ISS e não incidência sobre reembolsos de despesas

AutorAna Amélia Pereira Tormin Ramos
CargoMestre e Doutoranda pela PUC/SP. Especialista em Direito Penal pela Universidade Federal de Uberlândia e em Direito Tributário pelo IBET. Advogada
Páginas181-187

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1. Introdução

Por meio do art. 156, inciso III, da Constituição Federal de 1988, foi outorgada para os Municípios a competência para instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza definidos em lei complementar, desde que não compreendidos dentre aqueles previstos no art. 155, II, do mesmo texto constitucional.

Diante da estrutura adotada pelo legislador constitucional para construção da norma de competência, qual seja, a indicação do elemento econômico sobre o qual pode incidir a norma de tributação, duas situações são verificadas.

A primeira refere-se àqueles casos em que a norma de competência designou apenas um elemento econômico, não vinculando nenhuma ação ou verbo capaz de definir previamente qual o fato ou acontecimentos passíveis de tributação.

Como exemplo dessa hipótese, poder--se-ia citar o caso da competência outorgada à União para instituir impostos sobre a renda e sobre produtos industrializados. Destes termos não derivam automaticamente as respectivas atividades ou ações, haja vista as diversas possibilidades que eles podem comportar. Assim, por exemplo, poderiam ser instituídas, com fulcro na competência para instituir imposto sobre a renda, as materialidades auferir renda e pagar renda, já que elas denotam relação entre sujeitos (o que paga e o que recebe a renda).

Nesse caso, ambas as materialidades poderiam, ainda, passar pelo teste da capacidade contributiva, já que tanto quem paga quanto quem recebe a renda apresenta-se em situação na qual se constata a relação direta com riqueza passível de tributação - a renda.

Em outras situações, porém, o elemento econômico trazido na norma de competência já prediz o fato que deverá constar da materialidade do respectivo tributo a ser criado, uma vez que tal elemento antecipa o verbo ou a atividade a ele vinculada, ainda que indiretamente. Um exem-

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plo seria a outorga da competência para os Estados instituírem imposto sobre a circulação de mercadorias ou da União para tributar a importação ou a exportação.

Em todos esses casos, a circunstância (verbo, acrescido do elemento econômico) passível de tributação foi previamente estabelecida pelo legislador constitucional, já que nenhum outro verbo poderá ser escolhido pelo legislador infraconstitucional para associá-lo à circulação de mercadoria (que indica a atividade de circular mercadorias). O mesmo ocorre, por exemplo, com a importação e exportação, direta-mente vinculadas às atividades de importar e exportar respectivamente.

Relativamente ao imposto sobre serviços, é possível afirmar que a norma de competência apontou apenas um elemento econômico, não associando a ele uma ação capaz de definir o acontecimento tributável.

Fazendo isso, o legislador constitucional autorizou que os municípios criassem tributos em espécie que tivessem por materialidade determinadas atividades vinculadas ao elemento econômico "serviços", dentre os quais está a hipótese "prestar serviços", eleita pelo legislador infraconstitucional na lei complementar respectiva, bem assim nas respectivas legislações dos entes federados.

Pois bem. Em relação ao imposto sobre serviços, não são raras as vezes em que a legislação dos municípios, ou mesmo suas autoridades administrativas, ampliam o conteúdo semântico do termo "serviço" para alcançar outros fenômenos econômicos cuja competência para tributar não foi outorgada pela Constituição Federal.

Uma destas hipóteses ocorre com a tentativa de se tributar valores decorrentes de despesas reembolsadas por terceiros como se fossem receitas de prestação de serviços passíveis de tributação pelo imposto municipal de que se cuida.

Conforme será demonstrado adiante, trata-se de uma violação da norma de competência esculpida na Constituição Federal, sendo, portanto, inexigível o pagamento do ISS em casos que tais.

2. Art 110 do CTN- Termo "serviço" definido pelo direito privado e a base de cálculo do ISS

Entre as normas ampla e irrestrita-mente acolhidas pela Constituição Federal de 1988, é possível citar o art. 110 do Código Tributário Nacional, segundo o qual a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal ou pelas constituições dos entes federados, para definir ou limitar competências tributárias.

A norma veiculada pelo citado art. 110 do Código Tributário Nacional consiste em comando dirigido ao legislador, determinando que ele não modifique os conceitos trazidos pela norma de competência quando estes tenham por lastro as definições previstas no direito privado. Por meio dela, o legislador está proibido de aumentar o campo das competências tributárias, estabelecido constitucionalmente, pela ampliação do conteúdo e alcance dos institutos utilizados para definir os diversos aspectos de incidência tributária.

Verifica-se, assim, que deixou o legislador constitucional de definir o conteúdo semântico do termo "serviço", conquanto tal termo jurídico esteja definido tanto nas normas de direito privado, em especial no Código Civil, quanto na realidade socioe-conômica brasileira.

O Código Civil revogado em 2002, aprovado pela Lei n. 3.071, de 1o de janeiro de 1916, não trazia os elementos indicativos da definição jurídica do vocábulo "serviço" (arts. 1.216 a 1.236). Com o advento do Código aprovado pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, definiu--se, ainda que indiretamente, o conteúdo semântico do termo, já que está previsto no art. 593, que "a prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a

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lei especial, reger-se-á pelas disposições deste...

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