Itororó - Vara cível

Data de publicação05 Maio 2020
SeçãoCADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL
Número da edição2609
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COM. ITORORÓ
INTIMAÇÃO

8000279-96.2015.8.05.0133 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Itororó
Autor: Isidoria Maria Susete Saucedo
Réu: Gol Linhas Aereas
Advogado: Reinaldo Saback Santos (OAB:0011428/BA)

Intimação:

SENTENÇA


Dispensado o relatório nos termos do artigo 38 da Lei nº 9.099 de 1995, passo a fazer um breve resumo dos fatos.

A autora ajuizou a presente ação sustentando, em síntese, que no dia 13/07/2015, foi executar o contrato de transporte aéreo de Salvador a Fortaleza (ida e volta), porém por motivos alheios à sua vontade perdeu o voo de ida. Informa que por conta deste motivo a parte ré teria cancelado indevidamente seu voo de retorno. Aduz, a abusividade da conduta da parte ré, uma vez que teria pago o valor integral das passagens, de ida e volta, e que o cancelamento do trecho de volta, configura-se a prática irregular de venda casada. Conta que sofreu danos materiais na ordem de R$ 975,54 (novecentos e setenta e cinco reais e cinquenta e quatros centavos) consistentes em; a) valores da passagens de ida e volta adquiridas junto à parte ré (R$ 404,00); b) valor da compra do trecho terrestre de ida para Fortaleza (R$ 250,00); e valor de passagem aérea de volta adquirida junto À Empresa AZUL Linhas Aéreas.

Pede, por fim, além da reparação dos danos materiais, a condenação dos danos morais em R$ 5.000,00 ( cinco mil reais)

Frustrada a conciliação, a requerida apresentou defesa, aduzindo, em resumo, que realmente fez o cancelamento da passagem de volta, entretanto agiu de acordo com normas internas da empresa amplamente anunciadas que em caso de "no show" os trechos subsequentes são cancelados. Narra, dessa form,a que a culpa do cancelamento seria exclusiva da parte autora que perdeu o voo de ida por não chegar a tempo de proceder o embarque.

Passo a decidir.

Inicialmente defiro a inclusão no polo passivo da demanda de VRG Linhas Aéreas S.A., mantendo todavia Gol Linhas Aéreas na medida em que empresas controladoras são responsáveis solidárias de suas subsidiárias.

No mérito, As teses sustentadas pelas partes se mostram diametralmente opostas, na medida em que os fatos narrados são idênticos pelas partes, mas cada qual entende uma consequência jurídica diversa.

A autora afirma que a conduta da ré foi ilegal ao cancelar o bilhete de seu voo de volta, por conta de seu não comparecimento no voo de ida. Por sua vez, a parte ré afirma que agiu legalmente dentro do contrato com a parte autora.

Das teses apresentadas, prevalece que a prática de cancelamento automático do bilhete de volta não pode ser realizada pelas empresas aéreas, pois configura-se obrigação abusiva, incompatível com a boa-fé objetiva que deve dirigir os contratos tanto em sua elaboração quanto na sua execução. essa prática de cancelamento unilateral é evidentemente prática de venda casada, na medida que vincula uma passagem aérea a outra o que é vedado pelo ordenamento consumerista.

Neste sentido:

Ementa:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS. AQUISIÇÃO DE PASSAGENS DO TIPO IDA E VOLTA. CANCELAMENTO AUTOMÁTICO E UNILATERAL DO TRECHO DE VOLTA, TENDO EM VISTA A NÃO UTILIZAÇÃO DO BILHETE DE IDA (NO SHOW). CONDUTA ABUSIVA DA TRANSPORTADORA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 51, IV, XI, XV, E § 1º, I, II E III, E 39, I, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESSARCIMENTO DAS DESPESAS EFETUADAS COM A AQUISIÇÃO DAS NOVAS PASSAGENS (DANOS MATERIAIS). FATOS QUE ULTRAPASSARAM O MERO ABORRECIMENTO COTIDIANO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1.A controvérsia instaurada neste feito consiste em saber se configura conduta abusiva o cancelamento automático e unilateral, por parte da empresa aérea, do trecho de volta do passageiro que adquiriu as passagens do tipo ida e volta, em razão de não ter utilizado o trecho inicial.

2.Inicialmente, não há qualquer dúvida que a relação jurídica travada entre as partes é nitidamente de consumo, tendo em vista que o adquirente da passagem amolda-se ao conceito de consumidor, como destinatário final, enquanto a empresa caracteriza-se como fornecedora do serviço de transporte aéreo de passageiros, nos termos dos arts. e do Código de Defesa do Consumidor – CDC.

Dessa forma, o caso em julgamento deve ser analisado sob a ótica da legislação consumerista, e não sob um viés eminentemente privado, como feito pelas instâncias ordinárias.

