INCLUSÃO NA AGENDA PÚBLICA, ATIVISMO RELIGIOSO E RETROCESSOS NOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS: O CASO DO ABORTO

AutorJoão Bôsco Hora Góis
Páginas323-341
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GÊNERO | Niterói | v. 20 | n. 2 | p. 323-341 | 1. sem 2020
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INCLUSÃO NA AGENDA PÚBLICA, ATIVISMO RELIGIOSO E
RETROCESSOS NOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS:
O CASO DO ABORTO
João Bôsco Hora Góis1
Resumo: Este artigo examina como o ingresso na agenda pública não assegura
que um dado problema social permaneça nela. Para tanto, discute os ataques aos
direitos reprodutivos e sexuais, principalmente os realizados por parlamentares
do Congresso Nacional vinculados a religiões cristãs. Os dados para esse artigo
foram coletados de diferentes fontes, como relatórios legislativos e projetos
de lei. O exame dessas fontes mostra que os ataques contra os direitos sexuais e
reprodutivos estão em ascensão e servem para dar suporte a uma ampla agenda
regressiva. Mostra, igualmente, que os direitos em questão detêm uma posição
instável na agenda pública.
Palavras-chave: Direitos sexuais e reprodutivos; aborto; religião.
ABSTRACT: This article examines how social issues becoming part of the public
agenda does not ensure their permanence. To discuss this topic, we analyze
the attacks against reproductive and sexual rights, mainly those committed
by congressmen and congresswomen aliated to christian religion. Data
were collected from dierent sources such as congress reports and proposed
bills. The examination of such sources shows that attacks against sexual and
reproductive rights have increased and serve to support a broader regressive
agenda. It also sheds light to the fact that the aforementioned rights hold an
unstable position in the public agenda.
Keywords: Sexual and reproductive rights; abortion; religion.
Introdução
A literatura especializada acolhe como certa a existência do que se con-
vencionou chamar de ciclo de produção de políticas públicas (KINGDON,
1984; SECCHI, 2010). A primeira etapa desse ciclo envolve identificar
e reconhecer o “problema”, aqui entendido como situação que requer
1 Doutor em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor Titular
da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil. E-mail: jbhg@uol.com.br.
Orcid: 0000-0003-2305-3853
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intervenção estatal. Tal reconhecimento, a seu turno, pode conduzir à
inserção do problema na chamada “agenda formal”, ou seja, no espaço polí-
tico e burocrático onde ficam inscritas as situações que se tornam objeto
da intervenção.
Uma vez inserido na agenda, geralmente a partir da atuação de um
conjunto de atores (movimentos sociais, políticos, membros da burocra-
cia etc.), o “problema” passa a ser mais detidamente examinado quanto às
suas características e, principalmente, à melhor forma de solucioná-lo ou
mitigar seus efeitos. Decorre disso a elaboração de programas e projetos
que tendem a incluir (mesmo que muitas vezes formalmente), por exemplo,
mecanismos de articulação intersetorial, controle social e partilha de res-
ponsabilidades entre os diferentes níveis de governo. A operacionalização
dos programas e projetos em questão, em situações de maior institucio-
nalidade, é geralmente objeto de monitoramento e avaliações que podem
conduzir ao seu aprimoramento ou à sua extinção.
Exposto dessa forma, o ciclo de produção de políticas públicas é uma
ferramenta útil para analisar as intervenções estatais sobre diferentes
expressões da questão social. Todavia, estudos mostram que suas etapas
não ocorrem com a linearidade descrita (BOSCHETTI, 2009). Neste
artigo, analisamos como isso se dá em uma dessas etapas: a inserção na
agenda formal de um dado problema social e as ações dirigidas a ele.
Argumentamos que o ingresso na agenda é uma variável frágil para pen-
sar a densidade de uma dada política, uma vez que ele não equivale à
permanência, e esta, por sua vez, não é garantia de estabilidade.
Para tanto, a partir do modo como os direitos sexuais e reprodutivos se
tornaram alvo de intervenção estatal e da maneira como, ao mesmo tempo,
tem sido questionada sua legitimidade como objeto dessa intervenção, exa-
minamos o Estatuto do Nascituro – conjunto de projetos de lei que buscam
eliminar todas as possibilidades de realização de aborto legal no Brasil.
Os direitos sexuais e reprodutivos dizem respeito a um amplo conjunto
de proteções estatais e sociais relacionadas à autodeterminação dos indiví-
duos sobre o uso e controle do corpo. No debate atual tais direitos, geral-
mente, são discutidos tendo em vista dois grupos minoritários: as mulheres
e a população LGBT. Um dos atores que tem questionado e atuado for-
temente para desestabilizar os direitos sexuais e reprodutivos na agenda
pública é o conjunto de parlamentares do Congresso Nacional vinculados

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