Itanhém - Vara cível

Data de publicação10 Março 2021
Gazette Issue2817
SectionCADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COM DE ITANHÉM
INTIMAÇÃO

8000280-38.2020.8.05.0123 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Itanhém
Autor: Clarice Cordeiro De Souza
Advogado: Luis Antonio Soares Carrilho (OAB:0043679/BA)
Reu: Bahia Secretaria De Saude Do Estado
Reu: Companhia De Eletricidade Do Estado Da Bahia Coelba
Advogado: Adriana Catanho Pereira (OAB:0030962/PE)
Advogado: Lucas Leonardo Feitosa Batista (OAB:0022265/PE)

Intimação:

Vistos.

Clarice Cordeiro de Souza ajuizou ação de conhecimento em face do Estado da Bahia e da Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia - COELBA, para tanto dizendo, em síntese, que a alíquota atual de 27% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias ou Serviços (ICMS), incidente sobre o fornecimento de energia elétrica, está violando o princípio da seletividade, desconsiderando a essencialidade do produto; alega ser inconstitucional a norma que prevê alíquotas de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS superiores a geral para incidência sobre a energia elétrica. Requer a procedência da ação para que seja declarada a inconstitucionalidade incidental da norma estadual e ilegalidade da aplicação da alíquota de 27% ao ICMS incidentes obre o fornecimento de energia elétrica, reduzindo-o para o patamar de 18% e, alfim, condenando-se os réus à restituição referente aos últimos 05 (cinco) anos dos valores recolhidos a maior.

Citado, os réus contestaram a ação, arguindo, preliminarmente, a ilegitimidade ativa e passiva e, no mérito, a legalidade da alíquota tributária do ICMS sobre energia elétrica.

O autor apresentou réplica.

Relatados.

Fundamento e decido.

O feito comporta julgamento antecipado, na medida em que a prova documental é suficiente (CPC, art. 355, I).

Inicialmente, rechaçam-se as preliminares, por força da aplicação do princípio da prevalência da decisão de mérito, considerando que na presente hipótese o julgamento do mérito favorecerá às partes que ventilaram preliminares processuais.

Trata-se de ação declaratória na qual a demandante objetiva o direito ao recolhimento do ICMS com base nas menores alíquotas vigentes no Estado, bem como a restituição do valor pago a maior acrescido de correção monetária e juros moratórios.

Inicialmente, anote-se que, malgrado o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha conferido repercussão geral ao RE 714.139/SC, ainda pendente de julgamento, não foi determinado o efeito do sobrestamento dos processos sobre o tema:

IMPOSTO SOBRE A CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ENERGIA ELÉTRICA – SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO – SELETIVIDADE – ALÍQUOTA VARIÁVEL – ARTIGOS 150, INCISO II, E 155, § 2º, INCISO III, DA CARTA FEDERAL – ALCANCE – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia relativa à constitucionalidade de norma estadual mediante a qual foi prevista a alíquota de 25% alusiva ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços incidentes no fornecimento de energia elétrica e nos serviços de telecomunicação, em patamar superior ao estabelecido para as operações em geral – 17%. (RE 714139 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 12/06/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-188 DIVULG 25-09-2014 PUBLIC 26-09-2014).

O artigo 155, da Constituição Federal:

Art. 155 - "Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (...)

§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(...) III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços; (...) (grifos meus)

No Estado da Bahia, a alíquota do ICMS foi instituída pela Lei Estadual nº 7.014/1996, que fixou diversas alíquotas.

As alíquotas gerais estão previstas no art. 15 com exceções dispostas no art. 16 do referido diploma. Especificamente no tocante à aquisição de energia elétrica, prevê o dispositivo da legislação estadual:

Art. 15. As alíquotas do ICMS são as seguintes:

I - 18% (dezoito por cento):

a) nas operações e prestações internas, em que o remetente ou prestador e o destinatário da mercadoria, bem ou serviço estejam situados neste Estado;

Art. 16. Não se aplicará o disposto no inciso I do artigo anterior, quando se tratar das mercadorias e dos serviços a seguir designados, cujas alíquotas são as seguintes:

II - 25% nas operações e prestações relativas a:

i) energia elétrica;

Posteriormente, a Lei Estadual nº 7.988/2001, que criou “a Secretaria de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais e o Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza e dá outras providências”, acrescentou o art. 16-A à Lei nº 7.014/1996 e adicionando 2% (dois por cento) à citada alíquota:

Art. 16-A. As alíquotas incidentes nas operações e prestações indicadas no inciso I do art. 15, com os produtos e serviços relacionados nos incisos II, IV, V e VII do art. 16, serão adicionadas de dois pontos percentuais, cuja arrecadação será inteiramente vinculada ao Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza.

