Interessado: Assembleia Legislativa Assunto: Projeto de Lei nº 162/2022 a Governadora do Estado do Rio Grande do Norte, No Uso de Suas Atribuições Constitucionais (arts. 49, § 1º, e 64, Vi, Da Constituição Estadual), Decide Vetar Integralmente, o Projeto de Projeto de Lei nº 162/22, Constante do Processo nº 1488/22 – Pl/sl, que “estabelece o Sexo Biológico como o Único Critério para

Data de publicação13 Janeiro 2024
SeçãoPoder Executivo
Órgão Leis
Poder Executivo
Ano XCI • Nº 15585 Natal, 13 de janeiro de 2024
CERTIFICADO DIGITALMENTE
Interessado: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
Assunto: Projeto de Lei nº 162/2022
A GOVERNADORA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, no uso de suas
atribuições constitucionais (arts. 49, § 1º, e 64, VI, da Constituição Estadual), decide VETAR
INTEGRALMENTE, o Projeto de Projeto de Lei nº 162/22, constante do Processo nº 1488/22 – PL/SL, que
“Estabelece o sexo biológico como o único critério para definição do gênero dos atletas em competições
esportivas oficiais no Estado do Rio Grande do Norte”, de iniciativa do Excelentíssimo Senhor Deputado
CORONEL AZEVEDO, aprovado em Sessão Plenária realizada em 12 de dezembro de 2023, de acordo com as
razões que seguem.
RAZÕES DE VETO
O Projeto de Lei1 aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado, oriundo de
iniciativa parlamentar, tem por escopo estabelecer o sexo biológico como o único critério para definição do
gênero de competidores em partidas esportivas oficiais no Rio Grande do Norte, vedando a participação de
transexuais em equipes que correspondam ao sexo oposto ao declarado quando do seu nascimento.
Entretanto, vejo-me compelida a negar assentimento ao Projeto de Lei, por razões de
vícios de constitucionalidade e por ofensa ao interesse público, conforme adiante pormenorizado.
Cumpre destacar que o art. 24, IX2 , da Constituição Federal atribui
competência concorrente à União, Estados e Distrito Federal para legislarem sobre desporto.
No âmbito da competência legislativa concorrente, nos precisos termos do § 1º
do indigitado art. 24, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, e não excluirá a
competência suplementar dos Estados e Distrito Federal quanto à edição de normas específicas.
Nesse sentido, uma vez editadas as normas gerais pela União, as estaduais
deverão ser particularizantes, no sentido de adaptação de princípios, bases e diretrizes às peculiaridades
regionais3.
No exercício da competência legislativa primária supramencionada, a União
editou a Lei Federal nº 9.615, de 24 de março de 1998, que “Institui normas gerais sobre desporto e dá outras
providências”, a qual impede, ipso facto, o exercício da competência legislativa do Estado por substituição, com
Nesse contexto, importa frisar que a indigitada norma federal disciplina, em
suas disposições iniciais (art. 1, § 1º), que a prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e
internacionais, e que o desporto, no âmbito do direito individual, tem como base a garantia das condições de
acesso às atividades desportivas sem quaisquer distinções ou formas de discriminação (art. 2º, III). Vejamos:
“Art. 1º O desporto brasileiro abrange práticas formais e não-formais e obedece
às normas gerais desta Lei, inspirado nos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito.
§ 1º A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e
internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas entidades
nacionais de administração do desporto.
(...)
Art. 2º O desporto, como direito individual, tem como base os princípios:
(...)
III - da democratização, garantido em condições de acesso às at ividades
desportivas sem quaisquer distinções ou formas de discriminação;
(...)” – g.n.
Sem embargo do que restou a cima delineado, mas robustecendo o vício de
inconstitucionalidade material alhures destacado, importa registrar que, no âmbito internacional, o Comitê
Olímpico Internacional (COI) estabelece diretrizes para a inclusão de atletas transgêneros nas competições
esportivas, cabendo às federações internacionais desenvolverem seus próprios critérios de elegibilidade e
participação de atletas transgêneros e intersexuais.
Nessa esteira, importa registrar que, conforme noticiado na imprensa, “o COI
adotou pela primeira vez uma posição sobre a participação de atletas transgêneros antes das Olimpíadas de
Atenas em 2004.” Naquela época, a entidade exigia cirurgia para que atletas transgêneros competissem com sua
identidade de gênero4. No ano de 2015, em atualização daquelas diretrizes, o COI “ mudou as normas e permitiu
que homens trans pudessem competir sem nenhuma restrição. As mulheres trans, todavia, ainda que não
precisassem mais realizar cirurgia de reconstrução genital, tinham que cumprir outros requisitos. Como forma de
entender que a equivalência nos níveis de testosterona traria um equilíbrio com as atletas cisgênero (que se
identificam com o gênero designado biologicamente ao nascer), ficou estabelecido que o nível de testosterona de
mulheres trans deveria, por 12 meses antes da primeira competição e durante a carreira esportiva, estar abaixo de
10 nanomol por litro de sangue, sob risco de punição se a regra fosse quebrada. Em novembro do ano passado
(2021), para liderar um compromisso de respeito aos direitos humanos e promover a igualdade e inclusão de
gênero, o COI permitiu a cada federação esportiva acatar ou não as diretrizes propostas. A exigência de níveis
hormonais para a prática esportiva persiste, mas, para o Comitê, não é preciso que seja uma regra única, cabendo
a cada órgão que regulamenta a categoria esportiva estabelecer as próprias exigências. Entretanto, a entidade
apontou dez diretrizes a serem seguidas para o estabelecimento de novas regras mais inclusivas, entre elas o
direito à privacidade, a não discriminação com base na identidade e variações de gênero, além da não presunção
de vantagem, devendo qualquer abordagem ser baseada em evidências científicas.” 5 – g.n.
Importante ainda ressaltar que o Estado do Rio Grande do Norte, ao dispor
sobre tal matéria de forma restritiva, se isola do restante do país e ainda do mundo, uma vez que a participação
de equipes com atletas transgêneros estariam proibidas de participar de competições no território do Potiguar.
Tecidas essas considerações, assaz dizer que a repartição de competências é
característica essencial de um Estado Federado. A distribuição constitucional de competências aos entes da
Federação é pressuposto que lhes permite uma coexistência harmoniosa.
De fato, avulta a inconstitucionalidade do Projeto de Lei na medida em que
pretende estabelecer, por norma jurídica de âmbito territorial restrito – lei estadual, a promoção de ações de
caráter geral no âmbito da matéria do direito desportivo, cuja competência legiferante, in casu, repise-se, é da
União.
Além disso, ressalte-se a inexistência de lei complementar federal que autorize
os Estados-membros a legislarem sobre questões específicas relacionadas à indigitada matéria, tampouco o
Estado do Rio Grande do Norte apresenta peculiaridade que justifique produção legislativa distinta dos demais.
Tais circunstâncias afastam, consequentemente, a suplementação legislativa prevista no art. 24, § 3º da

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