Irec� - 2� vara dos feitos de rela��es de consumo, c�veis, comerciais, fam�lia, sucess�es, �rf�os e interditos

Data de publicação02 Agosto 2023
Número da edição3385
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
2ª V DOS FEITOS REL A RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEL, COM, FAM, SUCESS, ÓRF E INT DE IRECÊ
INTIMAÇÃO

0000089-28.2013.8.05.0236 Interdição/curatela
Jurisdição: Irecê
Requerente: E. F. D. O.
Advogado: Dival Sebastiao Gama De Souza (OAB:BA31618)
Requerido: E. F. B.
Terceiro Interessado: M. P. D. E. D. B.

Intimação:

Vistos e examinados.

E. F. DE O., através de advogado regularmente constituído, ingressou com AÇÃO DE INTERDIÇÃO E CURATELA, em benefício da sua filha E. F. B., todos devidamente qualificados, nos termos da exordial.

Juntou documentos.

Decisão liminar deferindo a curatela provisória (ID.20128618).

Estudo Social (ID.194755894).

Estudo Psicossocial (ID.194755897).

Audiência de entrevista realizada em 24/03/2022 (ID.187710242).

Perícia médica realizada pelo(a) Dr(a). ELIPITER GRAZIANI OLIVEIRA MACHADO, MÉDICO PSIQUIATRA, CRM n° 22915, conclusiva no sentido de que a Interditanda é portadora de Esquizofrenia, AVC e Deficit Muscular (CID F.20.1, I 64 e M 62.5) (id.326547729).

Contestação por negativa geral (ID.216923318).

Parecer do Ministério Público opinando favoravelmente ao pedido (id. 389427669).

É o breve relatório. Decido.

Passo a julgar o mérito do presente processo, uma vez que encontra-se devidamente instruído, sendo desnecessária a produção de qualquer outra prova (art. 355, I, CPC).

Inicialmente, ressalto a aplicação imediata do CPC, nos termos da regra de transição prevista no seu art. 1.046.

A interdição continua a figurar como um procedimento especial de jurisdição voluntária, em que não há partes, mas interessados, que buscam resguardar os interesses de pessoa incapaz de reger os atos da vida civil, por meio da decretação de interdição/curatela, nos termos do art.1.767 e seguintes do CC/02, alterado pela Lei n.º 13.146/15, e art. 747 e seguintes, do CPC.

A proteção mais efetiva dos direitos da pessoa com deficiência iniciou com a adesão do Brasil à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova York, em 30/03/2007, por meio do Decreto n.º 6.949/2009. Tal convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional e integrada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de norma constitucional, nos termos do procedimento previsto no art. 5º, §3º, da CF/88.

Contudo, decorridos mais de 05 (cinco) anos de vigência da referida convenção, com força de norma constitucional, os direitos e garantias normatizados em favor das pessoas com deficiência não tiveram a abrangência e efetividade desejada.

Diante deste cenário, foi promulgada a Lei n.º 13.146/15, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, ora denominado Estatuto da Pessoa com Deficiência, destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania, nos termos do seu art. 1º.

O art. 2º, da Lei n.º 13.146/15, conceitua a pessoa com deficiência nos seguintes termos:

“Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

O Estatuto da Pessoa com Deficiência objetivou concretizar o aspecto positivo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, exigindo uma ação do Estado e da sociedade capaz de fomentar os direitos existenciais da pessoa com deficiência, permitindo que a pessoa com algum impedimento possa se autodeterminar, bem como ser protagonista da sua vida.

Com o novo Estatuto buscam-se diferenciar os atos econômicos/negociais da vida cotidiana, dos atos existências, direitos da personalidade.

Acredita-se que o ser humano que possui alguma deficiência não pode ser alijado de seus direitos da personalidade. Devem-se buscar todos os meios possíveis para possibilitar à pessoa com deficiência manifestar sua autonomia da vontade, com relação às questões tais como: intimidade, família, sexualidade, religião, entre outros.

O Estatuto, no art. 4º, prevê que a pessoa com deficiência não pode sofrer qualquer tipo de discriminação. O polêmico art. 6º, da Lei n.º 13.146/15 estabelece que:

“Art. 6º - A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I - casar-se e constituir união estável;

II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.”

