Introdução

AutorRafael Calmon
Páginas17-22
INTRODUÇÃO
As particularidades culturais do Século XXI desaf‌iam o estudioso da Ciência do Direito
a enfrenta-las com o dinamismo e volatilidade que são inerentes a esta própria quadra da
história, que tem por marcas mais distintas a complexidade, a pluralidade, as mudanças
repentinas de comportamento e as reconf‌igurações de instituições seculares como a família,
religião e a própria noção de comunidade,1 notas estas decorrentes, em muito, do avanço
tecnológico que promoveu e vem promovendo uma verdadeira revolução no modo de se
estruturar e de se enxergar as coisas, assim como de se realizar as tarefas cotidianas.
Como resultado, antigos paradigmas que o próprio Estado utilizava para detectar
e avaliar os acontecimentos sociais se modif‌icaram substancialmente.
Com o Direito Processual Civil não poderia ser diferente. Por isso é que, mesmo
tendo sido redigidos há pouquíssimo tempo, os enunciados normativos do Código de
Processo Civil de 2015 (L. 13.105/15) e as categorias jurídicas por eles regulamentadas
precisam ser interpretados de forma contextualizada, em conformidade com os valores
e padrões comportamentais contemporâneos ao momento de sua aplicação.2
Para diminuir o desajuste existente entre a estaticidade da lei e a dinamicidade da
sociedade, o intérprete desse novo diploma deve ter ciência, antes de mais nada, de que
texto normativo não se confunde com norma jurídica,3 e, de que a Constituição Federal
representa o ponto de partida de toda e qualquer atividade interpretativa da legislação
infraconstitucional, devendo ela própria ser interpretada em conformidade com os prin-
cípios constitucionais, começando “pela identif‌icação do princípio maior que rege o tema
a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específ‌ico, até chegar à formulação
da regra concreta que vai reger a espécie”.4
Para além disso, o aplicador precisa ter em mente que todos os valores e normas
vocacionados a orientar condutas intersubjetivas e a regular racionalmente a vida em
1. Considerado um dos expoentes da sociologia humanística, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman emprega o
termo “modernidade líquida” para se referir ao que muitos denominam de “pós modernidade”. Segundo sua
visão de mundo, “o que está acontecendo hoje é, por assim dizer, uma redistribuição e realocação dos ‘poderes
de derretimento’ da modernidade. Primeiro, eles afetaram as instituições existentes, as molduras que circunscre-
viam o domínio das ações-escolhas possíveis, como os estamentos hereditários com sua alocação por atribuição,
sem chance de apelação. Conf‌igurações, constelações, padrões de dependência e interação, tudo isso foi posto a
derreter no cadinho, para ser depois novamente moldado e refeito; essa foi a fase de ‘quebrar a forma’ na história
da modernidade inerentemente transgressiva, rompedora de fronteiras e capaz de tudo desmoronar. Quanto aos
indivíduos, porém – eles podem ser desculpados por ter deixado de notá-lo; passaram a ser confrontados por pa-
drões e f‌igurações que, ainda que ‘novas e aperfeiçoadas’ eram tão duras e indomáveis como sempre” (BAUMAN,
Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 7).
2. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo
das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios. São Paulo: Renovar, 2006, p. 47.
3. De acordo com Humberto Ávila, “os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu
resultado” (Teoria dos princípios: da def‌inição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros,
2011, p. 30).
4. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 120.

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