Consultoria Interna: inspirando-se em Argyris para uma ação mais eficaz

AutorAna Lucia Neves Moura, Marcos Gilson Gomes Feitosa - Bruno Campello de Souza
CargoMestre em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco. - Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos, SP. - Doutor em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco.
Páginas121-150

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Ana Lúcia Neves de Moura 1

Marcos Gilson Gomes Feitosa 2

Bruno Campello de Souza 3

1 Introdução

O campo da consultoria organizacional tem prosperado de forma crescente desde os anos 80, pois, na época, motivados pela implementação de

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ferramentas gerenciais inspiradas nas práticas de gestão japonesas, as consultorias se voltaram para a interpretação e implementação dessas práticas nas empresas (DONADONE, 2003). Foi na década de 90 que as empresas de consultoria, principalmente aquelas ligadas à consultoria organizacional, despontaram “como um dos setores mais dinâmicos do período”, fomentadas pelas mudanças organizacionais associadas aos redesenhos organizacionais e pelo desenvolvimento da área da tecnologia da informação (DONADONE, 2005, p. 27).

A expansão da atuação das organizações além das suas fronteiras originais certamente também é um dos motivos propulsores do aumento da demanda por conselhos estratégicos, na medida em que contribuiu para a emergência de novos competidores e, consequentemente, para o aumento das situações de incertezas e da instabilidade do ambiente em que atuam (WOOD JR; PAULA, 2004). Wooldridge (1997) associa o crescimento e a consolidação do negócio de consultoria a dois fenômenos desse cenário: a complexidade e a incerteza. A primeira cria confusão, a segunda cria medo e ambas criam uma demanda crescente para o conselho externo. Destacamse ainda, as novas formas de relacionamento com o cliente externo, tendo em vista o aumento do seu nível de exigência, e com o cliente interno, em função das novas relações entre empresa e empregados.

Paralelamente ao crescimento da consultoria organizacional e em função do mesmo cenário de globalização, novos conceitos gerenciais, empoderamento dos empregados e valorização dos clientes surgiram e vêm ganhando espaço nas organizações com a modalidade de consultoria interna.

O modelo de consultoria interna surgiu nos Estados Unidos e Europa em meados da década de 50, tendo ganhado força ao longo das décadas que se seguiram, de forma que nos início dos anos 80 a “consultoria interna era o segmento que mais crescia no negócio da consultoria”. Na década de 90 essa modalidade destacouse em função da “necessidade crescente de serviços de consultoria que ajudassem na mudança de cultura, estrutura e práticas gerenciais das organizações” de forma que pudessem se tornar competitivas (JOHRI; COOPER; PROKOPENKO, 1998, p. 4). Já no Brasil, a consultoria interna teve início na década de 80, também em resposta às demandas organizacionais decorrentes do cenário globalizado e instável (MANCIA, 1997; 2004).

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O surgimento e crescimento das consultorias internas são apontados não como um modismo, mas como uma resposta às exigências do cenário (MANCIA, 2004) a partir do “reconhecimento de que a renovação, mais do que a simples mudança organizacional, deve ser um processo permanente da organização” (GONÇALVES, 1991, p. 94). Mancia (1997, p. 16) acrescenta, ainda, que a consultoria interna surge como “uma alternativa viável para o desenvolvimento organizacional”, que tem como objetivo “responder de maneira ágil e inteligente às necessidades organizacionais”.

Johri, Cooper e Prokopenko (1998, p. 4), por sua vez, identificam na consultoria interna uma possibilidade da empresa resolver os problemas de seus departamentos sem ter que criar assessorias permanentes em cada unidade de trabalho ou contratar serviços externos (consultoria externa) para isso, e identificam no consultor interno um agente de mudança, responsável por “influenciar e aconselhar pessoas, e persuadilas e ajudálas a fazer as coisas de forma diferente”. Esses autores acrescentam que a

[...] consultoria interna é o refinamento na evolução do conceito de staff, um conceito que enfatiza tornar disponível para o gerente uma fonte especializada dentro da organização para ajudálo na identificação e estudo de problemas e oportunidades, elaborando recomendações e assessorando na sua implementação.

A consultoria interna, então, surge e se desenvolve sob o modelo da consultoria externa e em resposta ao mesmo contexto que a impulsionou. Contudo, o fato de estar inserida no âmbito da organização faz com que apresente características próprias e coloca o consultor interno diante de situações e desafios específicos dessa modalidade, como será visto mais adiante.

Este ensaio apresenta mais quatro seções. A Seção 2 apresenta a metodologia; a Seção 3 descreve a dinâmica da consultoria interna, destacando suas principais características e benefícios, apresenta ainda um breve resumo dos estudos de Chris Argyris sobre consultoria, com os pontos de destaque; na quarta seção discutemse as contribuições desses estudos para uma ação mais eficaz do consultor interno; e a última seção traz as conclusões e indicações para futuros estudos.

