Introdução

AutorCarlos Eduardo Oliveira Dias - Guilherme Guimarães Feliciano - José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva - Manoel Carlos Toledo Filho
Páginas17-22

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Vivemos em franco processo de regressão social. O acirramento do debate político-ideológico fez brotar percepções das mais retrógradas, que têm produzido, a cada dia, fortes ataques ao incipiente Estado Democrático e Social de Direito brasileiro, a duras penas construído ao longo das últimas décadas. Em menos de cem anos o Brasil transita do sistema escravista para um modelo de consagração constitucional de direitos sociais, que só vieram a ser parcialmente efetivados no estertor do século XX. Mas as características da sociedade brasileira, ainda hegemonicamente dominada por uma elite reacio-nária, arrogante e prepotente, jamais assimilou os pequenos resquícios de ascensão socioeconómica das classes menos favorecidas.

Aproveitando-se de um lamentável lapso de democracia conduzido por interesses escusos, misoginia, preconceito social e descompromisso com os direitos fundamentais da sociedade essa elite tem promovido o maior ataque aos direitos dos trabalhadores desde a sua construção no início do século XX. Nem os governos assumidamente neoliberais tiveram tamanha ousadia, por certo comprometidos minimamente com os votos que obtiveram e pretendiam obter. Isso somente foi possível graças a um inusitado alinhamento de fatores, que permitiu a um governo de legitimidade discutível e popularidade nula, a promoção de uma "reforma" na legislação trabalhista de maneira totalmente contrária aos interesses dos trabalhadores, revertendo a lógica clássica da proteção ao hipossuficiente.

Ao que parece, as elites políticas e económicas romperam um "pacto" urdido desde as eleições de 2002, a partir do qual se tornaram mais tolerantes à expansão de direitos fundamentais das camadas menos favorecidas. A par da crise económica global instalada desde 2008 e que retardou seus efeitos no Brasil o cenário desenhado no pós-impeachment consagrou essa ruptura. O grupo político que se alojou no poder, legítimo representante da aristocracia e do capital, não tardou a adotar medidas de desconstrução da base social ainda em formação incipiente. O primeiro exemplo significativo desse processo foi a Emenda Constitucional n. 95/2016, que limitou por 20 anos os gastos públicos, congelando investimentos em áreas sociais e estratégicas, como saúde e educação, o que inviabiliza qualquer evolução nas políticas relacionadas a tais temas.

Outros dois são a Reforma da Previdência Social ainda não aprovada , que atingirá uma gama imensa de trabalhadores, obrigando-os a permanecer mais tempo no mercado de trabalho e comprimindo os benefícios pagos pelo Estado, e a Reforma Trabalhista, consubstanciada na Lei n. 13.467/2017, e com as modificações nela realizadas pela Medida Provisória n. 808.

O desmonte da Consolidação das Leis do Trabalho e de todo o arcabouço estruturante de proteção social dos trabalhadores brasileiros estabelecido na Lei n. 13.467/2017 está sustentado em seis pilares:

  1. ) a instituição de formas de contratação mais precárias e atípicas; 2º) a flexibilização da jornada de trabalho; 3º) o rebaixamento da remuneração; 4º) a alteração das normas de saúde e segurança do trabalho; 5º) a fragilização sindical e mudanças na negociação coletiva; e 6º) a limitação do acesso à Justiça do Trabalho e limitação de seu poder2. Somente essa descrição temática já evidencia o franco

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propósito da chamada "reforma": ao contrário do propalado por seus defensores, não se tratou de modernizar a legislação do trabalho, datada, de fato, da década de 1940, mas sim de consagrar um franco retrocesso nos direitos desde então consolidados. Isso se denota de maneira clara no fato de que incontáveis dispositivos claramente inócuos ou incompatíveis com as relações de trabalho contemporâneas não foram alterados ou mesmo atualizados. Tanto nas disposições de direito material como nas de direito processual, o legislador reformista preservou institutos, procedimentos e expressões há muitos anos modificados pela práxis, como iremos analisar no decorrer desta obra.

Ao lado disso, de modo meticuloso, a Lei n. 13.467 desprezou a jurisprudência construída ao longo dos últimos anos pelo Tribunal Superior do Trabalho, simplesmente inserindo dispositivos destinados a invalidar a interpretação consolidada por aquela Corte em um processo de amadurecimento jurisdicional. Ainda que se possa criticar qualquer discurso voltado à defesa da malfadada "disciplina judiciária", não se pode negar a relevância do papel dos tribunais superiores na construção de paradigmas jurisprudenciais, ainda que tenham meramente efeito persuasivo, e não vinculante. Afinal, se assim foram estabelecidos, pressupõe-se que houve um processo complexo de maturação de tais entendimentos, que não poderiam simplesmente ser ignorados como fez o legislador, na contracorrente do que deve ocorrer naturalmente qual seja, as práticas jurisprudenciais influenciando, na mesma direção, as modificações legislativas.

Conforme se destacou, há um intento declarado e desavergonhado de se instituir um sistema de freios à atuação da Justiça do Trabalho, medida que, além de inconstitucional, é claramente discriminatória, pois pretende desqualificar os magistrados trabalhistas frente aos demais membros do Poder Judiciário. A "reforma trabalhista", conduzida pelo poder econômico, cria regra ardilosamente preparada para comprometer a atuação da Justiça do Trabalho, como expressamente reconheceu de maneira inacreditavelmente elogiosa, por sinal o ex-Presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Em evento realizado em Washington, S. Exa. afirmou que a reforma trabalhista "é uma reação a um movimento de ativismo da Justiça...

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