Indicadores e equidade social: propriedades dos indicadores de sustentabilidade e ausência do princípio de justiça social em estudos sobre mudança climática e C02

AutorGilberto Montibeller-Filho
CargoDoutor em Ciências Humanas (UFSC), professor do Programa de Doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento/EGC da Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC
Páginas199-221

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Gilberto MontibellerFilho 1

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INTRODUÇÃO

O principal objetivo no presente artigo consiste em verificar a radical mudança de resultados que decorre da utilização de indicadores socioambientais quando um predicadochave deixa de ser observado. Para isso, são analisados alguns trabalhos – especialmente um artigo e a forma como importantes instituições mundiais publicam dados estatísticos – que abordam o tema da relação entre emissão de gases efeito estufa e a atual mudança climática global. Inicialmente fazse uma pesquisa, na literatura especializada, quanto às características dos indicadores e sobre o papel que estes desempenham. Este último aspecto é relevante e mostra a importância da construção e utilização de indicadores e índices para os processos de identificação de problemas e tomada de decisões nas intervenções visando atingir metas e na avaliação de resultados, tal como as políticas contra as mudanças climáticas. Também porque aponta a série de propriedades que um indicador deve conter. A seguir se faz a análise dos estudos

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referidos para demonstrar que ao não considerar o princípio da equidade social, o conjunto de indicadores coloca em tranqüila posição política frente aos demais países aquele que é o maior emissor de gases efeito estufa em termos per capita no mundo. Finalmente, como decorrência da análise, apontase a necessidade de acrescentar e explicitar no rol das propriedades dos indicadores o objetivo da busca da equidade social.

A importância de construir indicadores e índices e de seu relevante papel são crescentemente reconhecidas. Este último aspecto é demonstrado pela quantidade significativa de estudos publicados sobre o tema, e que tem aumentado ao longo dos últimos anos. Quanto à importância, basta mencionar sua contribuição na identificação de problemas e nos processos de decisão, bem como nas avaliações de resultados das respectivas intervenções.

A questão ambiental, em especial, confere valor adicional ao uso de indicadores e índices. É inerente aos problemas do meio ambiente a necessidade de tempo relativamente longo na identificação dos processos de degradação que vão gradativamente se acumulando. Igualmente, decorre tempo relativamente longo para poderse observar os efeitos das intervenções programadas visando alterar tendências negativas quanto ao impacto ambiental e recuperar o meio, pois em geral implicam em planejamento de longo prazo, metas intermediárias e prontas ações para objetivos difíceis de serem alcançados mesmo em prazo dilatado. A especificidade temporal das questões do meio ambiente aumenta o interesse pelos indicadores no meio científico e no ambiente político e governamental, especialmente pelos índices de sustentabilidade.

Um indicador deve conter uma série de propriedades. Dentre elas, uma das mais relevantes é a capacidade de representar o fenômeno observado relacionandoo a suas causas. Cada indicador atrelase a um conjunto de valores sintetizados em um conceito, e, portanto, é representativo deste - não sendo, portanto, construído no vazio. Assim, por exemplo, ao utilizar emissão de CO como variávelchave na questão do aquecimento global, estáse assumindo ser esta a principal causa das atuais mudanças climáticas, com os graves problemas que colocam para as sociedades.

Os indicadores, ao apontarem problemas e suas causas, são elementos indispensáveis para os processos de decisões racionais na formulação de estratégias visando alterar situações e tendências indesejadas. Quando se trata de questões ambientais, como a abordada no presente trabalho, essas geralmente correlacionamse

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intimamente e afetam a produção e o consumo de bens e serviços nas sociedades, isto é, a economia. Além disso, as questões ambientais normalmente ultrapassam barreiras geopolíticas e se tornam de caráter transfronteiriço, inclusive internacional, e então os indicadores assumem proporções ainda mais relevantes. Para um concerto global em relação aos gases efeito estufa, por exemplo, aos países maiores emissores deveria certamente recair a maior responsabilidade. Mas então surge a pergunta: quais são os maiores emissores, ou a partir de qual critério definilos: mediante dados absolutos ou dados relativos? E relativos a que? O problema não é complexo do ponto de vista conceitual; é complexo porque a questão é eivada de ideologia ou de posição de grupos de interesses. (E, no entanto, um critério deveria estar sobreposto a tudo: o critério da equidade ou justiça social).