Com efeito, não há dúvida de que o legislador estadual pode usar da potestade prevista no art. 155, § 2º, III, da CF (“poderá ser seletivo”) e que o reconhecimento da obrigatoriedade de aplicação da seletividade por critério de comparação é desdobramento do princípio da igualdade tributária (CF, art. 150, II), na perspectiva dos impostos reais e indiretos.

Porém, a seletividade do ICMS não ganha concretude tão somente com a aplicação de alíquotas diferenciadas.

O magistério de Roque Antônio Carraza ensina que “ a seletividade do ICMS pode ser alcançada por mais de uma técnica, como é o caso da criação de alíquotas diferenciadas, da variação de bases de cálculo e da criação de incentivos fiscais. Contudo, é na esfera da variação de alíquotas que a seletividade se faz mais facilmente alcançável” (CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 460-461. ).

Ocorre que a essencialidade e a seletividade se inserem dentro de um contexto da política fiscal e extrafiscal. Desse modo, é muito difícil reconhecer que a interpretação dada à função do ICMS seja exclusivamente escolher quais as mercadorias mais ou menos essenciais para que sejam selecionadas como hipótese de incidência tributária, pois existe um contexto político tributário, que se insere na atuação discricionária do governo, que pressupõe a análise de um conjunto bem maior de valores do que simplesmente a perspectiva da demandante/contribuinte.

Quero dizer que não é simplesmente através da definição da alíquota mercê do tipo de mercadoria ou serviço que o Estado exerce a seletividade do ICMS. Tanto assim que o art. 16-A, acrescentado à Lei Estadual nº Lei nº 7.014/1996 pela Lei nº 7.988/2001, aumentou a alíquota para diversos produtos com vistas a incrementar o Fundo Estadual de Combate à Pobreza, revelando que a atuação tributária quanto à definição de alíquotas não se dá exclusivamente pelo critério “essencialidade x percentual da alíquota”.

Assim, para fins de cobrança diferenciada do ICMS, a escolha a respeito da essencialidade de uma mercadoria ou serviço constitui ato discricionário do ente estatal tributante, não competindo ao Poder Judiciário a modificação ou fixação de alíquotas, sob pena de violação ao princípio da Separação dos Poderes.

A essencialidade e a seletividade não podem escudar a alteração judicial das alíquotas.

Nesse sentido, não pode o Poder Judiciário atuar como legislador positivo, e assim interferir na discricionariedade assegurada pela Carta Maior ao legislador ordinário, exercendo o “juízo de oportunidade e conveniência” pertinente à atividade regulatória do Estado.

O Tribunal de Justiça já se posicionou nesse sentido acerca do tema:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. ICMS. ALÍQUOTA. SELETIVIDADE. ESSENCIALIDADE. ATENDIMENTO. ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS. ALÍQUOTA DE 27%. VALIDADE. SEPARAÇÃO DE PODERES. ATENDIMENTO AO CRITÉRIO. FACULTATIVIDADE. PRETENSÃO DE INCIDÊNCIA DE ALÍQUOTA DE 17% e 18%. IMPOSSIBILIDADE. RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO INCABÍVEL. SENTENÇA REFORMADA. APELO PROVIDO.

1. O constituinte diz que o ICMS pode ser seletivo, ou seja, o ente federativo competente para sua instituição possui uma faculdade: a de adotar ou não a seletividade. Não se pode ir além do que o constituinte estabeleceu "pode" não significa "deve".

2. Considerar o fornecimento de energia elétrica como essencial, por si só, não impede a legislação estadual de estipular alíquota superior à de outros serviços ou mercadorias também considerados essenciais.

3. O fato de o Estado adotar a seletividade em relação ao ICMS da energia elétrica não quer dizer que deve fazê-lo em relação a todos os produtos essenciais, até porque a adoção da seletividade é facultativa. Afinal, quem pode o mais (não adotar a seletividade), pode o menos (adotá-la em relação a alguns itens, enquanto a outros não). Ser essencial não gera, por si só, direito a alíquota reduzida.

4. Não é...

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