Introdução
Autor | Eduardo Gabriel Saad |
Ocupação do Autor | Advogado, Professor, Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo |
Páginas | 21-145 |
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Esta Consolidação estatui as normas que regulam as relações individuais e coletivas de trabalho, nela previstas.
1) Conceito de Direito do Trabalho: O Direito do Trabalho é a parte do ordenamento jurídico que rege as relações de trabalho subordinado, prestado por uma pessoa a um terceiro, sob a dependência deste e em troca de uma remuneração contratualmente ajustada. Não é, de conseguinte, qualquer espécie de trabalho o objeto da nossa disciplina. É excluído o trabalho do empreiteiro e do profissional liberal que exercem seus ofícios de maneira independente, autônoma.
O Direito do Trabalho, no dizer de muitos autores, é uma das expressões mais marcantes da tendência do Estado moderno de intervir nas relações intersubjetivas ou inter-humanas, a fim de proteger o interesse do todo social que, em boa parte, se confunde com o dos economicamente fracos, quando em disputa com os economicamente fortes. As normas desse Direito se universalizaram por muitas razões, mas duas delas merecem especial destaque: a primeira, é a circunstância de o trabalho assalariado ser cumprido sob condições semelhantes em todos os quadrantes, e isto independentemente do regime político imperante em cada país, uma vez que aquelas condições derivam da ciência e da tecnologia que se fundam em princípios adotados por todos os povos sem distinção; a segunda traduz-se na preocupação geral de uniformizar as providências protetoras do trabalho e que oneram a produção, com o fito de colocar em bases aceitáveis o jogo da competição internacional por mercados consumidores.
De notar-se que a maioria das nações, classificadas como superdesenvolvidas sob o prisma econômico, não teve de suportar os ônus do Direito do Trabalho no começo da sua corrida para a riqueza, enquanto as nações que se atrasaram no seu processo de industrialização — como o nosso País — têm de superar o subdesenvolvimento sem prejuízo das vantagens e regalias que não podem ser recusadas aos trabalhadores.
O Direito do Trabalho — denominação acolhida, presentemente, pela maioria das nações — é definido de mil e uma maneiras. Umas enfocam apenas o seu objetivo e, por isso, se catalogam como definições objetivistas e, outras, ocupam-se das condições de inferioridade do empregado no plano econômico, para justificar as medidas estatais de caráter especial para protegê-lo. São estas definições chamadas de subjetivistas. Damos preferência à definição de Gallart Folch, que é mista ou eclética:
“Conjunto de normas jurídicas destinadas a regular as relações de trabalho entre patrões e operários e, além disso, outros aspectos da vida destes últimos, mas precisamente em razão de suas condições de trabalhadores” (“Derecho Español del Trabajo”, Editorial Labor, 1936, p. 9).
Assim definido, o Direito do Trabalho abrange não apenas o contrato individual, mas também a organização sindical, o direito administrativo do trabalho, o direito internacional do trabalho, convenções e acordos coletivos. As normas jurídicas disciplinadoras das relações de trabalho ou são de origem estatal (leis, decretos, portarias), ou de origem autônoma (fonte negocial, como expressão da autonomia da vontade, pactos coletivos, regulamentos de empresa). As relações de trabalho, a que o conjunto das normas jurídicas do Direito do Trabalho se propõe a disciplinar, são uma espécie do gênero das relações jurídicas.
O trabalho que goza de tutela especial é aquele dirigido para fins econômicos consistentes na produção de bens ou de serviços e que é executado sob a dependência de um terceiro (o patrão) em troca de remuneração. Seu elemento caracterizador é a circunstância de ser útil a esse terceiro, que se chama empregador. Completa-se com um outro: a alienação do resultado do trabalho. O executor do trabalho não retém o resultado de seus esforços; fica ele em poder de quem lhe paga salário.
No nosso direito material do trabalho, há ficções que dilatam o campo de incidência de suas normas, ficções que, em parte, serão apreciadas nos comentários ao art. 2º, desta Consolidação. Ninguém nega que muitas das cláusulas de um contrato de trabalho são ditadas pelo empregador, mas também ninguém ignora que, na celebração desse mesmo contrato, o empregado impõe, com muita frequência, condições que a empresa aceita. De qualquer modo, o contrato nasce de um acordo de vontades. Numa organização socioeconômica do estilo da nossa, o empregado não é obrigado a curvar-se inteiramente às pretensões do empregador.