3.Dentre os diversos mecanismos de proteção ao consumidor estabelecidos pela lei, a fim de equalizar a relação faticamente desigual em comparação ao fornecedor, destacam-se os arts. 39 e 51 do CDC, que, com base nos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, estabelecem, em rol exemplificativo, as hipóteses, respectivamente, das chamadas práticas abusivas, vedadas pelo ordenamento jurídico, e das cláusulas abusivas, consideradas nulas de pleno direito em contratos de consumo, configurando nítida mitigação da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda).

4.A previsão de cancelamento unilateral da passagem de volta, em razão do não comparecimento para embarque no trecho de ida (no show), configura prática rechaçada pelo Código de Defesa do Consumidor, nos termos dos referidos dispositivos legais, cabendo ao Poder Judiciário o restabelecimento do necessário equilíbrio contratual.

4.1.Com efeito, obrigar o consumidor a adquirir nova passagem aérea para efetuar a viagem no mesmo trecho e hora marcados, a despeito de já ter efetuado o pagamento, configura obrigação abusiva, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada, sendo, ainda, incompatível com a boa-fé objetiva, que deve reger as relações contratuais (CDC, art. 51, IV). Ademais, a referida prática também configura a chamada “venda casada”, pois condiciona o fornecimento do serviço de transporte aéreo do “trecho de volta” à utilização do “trecho de ida” (CDC, art. 39, I).

4.2.Tratando-se de relação consumerista, a força obrigatória do contrato é mitigada, não podendo o fornecedor de produtos e serviços, a pretexto de maximização do lucro, adotar prática abusiva ou excessivamente onerosa à parte mais vulnerável na relação, o consumidor.

5.Tal o quadro delineado, é de rigor a procedência, em parte, dos pedidos formulados na ação indenizatória a fim de condenar a recorrida ao ressarcimento dos valores gastos com a aquisição da segunda passagem de volta (danos materiais), bem como ao pagamento de indenização por danos morais, fixados no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para cada autor.

6.Recurso especial provido.

(STJ – REsp 1699780/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/09/2018, DJe 17/09/2018).

Não há como afastar a responsabilidade da requerida. O Código de Defesa do Consumidor proíbe expressamente a venda casada, restando evidenciado, o ato ilícito praticado pela parte ré com o subsequente dever de indenizar a parte autora pelos danos morais e materiais sofridos. a excludente em razão de fato exclusivo da vítima ou de terceiro.

Permanece intacto, portanto, o nexo causal entre a conduta da requerida e o dano suportado pela autora, pois a esta não se pode atribuir nenhuma culpa.

No que tange à indenização pelos danos materiais, ressalto que muito embora conste nos autos que teria gasto R$ 250,00 de passagem terrestre para Fortaleza, a autora nenhuma prova apresentou de tal dano. Dessa forma, em obediência ao disposto no artigo 333 do Código de Processo Civil, o pedido, neste ponto, tende para a improcedência

Todavia, fez prova do valor gasto com as passagens aéreas obtidas junto a parte ré e não impugnado por esta no montante de R$ 404,00, bem como da passagem de retorno, adquirida perante a Empresa Azul Linhas Aéreas, no valor de R$ 321,54, cujos valores deverão ser ressarcidos pela requerida perfazendo o montante de R$ 725,54.

Em relação aos danos de ordem moral, entendo que a autora, ao ter sua passagem de volta cancelada abusivamente, suportou dissabores que vão muito além daqueles usualmente aceitáveis.

Conforme cediço, os danos morais decorrem de situações anormais capazes de violar os denominados direitos da personalidade do indivíduo.

Dentro deste enfoque, não me parece que o referido cancelamento possa ser havido como simples aborrecimento.É certo que situações como essa geram sentimentos de angústia e frustração, além de perturbação do sossego

No caso dos autos, diante da narrativa da parte autora, parece evidente o descaso da ré que, sobremaneira, afligiu a autora diante da sensação de impotência que surge em decorrência da renitência da ré em cumprir com suas obrigações, que no caso, seria muito simples retroceder no cancelamento e não o fez. Não obstante, preferiu relegá-lo à própria sorte, o que, a meu juízo, somente teve o condão de agravar a situação.

O dano moral não tem como ser quantificado de maneira precisa. Não é avaliado mediante cálculo matemático-financeiro, que se relaciona às lesões patrimoniais. O arbitramento judicial para a estimativa do mesmo, no caso em análise, deve levar em conta os elementos disponíveis nos autos.

A reparação deve constituir em sanção objetiva pelo comportamento lesivo, de forma a alertar o seu causador para o erro, buscando-se desestimular novas ocorrências de dano, revestindo-se de caráter pedagógico. É instrumento para que o réu proceda com maior diligência em futuras situações análogas, não podendo ainda, em contrapartida, constituir-se em enriquecimento indevido por parte da lesada.

No caso em exame, levando em conta as considerações acima expostas, entendo como suficiente e razoável a fixação dos danos morais no valor de R$...

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