Itapicuru - Vara c�vel

Data de publicação28 Junho 2023
Gazette Issue3360
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE ITAPICURU
INTIMAÇÃO

8001049-97.2021.8.05.0127 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Itapicuru
Autor: Lucineide Maria Do Nascimento Santana
Advogado: Jean Carlos Da Silva (OAB:BA49118)
Reu: Banco Bradesco Sa
Advogado: Fábio Gil Moreira Santiago (OAB:BA15664)

Intimação:

Visto.

Relatório dispensado, na esteira do art. 38, da Lei 9099/95.

Alega a parte autora que foi surpreendida com um crédito em conta, decorrentes de empréstimo pessoal na sua conta-corrente. Aduz que não autorizou a contratação.

Na sua contestação, a demandada alegou que efetivamente firmou o contrato, verificando-se a validade e legalidade dos descontos, não havendo, pois, que se falar em fraude ou conduta abusiva do Acionado.

É o que importa circunstanciar. DECIDO.

A título de prelúdio, a inépcia da petição inicial deve ser prontamente rejeitada, notadamente à luz da regularidade formal e material das razões ali contidas, atendendo, portanto, aos requisitos insertos na lei processual civil para este fim.

Por conseguinte, no que concerne a impugnação de justiça gratuita, rejeito esta preliminar uma vez que em primeiro grau de jurisdição, é dispensado o pagamento de custas processuais, conforme dispõe o art. 54 da Lei nº 9.099/95, sendo a fase recursal o momento adequado para tal solicitação (§ único, do art. 54).

No mérito, insta situar a questão ora ventilada no espectro das relações de consumo, à guisa dos preceptivos dos artigos e do CDC, de modo a apresentar-se a parte autora como destinatária final dos serviços prestados pela ré, e esta, por sua vez, fornecedora de tais serviços.

Conforme entabulado no art. 6º do Código de Defesa de Consumidor, a análise do acervo probatório seguirá a inversão legal, ante a comprovada hipossuficiência da parte requerente, invertido o ônus da prova, devendo a instituição financeira comprovar a celebração do contrato e a regularidade das cobranças.

Capitaneada por essas premissas principiológicas, diante da análise dos elementos de informação encerrados nos autos, percebo que a controvérsia gravita em torno da legitimidade da conduta da ré.

No caso em testilha, em que pese a demandada alegue que o autor efetivamente celebrara contrato de empréstimo, não municia este Juízo com qualquer prova nesse sentido, o que poderia ter sido feito com a juntada do instrumento contratual devidamente assinado ou com a gravação telefônica do momento do ajuste ou, ainda, por qualquer outro meio idôneo que viabilizasse o controle judicial do fato, ônus do qual, entretanto, não se desincumbiu.

Consigne-se ainda que as telas juntadas pela parte demandada não faz prova da contratação/uso dos serviços cobrados, visto que apócrifos e produzidos unilateralmente pela parte interessada.

Assim, não havendo prova da contratação entre as partes, presume-se favoravelmente à parte autora, resultando amalgamada a hipótese de fraude perpetrada por terceiro, que não elide a responsabilidade da empresa ré.

Com efeito, a responsabilidade da ré, como prestadora de serviço, na esteira do art. 14 caput do CDC, é de natureza objetiva, somente podendo ser afastada por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, e não pelo fato da prática do ato por terceiro, que se vale das facilidades decorrentes da falta de cautela do fornecedor de serviços, na fase pré-contratual e contratual.

Se terceiro agiu fraudulentamente, acredito que só o fez em face das facilidades ofertadas pelo próprio réu, que ao viabilizar métodos menos burocráticos para realização dos contratos (contratação por terminal de auto atendimento, sem assinatura física), não disponibiliza mecanismos irrefutavelmente seguros que impeçam ou dificultem a ação daqueles que fraudam. Nesse caso, aplicando-se o preceptivo do art. 14, caput do CDC, a empresa ré assume os riscos decorrentes da forma facilitada de pactuação, sujeitando-se a suportar as consequências de eventual fraude praticada por terceiros, mormente porque as regras e princípios do CDC impõem cautelas no sentido de resguardar o patrimônio e o moral dos consumidores.

No que tange ao dano moral, sabe-se que a doutrina e a jurisprudência majoritárias se alinham no sentido de que o prejuízo imaterial é uma decorrência natural (lógica) da própria violação do direito da personalidade ou da prática do ato ilícito, caracterizando-se in re ipsa, ou seja, nas palavras do festejado Sérgio Cavalieri Filho: “deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de modo que, provada a ofensa... está demonstrado o dano moral” (Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2003. p. 99).

