e decente. Todavia faz-se urgente que os governos adotem politicas sociais de aperfeiçoamento
e educação, permitindo que os jovens tenham uma formação que lhe possibilite ascender a um trabalho decente.
Há que compreender o contexto que se inserem as empresas transnacionais e criar mecanismos que permitam aos
trabalhadores gozar de uma tutela mínima para proteção de sua dignidade, pois os empregados vinculam “a las
personas com la sociedade y la economia em las que viven. El acceso a un trabajo seguro, productivo y remunerado
de manera justa – asalariado o por cuenta propia – es un factor fundamental para la autoestima de las personas y
las familias, que les afirma su sentimiento de pertenencia a una comunidad, y les permite hacer una contribución
productiva”(30).
Deverá a tecnologia ser o instrumento adequado para permitir que as mudanças ocorridas nas sociedades e
nas estruturas empresariais, possam permitir a inclusão, a requalificação do trabalhador, o que será essencial para
a redução da pobreza e desigualdade social, bem como para o desenvolvimento econômico sustentável.
(28) NAVARRO, Vicenç, Não Culpem os Robos, disponível em .... Acesso em: setembro de 2018.
(29) NAVARRO, Vicenç, Não Culpem os Robos.....
(30) Nota Conceptual de la OIT sobre la agenda de desarrollo post 2015, disponible en , acceso en octubre de 2018.

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