Da análise do Estatuto da Pessoa com Deficiência depreendem-se os seguintes princípios:

a) Protagonismo do curatelando, ou seja, o processo de curatela deve possibilitar a efetiva participação do curatelando;

b) Busca pelo melhor interesse do interditando (art. 755, §1º, do CPC);

c) Proporcionalidade; limitação dos direitos na curatela deve ser a menor possível, de acordo com as limitações da pessoa;

d) Temporalidade/Reversibilidade: o curador tem a finalidade de fomentar maior autonomia e melhoria da saúde do curatelado, a fim de permitir o resgate de sua autonomia plena;

e) Acompanhamento periódico: o Estado deve se aparelhar para buscar um acompanhamento periódico na evolução do quadro da pessoa com deficiência.

Inúmeros direitos em favor da pessoa com deficiência são elencados no Estatuto, notadamente a assistência social (art. 40); previdência social (art. 41), bem como a habilitação e reabilitação profissional (art. 34 e seguintes).

Assim, o ordenamento jurídico pátrio conta com uma legislação de vanguarda, com o intuito de garantir os direitos da pessoa com deficiência. Cabe ao Estado se aparelhar e oferecer estrutura de saúde e assistência social adequada para efetivação de tais direitos.

Feita as breves considerações, resta apreciar o caso concreto.

O(s) documento(s) comprovam que a Requerente é genitora do(a) Interditando(a).

O relatório médico juntado aos autos esclarece que o(a) Interditando(a) é portador(a) de Esquizofrenia, AVC e Deficit Muscular (CID F.20.1, I 64 e M 62.5), não possuindo capacidade para gerir os atos da sua vida e seus negócios, na forma do art. 85, da Lei n.º 13.146/15.

Assim, restou comprovado que o(a) Interditando(a) padece de Esquizofrenia, AVC e Deficit Muscular (CID F.20.1, I 64 e M 62.5), de caráter permanente, comprometendo, integralmente, seu discernimento.

Considerando que o laudo pericial afirmou que o(a) Interditando(a) sofre restrições PERMANENTES, bem como das informações colhidas em audiência, não resta alternativa senão decretar a interdição do(a) Interditando(a) para todos os atos civis, inclusive, àqueles relativos à personalidade previstos no art. 6º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Ora, o Estatuto da Pessoa com Deficiência foi criado para proteger tais pessoas. Se a deficiência impede que a pessoa tenha qualquer tipo de discernimento, a melhor forma de protegê-la é outorgando a opção de escolha ao curador, nos termos do art. 755, I do CPC. Em caso de abusos ou contradições de interesses do(a) próprio(a) Interditado(a), caberá a qualquer interessado pugnar pela remoção do curador ou redução das limitações impostas ao Interditando(a), caso apresente melhora futura.

No caso concreto, permitir que o(a) Interditando(a), por si só, possa decidir sobre matrimônio, ter filhos ou mesmo votar, na atual situação em que se encontra, certamente, ensejará maior vulnerabilidade e risco de prejuízos à sua pessoa e saúde, já muito debilitada.

Saliento que o grau de interdição pode ser alterado, em nova ação, mediante a comprovação de melhora/piora no quadro de saúde do(a) Interditando(a), não impedindo a concessão do benefício previdenciário junto ao órgão competente, mediante o preenchimento dos requisitos legais.

Assim, do cotejo das provas produzidas, conclui-se que o(a) Interditando(a) não possui condições de praticar, por si só, quaisquer os atos da vida civil e nem pode exprimir sua vontade, de forma livre e consciente, razão pela qual necessária a decretação de sua interdição, nos termos do art. 4º, III, c/c art. 1.767, I, do CC/02 e art. 6º, da Lei n.º 13.146/15.

Com relação à nomeação do(a) curador(a), observa-se que o(a) Requerente figura como um(a) dos(as) legitimados(as), haja vista ser genitora do(a) Interditando(a), conforme rol previsto no art. 747, do CPC.

Ademais, não houve impugnação de qualquer interessado ou do Ministério Público com relação à nomeação do(a) curador(a), razão pela qual entendo cabível a nomeação ora pleiteada para garantir o melhor interesse do(a) Interditando(a), nos termos do art. 1.731, II, c/c art. 1.775, §3º, ambos do CC/02 e art.755, §1º, do CPC.

Vale salientar os deveres do curador com relação ao Interditando(a), notadamente com a destinação dos recursos para sustento e tratamento de saúde, conforme estabelecem as normas descritas nos art. 84 e 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 13.146/15) e o art. 758, do CPC, in verbis:

“Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

§1º Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei.

§2º É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.

§3º A definição de...

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