No presente trabalho, após a demonstração da importância dos indicadores e índices (item 1) são examinadas as características desejadas ou propriedades desses, comumente citadas na literatura especializada (item 2). Em seguida, no item 3 é discutida a relação entre o indicador e o conceito teórico do qual emana. Trabalhase a evolução deste para melhor expressar a noção de qualidade de vida, até chegarse ao conceito de índices de sustentabilidade. No item 4 abordase a relação entre a economia e o meio ambiente, no sentido de que a produção e o consumo no modo de produção capitalista ou moderno sistema produtor de mercadorias tornouse uma das principais fontes dos problemas ambientais e como a economia é influenciada pela temática ambiental. Finalmente, no item 5 e tendo em conta a importância social e política dos indicadores, procurase mostrar como podem e são utilizados de forma diferente por autores. Neste sentido, são analisados um artigo e a maneira como os dados estão sendo apresentados em publicações de instituições globais que tratam o tema da mudança climática relacionada a emissões de CO, ao utilizarem uma equação que confronta o princípio básico da equidade social.

1 IMPORTÂNCIA SOCIAL E POLÍTICA DOS INDICADORES E ÍNDICES

Inicialmente, é necessário considerar a distinção entre indicador e índice, muitas vezes assumidos como sinônimos (SICHE, 2007). Por exemplo, em algumas publicações o indicador do grau de concentração de renda é chamado de coeficiente de Gini; em

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outras, de índice de Gini. No caso, ambos representam exatamente de igual forma e magnitude o mesmo fenômeno social. Há, todavia, diferenças conceituais relevantes entre indicador e índice, a distinguilos fortemente.

Indicador é uma ferramenta conceitual com a qual se obtém informações sobre uma realidade. Assim, por exemplo, o Produto interno bruto, PIB, isto é, a soma do que é produzido em um ano, computado em valor monetário, é assumido como representativo da situação geral da economia. Neste sentido, um indicador constituise numa variável dependente, que reflete a condição ou movimentos do fenômeno que expressa. A realidade econômica, no caso, é captada pelo indicador; a sua dinâmica, representada pela evolução dos dados relativos ao PIB.

Índice, por sua vez, é um valor agregado que resulta de cálculos envolvendo uma série de indicadores, representativos de diversas dimensões ou características de um fenômeno ou sistema. Como também expressa o estado geral deste, um índice é um indicador de alta categoria, compreende um nível superior, resultado da junção de um conjunto de indicadores e variáveis. É o caso, por exemplo, do Índice de Desenvolvimento Humano, que representa a situação relativa de uma determinada sociedade – um país, estado ou município – e considera os indicadores de renda, de saúde e de educação, conforme o padrão da Organização das Nações Unidas para o cálculo desse índice.

Ao expressar a condição de uma determinada sociedade, mostrar a evolução desta ao longo do tempo e apontar tendências, indicadores e índices servem como: a) instrumento para auxiliar em tomada de decisão; b) instrumento de monitoramento e acompanhamento da evolução do fenômeno ou de gestão; e, c) instrumento de previsão. Como instrumento de decisões, os indicadores e índices são importantes na contribuição para a definição de políticas – na esfera pública ou no setor privado - na busca dos objetivos de superar ou mitigar problemas por eles identificados. Nessa lógica, políticas públicas serão tão mais pertinentes e eficazes quanto mais adequados para representar a realidade, segundo parâmetros, padrões e valores (morais, éticos) préestabelecidos forem os indicadores.

Como instrumentos de gestão ou de monitoramento, indicadores e índices são úteis para estabelecer metas de avanços factíveis, tendo em vista objetivos definidos a partir do item (a), acima, e, igualmente, para acompanhar, monitorar e avaliar os resultados atingidos mediante a intervenção programada e executada sobre a realidade.

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MALHEIROS et al. (2008) analisam o processo pelo qual foram estruturados ao longo do tempo os indicadores de sustentabilidade. Apontam que, no início, estes tinham o caráter de avaliação. Posteriormente, relatam, a Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas iniciou, em 1995, um projeto para a construção de indicadores cujo principal objetivo consistia em elaborar instrumentos para o apoio a processos de tomada de decisões. Ainda, como instrumentos de previsão, os indicadores apontam prováveis cenários futuros. Esses dizem respeito à antevisão de uma situação que decorrerá de um processo sem uma intervenção programada para modificálo. Mostram eventuais problemas que advirão ou que se acumularão, indicando a necessidade de intervir para reverter o processo. Finalmente, também como instrumento de previsão, os indicadores e índices permitem traçar cenários futuros considerando a intervenção programada, para saber se os resultados condizem com o que se desejava.

Portanto, dada sua capacidade de predição; de revelar o estado geral de um fenômeno ou realidade em períodos distintos de tempo, permitindo...

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