Informação, Misinformação, Desinformação e movimentos antivacina: materialidade de enunciados em regimes de informação

AutorRichele Grenge Vignoli, Rodrigo Rabello, Carlos Cândido de Almeida
Páginas1-31
Ensaio
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 26, p. 01-31, 202 1.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1518-2924. DOI: ht tps://doi.org/10.5007/1518-2924.2021.e75576
INFORMAÇÃO, MISINFORMAÇÃO, DESINFORMAÇÃO E
MOVIMENTOS ANTIVACINA: MATERIALIDADE DE
ENUNCIADOS EM REGIMES DE INFORMAÇÃO
Information, misinformation, disinformation, and Anti-vaccine movements: materiality of
enunciations in information regimes
Richele Grenge VIGNOLI
Doutoranda em Ciência da Informação na UNESP, Mestre em
Ciência da Informação pela UEL
Universidade Estadual Paulista - UNESP, Departamento de
Ciência da Informação, Marília, Brasil
rivignoli@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-1550-5258
Rodrigo RABELLO
Doutor em Ciência da Informação pela UNESP, Professor Adjunto
Universidade de Brasília - UnB,
Faculdade de Ciência da Informação, Brasília, Brasil
rdgrabello@unb.br
https://orcid.org/0000-0001-7217-1608
Carlos Cândido de ALMEIDA
Doutor em Ciência da Informação pela UNESP, Professor Adjunto
Universidade Estadual Paulista - UNESP, Departamento de Ciên-
cia da Informação, Marília, Brasil
carlos.c.almeida@unesp.br
https://orcid.org/0000-0002-8552-1029
A lista completa com informações dos autores está no final do artigo
RESUMO
Objetivo: O ensaio objetiva refletir sobre informação, misinformação e desinformação como meios empregados por
movimentos antivacina, abordando a produção dos seus efeitos sociais em termos de materialidade e de
institucionalidade de enunciados no âmbito de regimes de informação.
Método: A revisão bibliográfica teve como foco os temas materialidade e institucionalidade de enunciados, in formação,
misinformação, desinformação, regimes de informação e movimentos antivacina. Além disso, foram realizadas consultas
em legislações e em websites governamentais brasileiros, mediante as quais foi possível realizar as reflexões sobre os
temas estudados.
Resultados: As reflexões apontam para a materialidade da misinformação e da desinformação como fo nte ou produto
de discursos antivacina, algo que, por vezes, mimetiza recursos empregados pelo regime de informação em ciência e
tecnologia vigente e, com efeito, alimenta um modo de resistência junto às políticas públicas do Estado, num contexto
em que doenças imunopreveníveis antes erradicadas têm retornado, como é o caso do reaparecimento do sarampo no
Brasil.
Conclusões: A dificuldade de distinção entre informação, misinformação e desinformação constitui um problema para o
Estado, para a ciência, para as entidades de saúde pública ou para os meios de comunicação e instituições de
mediação, comprometidos com a informação. O viés de confirmação capitalizado pelos movimentos antivacina aparece
como meio de resistência e/ou confrontação ao controle do Estado. Efeitos adversos de vacinas podem ser utilizados
descontextualizadamente para reforçar a ideia de que “toda vacina é maléfica”. A ciência e o poder público têm o
desafio de esclarecer a opinião pública sobre os benefícios ou cuidados a serem tomados em relação às vacinas.
PALAVRAS-CHAVE: Inform ação. Desinformação. Misinformação. Materialidade. Enunciados. Movimentos antivacina.
Regimes de Informação.
ABSTRACT:
Objetive: This essay aims to ponder information, misinformation and disinformation as a means used by
Anti-vaccine movements, addressing the production of their social effects in terms of materiality and
institutionality of enunciations within information regimes.
Methods: Bibliographic review focused on materiality and institutionality of enunciations, information, disinformation,
information regimes, and anti-vaccine movements. Furthermore, consulting Brazilian gover nmental websites and
legislation made reflections on the topics of this study viable.
Results: The reflections point toward the materiality of misinformation and disinformation as a source or product of
anti-vaccine discourses, which, at times, mimics resorts employed in public State policies, in a context i n which
previously eradicated immunopreventable diseases reappear, such as the case of measles in Brazil.