2) Código do Trabalho: Fala-se, na necessidade de o nosso País ter o seu Código do Trabalho. Há quem se oponha a semelhante tese afirmando que a vetusta Consolidação das Leis do Trabalho vem cumprindo, satisfatoriamente, seu papel, na arena em que se desenvolvem as relações de trabalho. As discussões em torno do assunto não têm qualquer semelhança com a discussão em que se envolveram Savigny e Thibaut. Empenhados no renascimento do Direito alemão, que mal escondia seu desejo de libertar-se da influência do Código Civil dos franceses, por lembrar-lhes as lutas com Napoleão, ambos não eram contrários à codificação do Direito de sua pátria. Savigny aspirava por um Código para toda a Alemanha, em prazo relativamente curto, utilizandose de três elementos: o Direito Romano, o Direito germânico e as modificações por eles sofridas com o decorrer do tempo. Thibaut entendia que essa Codificação exigia tempo assaz longo. A divergência residia na questão de tempo indispensável à elaboração de um código.
Está, ainda, de pé, a indagação sobre a oportunidade, ou não, de o Brasil ter o seu Código do Trabalho. Diante desse problema, opinamos no sentido de que se deve deixar passar mais algum tempo até que o País ultrapasse, de uma vez por todas, o estágio do subdesenvolvimento econômico. Hoje, as mudanças que se operam, em grande escala, na economia nacional, não deixam de refletir-se nas instituições políticas e nas estruturas sociais. De consequência, em lapso de tempo relativamente curto, muitas leis se tornam inadequadas ao fim a que se destinam e outras novas têm de surgir, para que o processo desenvolvimentista não seja perturbado.
De certo modo, estamos com Felipe Sanchez Román (“Estudios de Derecho Civil”, Madrid, tomo I, p. 527 e segs., 2. ed.), quando informa que a evolução que conduz a uma codificação passa por três momentos distintos: I — o sistema consuetudinário ou costume, forma pela qual o direito nasce da consciência social; II — consolidação ou recopilação, envolvendo apenas a ideia de reunir o que está disperso, sem lhe alterar a forma ou essência e, finalmente, III — refundição — é o passo mais próximo da codificação porque reúne a legislação preexistente, de maneira a fazer surgir uma unidade interna, eliminando eventuais divergências entre suas disposições. Em doutrina é pacificamente reconhecido que, nem sempre, os três estágios de Sanchez Román precisam ser observados. O direito saxão é a prova disso.
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Nossa Consolidação — na ótica do mestre espanhol — é mais uma refundição do que, propriamente, uma recopilação. Ela não apenas reuniu o que estava disperso, como suprimiu preceitos e introduziu outros novos. Além disso, é inegável que a nossa CLT tem uma certa unidade interna.
Finalmente, há uma circunstância que aconselha um certo compasso de espera no processo de formação do Código do Trabalho. Trata-se do desigual desenvolvimento social e econômico das várias regiões do País e que guardam entre si diferenças mais profundas que entre dois países do continente europeu. Fazendose abstração das exigências e pressupostos da nossa organização político-administrativa, diríamos que certas relações individuais e coletivas do trabalho deveriam ser regidas por normas distintas no norte e no sul do País. Se codificar é formar um corpo metódico e sistemático de leis; se método implica um caminho que leva ao fim visado; se sistema entranha uma ideia e um princípio de ordenação e de unidade, convenhamos que não é esta a época propícia à codificação do nosso Direito do Trabalho.
Desde já, porém, queremos tomar posição no que tange à estrutura de uma Consolidação das Leis do Trabalho (dado que serve para o futuro Código). Não nos parece conveniente reunir, num mesmo diploma legal, as normas materiais ou substantivas e as adjetivas ou processuais. Evaristo de Moraes Filho e Russomano definiram-se a favor da divisão dessas normas. O primeiro, no seu Projeto de Código do Trabalho, deixou de lado o processo do trabalho; o segundo chegou a escrever um excelente projeto de Código do Processo do Trabalho. É uma pena que nossos legisladores não tenham, até hoje, aproveitado — ainda que parcialmente — o que se contém naqueles projetos.
3) Direito Público e Direito Privado: Sobem a mais de cem as teorias da divisão do Direito em Público e Privado. Desde Ulpiano — com a sua teoria dos interesses protegidos (Direito Público é o que se refere ao Estado romano e, Privado, o relativo ao interesse dos indivíduos), os juristas defendem as posições mais variadas diante dessa dicotomia do Direito. Em face da controvérsia sem fim, chegam alguns, com Kelsen à frente, a afirmar que o Direito é um só, pois provém sempre da mesma fonte. Esse unitarismo, ou monismo jurídico, ganha adeptos à medida que o tempo passa, tanto mais que o Estado Moderno, crescendo em força, impulsiona o Direito Público para o interior dos domínios do Direito Privado. Há autores que preconizam, para futuro próximo, a completa absorção do Direito Privado pelo Público....
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