A interpretação dos contratos, a boa-fé e a lei da liberdade econômica

AutorCarolina Kosma Krieger
Páginas269-291
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Capítulo 10
A INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS, A BOA-FÉ E A
LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA
Carolina Kosma Krieger1
1. Introdução
O presente trabalho tem por escopo analisar a interpretação dos
contratos, especialmente, quanto à aplicação da boa-fé objetiva,
considerando o princípio da eticidade que norteia o atual Código Civil. A
reflexão proposta parte da redação original do Código Civil Brasileiro de
2002 que consagrou a norma pertinente à interpretação dos negócios
jurídicos, notadamente, no art. 113.
Assume especial interesse o tema em razão das alterações no
digo Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) realizadas pela Lei
da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019). Reflete-se, nesse sentido, a
forma como ocorreu a alteração do Código Civil, seus eventuais motivos,
bem como qual a sua relevância no que se refere à aplicação da boa-fé para
interpretação dos negócios jurídicos com a nova redação que foi conferida
ao art. 113.
O problema central, portanto, consiste em investigar as alterações
legislativas, notadamente a respeito da boa-fé objetiva na interpretação dos
contratos, sobretudo em uma perspectiva doutrinária e de suas possíveis
repercussões práticas.
Para esse fim, traça-se um itinerário à luz da interpretação do
negócio jurídico pautada na boa-fé, especialmente em matéria contratual,
1 Doutoranda em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Mestre
em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Graduação em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professora Adjunta da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná. Analista Judiciária da Justiça Federal do Paraná Tribunal Regional
Federal da 4ª Região. E-mail: carolkrieger @uol.com.br
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a partir de um diálogo comparativo entre o “ontem” – redação original da
Lei 10.406/2002 e o “hoje” – pós Lei nº 13.874/09, considerando o
contexto histórico, bem como avaliando quais impactos relevantes, com
base na compreensão da unicidade do sistema, centrada na Constituição,
como pressuposto metodológico basilar.
2. A Interpretação Dos Contratos
A interpretação dos contratos tem como premissa a compreensão
de que os contratos são espécies integrantes da categoria dos negócios
jurídicos e, por sua vez, classificados como atos jurídicos lato sensu,
segundo lição de Pontes de Miranda2.
A despeito de critérios interpretativos que possam ser próprios aos
contratos3, assume-se que a construção doutrinária e o arcabouço
normativo a respeito dos negócios jurídicos, os quais, por sua vez, serão
aplicáveis também aos contratos.
Por oportuno, sem adentrar a uma longa discussão doutrinária a
respeito do conceito de contrato, mister considerar as conclusões de Paulo
Nalin4:
nestes tempo s pós-modernos de “desconstrução” do
saber, pode coerentemente, até mesmo infirmar sua
proposta inicial, o que corresponderia sustentar que
hoje inexiste um conceito de contrato; talvez vários
conceitos possam coexistir, porém, jamais, um
2 MIRANDA, Pontes de. Tra tado de Direito Pr ivado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970.
Tomo III, p. 3. Para o Autor: “negócio jurídico, que é apenas uma das classes dos atos
jurídicos em que há, como elemento fáctico, manifestação de vontade. O conceito surgiu
exatamente para abranger os casos em que a vontade humana pode criar, mo dificar ou
extinguir direito s, pretensões, ações, ou exceções, tendo por fito esse acontecimento do
mundo jurídico. Naturalmente, para tal poder fáctico de escolha supõe-se certo auto
regramento de vontade”.
3 ROPPO, Enzo. O Contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 7. Segundo Roppo: “Contrato
é um conceito jurídico: uma construção da ciência jurídica elaborada (além do mais) com o
fim de dotar a linguagem jurídica de um termo capaz de resumir, designando-o s de forma
sintética, uma série de princípios e regras de direito, uma disciplina jurídica complexa. Mas
como acontece com todos os conceitos jurídicos, também o conceito de contrato não pode
ser entendido a fundo, na sua essência íntima, se nos limitarmos a considerá-lo numa
dimensão exclusivamente jurídica como se tal constituísse uma realidade autónoma,
dotada de autónoma existência nos textos legais e nos livros de direito”.
4 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na
perspectiva civil-constitucional. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 251-253.

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