Conclusions: The difficulty in distinguishing information from misinformation and disinformation constitutes a
problem for the State, for Science, for public health entities, or for means of communication, and institutions of mediation,
committed to information. The capitalized confirmation bias from anti-vaccine movements stands out as a means of
resistance and/or confrontation to the control of the State. Vaccinations’ side effects can be used out of context to
Encontros Bibli: revist a eletrônica de b iblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 26, p. 01-31 , 2021.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1518-2924. DOI: ht tps://doi.org/10.5007/1518-2924.2021.e75576
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reinforce the idea that “every vaccine is harmful.” Science a nd the public power face the challenge of clarifying public
opinion on the benefits and care to be taken concerning vaccines.
KEYWORDS: Information. Disinformation. Misinformation. Materiality. Enunciations. Anti-vaccine movements.
Information regimes.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo busca problematizar a produção de efeitos sociais a partir do
fenômeno dos movimentos antivacina e dos sujeitos que se autodenominam antivaxxer
(CAMBRIDGE..., 2020) sob a ótica de suas manifestações e discursos que, quando
institucionalizados, constituem e são constituídos por enunciados como informação,
misinformação e/ou desinformação. Pressupõe-se que as dimensões material e/ou
política incidem em tais configurações enunciativas.
Os movimentos antivacina compostos por aqueles que rejeitam, questionam a
eficácia ou desprezam programas vacinais e/ou a própria vacinação em si (APS et al.,
2018) têm se expandido. Os argumentos antivacina encontram raízes históricas nos
últimos dois séculos,
1
e vêm sendo difundidos, mais recentemente, por meio de mídias
sociais, que facilitam a disseminação de enunciados enganosos em relação às vacinas
(SUCCI, 2018), ou mediante websites voltados ao assunto,
2
cuja extensão pode ser
observada quando explorada quantitativamente em buscas na web.
3
Os resultados de tais
buscas demonstram a premência de estudos acerca do fenômeno da antivacina,
sobretudo diante das questões informacionais que podem interferir na cobertura vacinal,
algo de interesse, por exemplo, para contextos pandêmicos, como o da COVID-19.
4
1
Os movimentos antivacina surgem depois da introdução da vacina contra varíola no fim do século XVIII. Eles foram
intensificados em 1998 quando o médico britânico Andrew Wakefield publicou u m artigo na prestigiada The Lancet
defendendo a hipótese de que vacinas causam autismo. Apesar de fraude comprovada no estudo, os movimentos
antivacina ganharam força depois desse caso (SUCCI, 2018).
2
A Immunity Education Group é uma instituição não científica e sem fins lucrativos que divulga, até o momento, 108
podcasts no quadro The Vaccine Conversation que visa discutir “[...] desde surtos de doenças a riscos e efeitos
colaterais de vacinas, programação de vacinas, exagero da mídia, leis e controvérsias de vacinas e tudo mais.”
(IMMUNITY..., 2020, tradução nossa). Os podcasts são protagonizados por Melissa Floyd (auto -intitulada mãe,
educadora livre da área da saúde, embora não credenciada, e antivaxxer) e pelo Dr. Bob Sears (pediatra e
antivaxxer), que, segundo o website, tem se destacado na difusão de debates e movimentos antivacina (FLOYD;
SEARS, 2020).
3
Em uma busca realizada na ferramenta do Google em julho de 2019 so bre os movimentos antivacina foram
recuperadas 48.000.000 páginas com o termo anti-vaccination e 6.710.000 com o termo anti-vaccination movement .
Não foi analisada a orientação argumentativa de tais páginas, ou seja, se refutavam ou corroboravam teses
antivacina. Outra busca com os mesmos parâmetros foi realizada em janeiro de 2020 e demonstrou 63.800.000
resultados para o primeiro termo e 7.670.000 para o segundo. Tais dados sinalizam para o alargamento da produção
de conteúdos sobre os movimentos antivacina. Para Levi (2013), cerca de 70% das páginas que versam a respeito de
vacinas e vacinação na internet são contra a cobertura vacinal. Em relação à produção de textos acadêmicos a
respeito do tema no mesmo período, no Google Scholar foram recuperados 5.200 documentos para o termo anti-
vaccination movement e 7.740 para anti-vaccination. Em janeiro de 2020 houve aumento dos resultados encontrados;
no primeiro termo aumentou para 5.480 e no segundo para 8.810.
4
Em busca realizada no Google Scholar em junho de 2020 com os termos antivaxxer movement e COVID-19
obtiveram-se 1310 resultados.

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