Inconstitucionalidade da execução de contribuições previdenciárias pela justiça do trabalho

AutorFabiana del Padre Tomé
CargoMestre e Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP. Professora no Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da PUC/SP
Páginas92-100

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1. Introdução

As contribuições apresentam natureza jurídica de tributo, submetendo-se aos princípios e às normas gerais de direito tributário.1 Dentre as modalidades de contribuição, encontramos aquela destinada ao financiamento da previdência social, instituída com suporte no art. 195,I, a, e II, da Constituição. Na qualidade de exação tributária, a formalização do respectivo crédito dá-se por uma das formas previstas no Código Tributário Nacional: o contribuinte declara e paga antecipadamente o valor exigido a título de contribuição previden-ciária, por meio do chamado "lançamento por homologação"; ou, não o fazendo, a autoridade administrativa efetua o lançamento de ofício.

Com o advento da Emenda Constitucional n. 20/1998, porém, a sistemática de exigência das contribuições previdenciá-rias sofreu drástica alteração. Essa Emenda Constitucional introduziu o § 3o ao art. 114 da Carta Magna, nos seguintes termos:

§ 3o. Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.

Posteriormente, foi publicada a Emenda Constitucional n. 45/2004, modificando a redação do art. 114 do Texto Maior, a qual, em seu inciso VIII, enunciou a competência da Justiça do Trabalho para executar de ofício as contribuições previden-ciárias relativas às sentenças por ela proferidas:

"Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

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VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.

Com suporte na Emenda Constitucional n. 20/1998 foi editada a Lei n. 10.035/ 2000, alterando algumas disposições da Consolidação das Leis do Trabalho para, com isso, torná-la compatível com a nova disposição constitucional, traçando regras procedimentais da execução no processo trabalhista.

Antes de tais inovações, competia ao juiz do trabalho oficiar ao INSS (órgão naquela ocasião responsável pela fiscalização e arrecadação das contribuições previ-denciárias) caso não houvesse o pagamento das contribuições devidas. Cabia ao INSS, portanto, na qualidade de sujeito ati-vo tributário, constituir os respectivos créditos mediante lançamento tributário e proceder à sua execução perante a Justiça Federal.

Agora, inseridas as modificações legislativas, cabe à Justiça do Trabalho indicar as contribuições devidas em razão das sentenças que proferir, executando-as de ofício nos próprios autos do processo no qual as sentenças foram exaradas.

Convém registrar ainda que, com a publicação da Lei n. 11.457/2007, a competência antes atribuída ao INSS passou a ser da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Essa mesma Lei promoveu novas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho, adaptando as disposições relativas à execução das contribuições previ-denciárias na Justiça do Trabalho.

Feito o breve relato das disposições acerca da execução de contribuições previ-denciárias pela Justiça do Trabalho, buscaremos, neste estudo, realizar exame acerca da constitucionalidade do art. 114, VIII, do Texto Supremo. Para tanto, partiremos de noções de Direito Constitucional, analisando os limites do Poder Reformador e, em seguida, dirigiremos nossa atenção aos princípios que devem ser observados quan-do da cobrança de tributos. De posse de tais dados, estaremos habilitados a tecer conclusões fundamentadas a respeito do assunto.

2. Limites do Poder Reformador e a possibilidade de emendas constitucionais inconstitucionais

Na esteira da lição de José Horácio Meirelles Teixeira,2 Jorge R. Vanossi3 e Carlos Mário da Silva Velloso,4 entendemos que também na etapa de reforma da Constituição existe manifestação do Poder Constituinte, o qual consiste no poder de criar e distribuir as competências supremas do Estado. É o Poder Constituinte Originário, contudo, quem organiza e outorga ao Poder de Reforma competência para efe-tuar modificações na Constituição da República. Em vista disso, o Poder de Revisão, também denominado Poder Constituinte Derivado, deve observância aos limites impostos pelo Constituinte Originário.