Mas, também pelo viés punitivo e da prevenção de danos, a repercussão da conduta da ré merece ser sancionada.

Perceba-se que o “paradigma reparatório”, calcado na teoria de que a função da responsabilidade civil é, exclusivamente, a de reparar o dano, tem-se mostrado ineficaz em diversas situações conflituosas, nas quais ou a reparação do dano é impossível, ou não constitui resposta jurídica satisfatória, como se dá, por exemplo, quando o ofensor obtém benefício econômico com o ato ilícito praticado, mesmo depois de pagas as indenizações pertinentes, de natureza reparatória e/ou compensatória; ou quando o ofensor se mostra indiferente à sanção reparatória, vista, então, como um preço que ele se propõe a pagar para cometer o ilícito ou persistir na sua prática.

Essa “crise” do paradigma reparatório leva o operador do direito a buscar a superação do modelo tradicional, a qual não se traduz no abandono da ideia de reparação, mas no redimensionamento da responsabilidade civil, que, para atender aos modernos e complexos conflitos sociais, deve exercer várias funções.

Ao lado da tradicional função de reparação pecuniária do prejuízo, outras funções foram idealizadas para a responsabilidade civil. Assim, avulta, atualmente, a noção de uma responsabilidade civil que desempenhe a função de prevenção de danos, forte na ideia de que mais vale prevenir do que remediar.

Conforme salienta Ramón Daniel Pizarro, tanto do ponto de vista da vítima quanto do possível responsável, a prevenção do dano é sempre preferível à sua reparação. O tema assume especial relevo em matéria de danos causados como consequência de uma lesão a direitos personalíssimos, como a intimidade, a honra ou a imagem.

Do mesmo modo, cresce a ideia, em países de tradição romanística, de uma função punitiva da responsabilidade civil. A indenização punitiva surge como instrumento jurídico construído a partir do princípio da dignidade humana, com a finalidade de proteger essa dignidade em suas variadas representações.

A ideia de conferir o caráter de pena à indenização do dano moral pode ser justificada pela necessidade de proteção da dignidade da pessoa e dos direitos da personalidade, sobretudo em situações especiais, nas quais não haja outro instrumento que atenda adequadamente a essa finalidade, respondendo, outrossim, a um imperativo ético que deve permear todo o ordenamento jurídico.

Essa ideia da indenização punitiva é coerente com os princípios que informam o nosso Direito e constitui um mecanismo consistente e apto à consecução dos fins para ele almejados.

Assim, o valor da reparação e punição deve observar a situação econômica das partes envolvidas, a gravidade do dano e o tríplice escopo da reparação: indenizatório, punitivo e pedagógico, evitando enriquecimento ilícito, por um lado, e desestimulando a reiteração da prática ilícita, por outro.

Quanto ao dano material pleiteado, este se consubstancia nos valores que foram indevidamente descontados da conta bancária do demandante, cujo montante deverá ser restituído em dobro, nos termos do §único, do art. 42, do CDC.

Ante o exposto, declaro extinto o processo, com resolução de mérito, nos termos do inciso I, do art. 487, do CPC, para condenar a requerida a:

a) cancelar o contrato de operação de crédito objeto da lide n° 7259624 e os descontos deles decorrentes, no prazo de cinco dias, sob pena de multa de R$300,00 (trezentos reais) para cada desconto indevido, contado até R$ 3.000,00 (três mil reais), em caso de descumprimento (art. 84, §4º- CDC);

b) se abster de inserir os dados do Acionante nos órgãos restritivos de crédito, unicamente no que tange ao objeto da lide, sob pena de multa diária de R$50,00 (cinquenta reais), limitada ao montante de R$20.000,00 (vinte mil reais), em caso de descumprimento;

c) restituir as quantias pagas pela parte autora, em dobro, referentes ao contrato de operação de crédito objeto da lide n° 7259624, com juros e correção monetária a partir dos efetivos prejuízos (Súmula nº 43 STJ);

d) compensar o dano moral sofrido pela parte autora no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), com correção monetária a partir do presente arbitramento (Súmula nº 362 STJ) e juros de mora desde o evento danoso (Súmula nº 54 STJ).

e) Autorizo que a acionada faça a compensação, deduzindo o valor efetivamente creditado na conta da parte autora quando da devolução dos valores indevidamente descontados, acrescido de juros desde a citação e correção monetária do momento em que o valor foi...

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