Estado de insegurança alimentar e o direito humano à alimentação adequada

AutorCláudia Maria da Costa Gonçalves, Rodrigo Barbalho Desterro e Silva, Rosalva de Jesus dos Reis
CargoProfessora Titular do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão, Procuradora do Estado do Maranhão, Doutora em Políticas Públicas. / Professor da Faculdade Florence de Direito, Mestre e Doutorando em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão. / Professora Adjunta do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do...
Páginas396-413
ESTADO DE INSEGURANÇA ALIMENTAR E O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA
Cláudia Maria da Costa Gonçalves
1
Rodrigo Barbalho Desterro e Silva
2
Rosalva de Jesus dos Reis
3
Resumo
O estudo trata sobre o direito à alimentação no contexto das dimensões sociais da sustentabilidade. Analisa a fome e a
insegurança alimentar como déficits do Estado de Justiça. Expõe algumas posições teóricas sobre a produção e o consumo
de alimentos transgênicos e orgânicos. Discute as diversas dimensões do tema a partir das categorias sustentabilidade e
sociedade de risco. Aborda, em seguida, nesse contexto, a alimentação adequada na Reserva Extrativista Marinha de
Cururupu. Por fim, discute os reflexos da comoditização do alimento na política de segurança alimentar como resultado do
avanço do processo de acumulação capitalista e da con strução de políticas ultraliberais, com recorte para a crise de
insegurança alimentar vivenciada nos últimos anos, que se aprofundou com a pandemia da Covid -19.
Palavras-chave: Direito à alimentação; insegurança alimentar; sustentabilidade.
FOOD INSECURITY STATE AND THE HUMAN RIGHT TO ADEQUATE FOOD
Abstract
This is a study about the right to food in the context of social aspects of sustainability. Hunger and food insecurity are
analyzed as deficits of the Rule of Justice. Some theoretical positions on the production and consumption of transgenic and
organic foods are pr esented. The various dimensions of the theme are discussed from the sustainability and risk society
categories. Then, in this context, adequate food in the Cururupu Marine Extractive Reserve is discussed. Finally, the
commoditization of food reflexes in the Food Security Policy is discussed, as a result of the advance of the capitalist
accumulation process and the construction of ultraliberal policies, with a focus on the on th e food insecurity crisis
experienced in recent years, that deepened with Covid-19 pandemic.
Keywords: Right to food; food insecurity; sustainability.
Artigo recebido em: 11/11/2021 Aprovado em: 30/01/2022
1
Professora Titular do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão, Procuradora do Estado do Maranhão,
Doutora em Políticas Públicas.
2
Professor da Faculdade Florence de Direito, Mestre e Doutorando em Políticas Públicas pela Univer sidade Federal do
Maranhão.
3
Professora Adjunta do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Maranhão, Doutora e m Políticas Públicas
pela UFMA e Mestre em Gestão e Políticas Ambientais pela UFPE.
Cláudia Maria da Costa Gonçalves; Rodrigo Barbalho Desterro e Silva e Rosalva de Jesus dos Reis
397
1 INTRODUÇÃO
“Alguns verão e julgarão com a alma
Outros verão e julgarão com a alma que eles não têm
Ouvirão apenas dizer...”
Vinicius de Moraes, Acontecimento
No presente estudo, pretendemos expor e analisar a alimentação saudável como direito
fundamental, inclusive porque, no que tange ao direito positivo, esse se encontra assegurado no artigo
6º da Constituição Federal de 1988. Ademais, e não menos importante, cabe lembrar, ainda, a norma
prevista no artigo 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
No Brasil, o referido Pacto Internacional foi promulgado pelo Decreto no 591, de 6 de julho
de 1992. Não poderia mesmo ser diferente, haja vista que o direito à alimentação adequada é um dos
mais importantes pilares da existência humana e, por conseguinte, dos direitos fundamentais. Assim, é
um dever ético não permitir que, em pleno século XXI, as pessoas passem fome ou se encontrem em
situação de insegurança alimentar.
Ora, se a verdade, sob o aspecto ético, […], é o único caminho capaz de conduzir à
felicidade sem desvios ou enganos, ela se liga necessariamente à justiça e ao amor, pois
sem estes é impossível construir uma vida plenamente feliz, no plano individual ou social.
[…]
A grande função social do amor consiste, na verdade, em atuar como fator de permanente
aperfeiçoamento da justiça. É o impulso constante no sentido de não acomodação com as
formas de justiças existentes; a procura de uma ampliação ilimitada do princípio de dar a
todos e a cada um o que a consciência ética sente como devido. (COMPARATO, 2006, p.
521-534).
Com efeito, neste artigo, analisaremos os pressupostos teóricos do direito à alimentação
saudável, tendo como parâmetros as múltiplas dimensões da sustentabilidade.
Este estudo trará à tona as contradições que nascem a partir da concentração de poderes
em mãos de poucos, isso, porque os direitos fundamentais, inclusive os sociais, r eclamam a sua
garantia para todos em todos os lugares
1
.
Rechaçar, nas estruturas mundiais ou locais, a excessiva concentração de poderes e de
riquezas remonta a alguns pensadores da própria Antiguidade. Nesse sentido, são as palavras de
Cícero ([2008], p. 67): “Quando as riquezas ou o nascimento, ou qualquer coisa parecida, fazem
predominar na República alguns homens [esses] não passam de facciosos.”
Lançando os pilares da Modernidade, Montesquieu, na primeira metade do século XVIII, já
ressaltava:
Se eu soube sse de algo que fosse útil para mim, mas prejud icial à minha família, eu o
rejeitaria. Se eu soubesse de algo útil à minha família, mas não à minha pátria, procurar ia
esquecê-lo. Se eu soubesse de algo útil à minha pátria, mas prejudicial à Europa, ou e ntão
útil à Europa, mas prejudicial ao gênero humano, consideraria como um crime.
(COMPARATO, 2006, p. 580-581).

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