Considerando a existência de duas categorias de Poder Constituinte, quais sejam, originário e derivado, e sabendo-se que enquanto o Poder Constituinte Originário é juridicamente livre, ilimitado e in-vinculável, o Poder Constituinte Derivado apresenta-se limitado pelo constituinte originário, é necessário efetuarmos atenta análise acerca das limitações impostas ao Poder de Reforma.

A Carta Magna, por ser a Lei Fundamental do Estado, deve possuir certa estabilidade. Por outro lado, é imprescindível estar conjugada a esse atributo a possibilidade de evolução, para que possa adaptar--se à realidade social cambiante sem a necessidade de ser elaborada uma nova Constituição. É preciso, pois, conciliar a estabilidade com a possibilidade de modi-

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ficação da Lei Maior, a fim de evitar tanto a instabilidade como a imutabilidade constitucional.

Com esse intuito, a Carta Magna autoriza a edição de emendas constitucionais, mas prescreve a imutabilidade de certo tipo de matéria por ela regida. Verifica-se tal fato em virtude de que há, em toda Constituição, princípios ou instituições de sentido permanente, por sua compatibilidade com a história ou o destino do Estado, ou do povo.5 Nesse sentido, salienta José Horácio Meirelles Teixeira:6

"Essas proibições, esse condicionamento da atuação do poder reformador, pela própria Constituição, obedecem, sem dúvida, a fins nitidamente políticos, ou a certas concepções filosóficas da vida política e das finalidades do Estado, da liberdade, dos limites necessários da ação estatal, etc. e dependem, portanto, e em larga margem, da concreta apreciação desses valores, em cada conjuntura histórico-social, pelo órgão constituinte, responsável pela elaboração da Constituição. Essas vedações representam, assim, verdadeiros juízos de valor dos órgãos constituintes, quanto à excelência ou necessidade deste ou daquele tipo de organização política, desta ou daquela limitação concreta à ati-vidade estatal, e daí o intuito de eternizá--los, colocando-os acima das reformas constitucionais."

A reforma constitucional, portanto, está condicionada por princípios fundamentais, isto é, aos valores considerados superiores pela Constituição da República, sendo vedada emenda que venha contra eles atentar.

Essas limitações materiais, consistentes em matérias imodificáveis por meio de reforma constitucional, visto que consideradas permanentes segundo o juízo de valor do Constituinte Originário, são também denominadas "cláusulas pétreas", encon-trando-se inscritas no art. 60, § 4°, incisos I a IV, da Carta Magna de 1988, o qual prescreve que "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III -a separação de Poderes; IV - os direitos e garantias individuais".7

A Lei Maior, no dispositivo em questão, porém, não se limita a vedar a incisiva abolição da matéria ali relacionada. O § 4o do art. 60 da Carta Maior proíbe qualquer reforma que afete, ainda que de modo oblíquo, os preceitos que considera basilares do ordenamento constitucional.

Nem sempre é fácil detectar se uma reforma é ou não tendenciosa a abolir qualquer das disposições constitucionais cuja supressão é vedada. E a dificuldade é maior quando o objeto de análise refere-se a direitos e garantias individuais, dada sua extensão e complexidade. O art. 5o da Carta Magna representa importante preceito relativo ao assunto, indicando uma série de direitos individuais. Esse dispositivo, todavia, possui caráter exemplificativo, não excluindo a existência de outros direitos individuais constitucionalmente protegidos, como enunciado expressamente em seu § 2o.

No que diz respeito aos direitos e garantias individuais tributários, observa-se, no capítulo destinado ao Sistema Tributário Nacional, a existência de um rol de direitos e garantias que constituem o chamado "Estatuto dos Contribuintes". Este, segundo Paulo de Barros Carvalho,8 consiste na "so-

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matória, harmônica e organizada, dos mandamentos constitucionais sobre matéria tributária, que, positiva ou negativamente, estipulam direitos, obrigações e deveres do sujeito passivo, diante das pretensões do Estado (aqui...

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