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2. Metodologia

Uma análise da literatura relacionada à consultoria interna (GEBELEIN, 1989; BLOCK, 1991; MANCIA, 1997; ELTZ; VEIT, 1999; KENTON; MOODY; TAYLOR, 2003) revela a necessidade de uma maior formação do consultor interno, de modo que ele não seja apenas um profissional com uma expertise, o que levaria a um entendimento reducionista do que consiste a ação do consultor, mas que tenha competências, habilidades e conhecimentos no campo da consultoria.

Considerando que parte dos estudos de Chris Argyris está voltada para temas ligados à consultoria, fruto de sua larga experiência nessa área, propõese neste ensaio teórico destacar aspectos desses estudos que podem contribuir para que o consultor interno supere os conflitos próprios de sua atividade e tenha uma ação mais eficaz junto aos clientes, a partir da análise de três obras desse autor ? Intervention theory and method: a behavioral science view (1970), Theory in Practice: increasing professional effectiveness (1974), escrito em conjunto com Donald Schön, e Maus conselhos, uma armadilha gerencial: como distinguir os conselhos eficazes daqueles que não têm valor (2005).

Para este ensaio teórico, os critérios metodológicos basearamse inteiramente na leitura e análise dessas três obras de Chris Argyris, a fim de permitir uma reflexão sobre a relevância desses estudos para o desenvolvimento da consultoria interna.

A escolha do autor devese ao fato de que apesar da crescente importância da atividade de consultoria para as organizações e o crescimento vertiginoso dessa atividade nas últimas décadas, não há ainda uma teoria ou modelos teóricos de consultoria. Os estudos realizados normalmente são escritos por consultores relatando experiências em intervenções ou textos instrucionais (manuais). Argyris, por sua vez, tem seu foco de estudo voltado para a compreensão do comportamento humano (ação humana) e de como isso pode inibir ou favorecer o autodesenvolvimento e o desenvolvimento dos outros, colocando essa compreensão como fundamental na atividade de consultoria, seja para uma ação mais eficaz tanto do consultor como do cliente, sem perder de vista a importância da autonomia (de ambos - consultor e cliente). Este ensaio, portanto, não aborda aspectos operacionais ou técnicos de consultoria interna, tendo seu enfoque na área de comportamento organizacional.

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A escolha dos livros se deu por eles terem sido objeto de estudo na disciplina “Organizações e Processos de Aprendizagem: a contribuição de Chris Argyris” do Mestrado em Administração da Universidade Federal de Pernambuco.

Após a leitura e síntese dos livros, foram selecionados os aspectos considerados centrais nesses estudos. Em seguida procurouse fazer a correlação dos estudos de Argyris com o tema e suas possíveis contribuições para o desenvolvimento da consultoria interna.

3. Fundamentação Teórica
3. 1 Conhecendo a Dinâmica da Consultoria Interna

O ambiente da consultoria organizacional tem sido retratado em vários estudos como sendo “um palco de relações, conflitos, contradições, dilemas e escolhas” (WOOD JR; PAULA, 2004, p. 10), cuja relação consultor/cliente “está marcada por uma série de malentendidos”, levando a incompreensões de ambas as partes do que cada um espera do outro (MOURA, 2005, p. 12) e apresenta “condições de trabalho marcadas por conflitos, paradoxos e ambiguidades”, submetendo os consultores a “situações de pressão” e “desgaste psicológico”, levandoos a experimentarem “sentimentos de injustiça, impotência e frustração” (WOOD JR; CALDAS, 2005, p. 89).

A consultoria interna, por sua vez, não está livre desse ambiente de conflitos. Por constituir “sua prática baseada nos princípios e modelos de consultoria externa”, ao mesmo tempo em que se apresenta como uma nova forma de trabalho por estar “inserida no ambiente organizacional” (MANCIA, 2004, p. 147), a consultoria interna apresenta características próprias que corroboram para um ambiente de conflitos, pressões e desgaste psicológico igual, se não superior, ao que se observa na consultoria externa.

Block (1991) destaca que o fato do consultor interno fazer parte do quadro de pessoal da empresa o coloca em uma situação bem específica e conflituosa: o número de clientes potencial é limitado ao universo de gerentes da empresa; o status do consultor interno e o nível do seu cargo são conhecidos pela maioria dos funcionários, o que limita seu acesso às pessoaschave; o consultor interno faz parte da hierarquia e das políticas da empresa; e o consultor interno responde a um chefe, que tem expectativas em relação

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ao seu trabalho, e se relaciona com clientes que também têm expectativas, sendo necessário um esclarecimento entre as partes envolvidas sobre os resultados esperados.

Lacey (1995) acrescenta, ainda, que outros aspectos próprios da consultoria interna que podem...

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