A Inconstitucionalidade da Tarifação da Indenização por Dano Extrapatrimonial no Direito do Trabalho

AutorRoberto Dala Barba Filho
Páginas63-68

Page 63

Ver Nota12

Os pedidos envolvendo a indenização por dano extrapatrimonial decorrente de relações de trabalho estão entre os temas mais recorrentes na rotina forense trabalhista. Seja em razão, para alguns, do estímulo a uma “indústria” indenizatória, seja, para outros, em razão do desenvolvimento de uma maior conscientização e sensibilidade quanto ao tema, a verdade é que se trata de pretensão recorrente em significativa quantidade de processos perante a Justiça do Trabalho. Não admira, assim, que a introdução, pela Lei n. 13.467/2017 de todo um título destinado ao tema no direito do trabalho tenha sido alvo de bastante atenção e controvérsia.

Existem diversos pontos da reforma trabalhista neste particular que ensejaram debates importantes, mas certamente um dos mais polêmicos é a tarifação da indenização por dano extrapatrimonial, disciplinada nos parágrafos que acompanham o art. 223-G, inseridos na CLT.

É curioso notar que uma das principais críticas dirigidas à reforma trabalhista é precisamente a sua propensão “desregulamentadora”. Ironicamente, em face da presente reforma, a ausência de qualquer limitação ou predefinição objetiva de valores anteriormente era objeto de elogios da doutrina. José Affonso Dallegrave Neto destacava que “a legislação positiva é omissa na tarifação dos danos morais e assim o faz de forma acertada, vez que, pela própria natureza dos direitos imateriais de personalidade, não é possível aplicar valores nominais e imutáveis a todas as situações concretas, indiscriminadamente”3.

Lamentavelmente, ao procurar dar sua contribuição ao tormentoso tema, o legislador da Reforma adotou a sempre criticável (e já declarada inconstitucional em situações similares) opção pela tarifação da indenização, introduzindo com o art. 223-G os §§ 1º, 2º e 3º:

§ 1º Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I — ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II — ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III — ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV — ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

§ 2º Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no § 1º deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.

§ 3º Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização.

Com a Medida Provisória n. 808/2017 foi alterada a redação do § 1º e do § 3º, que passaram a contar com o seguinte texto:

§ 1º Ao julgar procedente o pedido, o juízo fixará a reparação a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação;

I — para ofensa de natureza leve — até três vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;

II — para ofensa de natureza média — até cinco vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;

III — para ofensa de natureza grave — até vinte vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social; ou

Page 64

IV — para ofensa de natureza gravíssima — até cinquenta vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

§ 3º Na reincidência de quaisquer das partes, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização.

A redação trazida pela Medida Provisória n. 808/2017 melhora o disposto em alguns aspectos, mas continuam a existir diversas deficiências nos parágrafos em exame.

A primeira delas consiste na suposição de que a indenização deve ser arbitrada segundo o pedido, e não conforme a causa de pedir. Não coincidem, nem há litispendência entre demandas, quando embora o pedido seja o mesmo (e.g. indenização por danos morais), a causa de pedir seja distinta (i.e. um pedido de danos morais em razão de humilhações e um pedido de danos morais decorrente de violência física). Se um trabalhador, em determinada situação, foi ofendido verbalmente ou humilhado por ato do seu empregador, tal circunstância pode justificar o ajuizamento de uma demanda em razão desse fato, com pedido indenizatório. Se, alguns meses depois, ele for agredido fisicamente, tal circunstância também pode ensejar um pedido indenizatório por esse fundamento, e evidentemente se estará tratando de situações distintas. Se o mesmo pedido pode possuir diferentes causas de pedir, e se cada causa de pedir justificaria, por si só, pretensões autônomas em diferentes ações, evidentemente quando há um pe-dido de indenização por danos morais fundamentado em diferentes causas de pedir, cada uma delas bastaria para justificar uma indenização específica, sem que isso implique acumulação de indenizações, já que decorrerão de violações distintas. A vedação de acumulação, nesse caso, só pode ser interpretada como se referindo ao mesmo fato e a mesma causa de pedir, portanto.

A segunda deficiência é a tarifação segundo a gravi-dade de ofensa. É a típica solução que, na prática, cria mais dificuldades do que resolve. Não existe como definir em caráter objetivo o que seria uma ofensa moral de natureza “leve” e uma ofensa de natureza “média”, e, rigorosamente falando, tampouco a norma procura as fixar, sabendo que isso seria inócuo. Se o art. 223-G já havia definido quais elementos deveriam ser sopeados pelo magistrado, cada um com sua respectiva influência na formação do convencimento do magistrado a respeito dos agravantes, atenuantes e gravidade do caso, parece indene de dúvidas que a fixação do valor (e, por conseguinte, da gravidade da lesão), deveria ser deixada ao razoável arbítrio judicial, não auxiliando em nada a tarifação segundo a suposta natureza da lesão exceto para estabelece um limite total que o magistrado deve observar, e criar uma discussão deveras inócua e vazia de conteúdo a respeito do fato da ofensa ser leve ou média, por exemplo.

A legislação pressupõe, erroneamente, que o raciocínio jurídico do magistrado o leva a um enquadramento mental, geral e abstrato de uma determinada lesão num quadro predeterminado de gravidade da ofensa, para, com base nesse...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT