Itabela - Vara c�vel

Data de publicação20 Dezembro 2023
Gazette Issue3476
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COM. DE ITABELA
SENTENÇA

8000900-18.2022.8.05.0111 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Itabela
Autor: Arison Baracho Santos
Advogado: Oscar Berwanger Bohrer (OAB:RS79582)
Reu: Facebook Servicos Online Do Brasil Ltda.
Advogado: Erika Rocha Farias De Oliveira (OAB:BA51278)
Advogado: Virginia Cotrim Nery Lerner (OAB:BA22275)
Reu: Garena Agenciamento De Negocios Ltda.
Advogado: Marcelo Mattoso Ferreira (OAB:RJ174886)

Sentença:

Vistos, etc.

I – RELATÓRIO

Trata-se de AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER proposta por ARISON BARACHO SANTOS, em face de FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA e GARENA AGENCIAMENTO DE NEGOCIOS LTDA, todos qualificados nos autos.

Pontua o autor, em apertada síntese, que possuía acesso a uma conta na rede social “Facebook” e utilizava suas credenciais para acessar sua conta no jogo online Free Fire.

Aduziu que, em 14/02/21, teve sua conta do Facebook desativada pela 1ª Ré (“Facebook”), razão pela qual não consegue mais acessar sua conta no jogo Free Fire.

Deste modo pleiteou a condenação da Ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais.

Decisão de ID 243109036 indeferiu a tutela de urgência, determinou a inversão do ônus da prova e a citação das requeridas.

Citada, a Ré GARENA AGENCIAMENTO DE NEGÓCIOS LTDA ofereceu contestação, apresentando, preliminarmente, a impugnação à gratuidade da justiça. No mérito, sustenta que a conta de titularidade da parte autora registrada no Free Fire nunca foi suspensa, permanecendo ativa e pronta para uso, bastando apenas que o usuário possua as credenciais de acesso.

Argumenta, ainda, que ao vincular sua conta do Free Fire a uma de suas redes sociais, esse acesso se torna totalmente de responsabilidade dos próprios jogadores e da respectiva plataforma, já que as credenciais de login utilizadas (senha, email, etc.) são as mesmas utilizadas na rede social.

FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA apresentou contestação em ID 300759141 e pugnou pela improcedência do pleito autoral, afirmando que não foi possível localizar nenhum perfil no Facebook, vinculado ao número de telefone +55 (73) 8222-5354.

Esclarece que o usuário pode se valer de outros meios para acessar o aplicativo da corré – seja mediante fornecimento de dados de acesso registrados junto a esta ou através de recursos similares fornecidos por outras empresas. Logo, se a Corré GARENA, por sua mera liberalidade, não permite isso aos usuários do jogo Free Fire, trata-se de empecilho criado pela referida empresa, pelo qual o FACEBOOK BRASIL não pode ser responsabilizado

A audiência de conciliação restou infrutífera (ID 321659801).

Em petição, a Autora impugnou a contestação e reiterou os termos da inicial (ID 338512651).

É o relatório. Passo, então, a decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Inicialmente, o feito em questão comporta o julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil, haja vista que a questão controvertida nos autos é meramente de direito. A antecipação é legítima e os aspectos decisivos da causa estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento desta magistrada quanto aos fatos, considerando-se, ainda, que a medida atende à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CRFB/88; art. 4º, NCPC).

Dito isso, passo à análise da preliminar aventada pela Requerida.

Há presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência realizada por pessoa natural. Uma vez concedida a gratuidade da justiça, cabe à parte contrária comprovar a inexistência dos requisitos legais para a concessão do benefício.

A ré GARENA se limita a fazer alegações sobre o fato de a autora ter efetuado compras no ambiente virtual do jogo Free Fire. Ocorre que, tais alegações não são minimamente suficientes para infirmar a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência.

Ademais, a presente ação está regida pelo rito dos Juizados Especiais que determina a isenção de custas e despesas processuais, em primeiro grau de jurisdição, com fulcro no art. 54 da Lei nº 9.099/95.

Diante de tais argumentos, rejeito a preliminar arguida e passo à análise do mérito.

A relação jurídica firmada entre as partes é tipicamente de consumo, sendo regulada pela Lei nº 8078/1990 - Código de Defesa do Consumidor.

Destaca-se que as Rés se enquadram com maestria no conceito de fornecedor, trazido pelo art. 3º do Código de Defesa do Consumidor.

De igual modo, a parte autora, destinatária final do serviço prestado pelas Rés, enquadra-se na figura de consumidor, nos termos do artigo 2º do citado diploma normativo, diante da notória hipossuficiência técnica e financeira.

O Código de Defesa do Consumidor estabelece, em seu art. 6º, inciso VI, a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor do consumidor, desde que presentes determinados requisitos legais (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor), propiciando igualdade de condições das partes.

Nessa toada, importante salientar que a incidência da norma consumerista relacionada à inversão do ônus da prova, por si só, não exime o requerente da obrigação de provar a conduta danosa e o nexo de causalidade, para que reste configurado o dever de indenizar (art. 927 do Código Civil).

Ademais, a presente causa pode se resolver pelas regras ordinárias da legislação processual em vigor, nos termos do artigo 373, do CPC.

Dito isso, pretende o Autor, por meio dessa demanda, acesso à sua conta ID 170810362 no ambiente de jogo Free Fire. Ainda, pugna pela condenação das requeridas ao pagamento de indenização pelos danos morais que alega ter suportado.

No caso em tela, vislumbra-se que o autor tentou a via administrativa para resolução do seu problema de acesso, através de reclamação formalizada no Site “Reclame Aqui” (ID 243017602), preenchimento de formulário de reclamação (ID 243017603), emails enviados pela requerida GARENA (ID 243022109), todas as tentativas, sem sucesso.

A requerida GARENA AGENCIAMENTO DE NEGÓCIOS LTDA sustenta que a conta de titularidade da parte autora, registrada no Free Fire, permanece ativa e pronta para uso, bastando apenas que o usuário possua suas credenciais de acesso.

Na oportunidade, carreou termos de uso do aplicativo (ID 269079228 e seguintes).

Já a requerida FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA informa que a responsabilidade pelo acesso ao referido jogo é da corré. Além disso, informa que não foi localizado qualquer perfil de Facebook, vinculado ao número de telefone informado pelo Autor.

No que concerne à desativação das contas, constata-se que a requerida FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA possui a prerrogativa de efetuar tal medida, porém, faz-se necessária a devida fundamentação.

Da análise detida dos autos, verifico que Autora não foi notificada quando da exclusão da sua conta no Facebook e até a presente data, apesar do seu esforço em obter esclarecimentos da Ré, sequer conhece o motivo específico da exclusão.

Malgrado a informação da requerida, de que não localizou perfil vinculado ao número de telefone do demandante, o documento carreado em ID 243017603 traz a informação de que “Não podemos analisar a decisão de desativação de sua conta, porque faz muito tempo que sua conta foi desativada”.

Ademais, o documento juntado em ID 243017600 indica que a conta foi desativada, pois o consumidor não “seguiu os padrões da comunidade” e que a decisão não poderia ser revertida.

A suspensão da conta do autor e bloqueio de seu acesso via smartphone fere os princípios básicos que devem orientar a relação de consumo, qual seja a transparência nas informações prestadas ao consumidor, bem como a boa-fé, vez que é direito básico do consumidor receber informação clara e adequada sobre os produtos e serviços (art. 4º, caput e inciso III, e art. 6º, III, ambos do CDC).

Ao que se vê, não foi oportunizado ao requerente sequer a ciência acerca do motivo específico da exclusão, nem mesmo foi possibilitado o contraditório e ampla defesa acerca de tais fatos, o que afronta a Constituição Federal, que garante em seu art. 5º, LV, o contraditório e ampla defesa ao acusado, mesmo em procedimentos administrativos.

Observe-se que, ao tentar contato com a Ré FACEBOOK para solicitar justamente tal revisão, a Ré FACEBOOK se resume a enviar resposta genérica, totalmente automatizada.

Neste contexto, é flagrante a violação da Ré FACEBOOK ao disposto no § 1º do art. 20 da Lei 13.709 (LGPD), pois não forneceu "informações claras e adequadas a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados para a decisão automatizada".

Vale ressaltar, ainda, que a Autora não conseguiria produzir prova sobre a lisura da sua conduta no uso da rede social Facebook, tendo juntado aos autos as provas passíveis de produção (no caso, a recusa da Ré FACEBOOK em informar de forma clara e transparente qual teria sido a conduta ilícita que ensejou a punição aplicada).

Seria impossível à autora fazer a prova negativa [...] Nem se afiguraria razoável exigir-se isso dela, o que a colocaria diante da necessidade de uma probatio diabolica, tornando a sua atuação processual excessivamente difícil, quando não impossível." ( AREsp 1352845/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA...

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