João dourado - Vara cível

Data de publicação29 Março 2021
Gazette Issue2830
SectionCADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE JOÃO DOURADO
SENTENÇA

8000285-28.2019.8.05.0145 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: João Dourado
Reu: Coelba - Companhia De Eletricidade Do Estado Da Bahia - Grupo Neoenergia
Advogado: Rafael Martinez Veiga (OAB:0024637/BA)
Advogado: Marcelo Salles De Mendonça (OAB:0017476/BA)
Autor: Romilson Marques Batista
Advogado: Humberto Do Nascimento Morais (OAB:0058925/BA)

Sentença:

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA

COMARCA DE JOÃO DOURADO – JUIZADO ESPECIAL CÍVEL ADJUNTO

AV. ENÉAS DA SILVA DOURADO, 615, CENTRO, CEP 44.920-000

Telefone (74) 3668-1114/1113

PROCESSO: 8000285-28.2019.8.05.0145

AUTOR: ROMISON MARQUES BATISTA

RÉU: COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA - COELBA

SENTENÇA

Vistos e examinados estes autos. Dispensado o relatório em sentença cujo feito foi processado perante o Juizado Especial Cível, de acordo com o artigo 38 da Lei 9.099/95.

FUNDAMENTO E DECIDO.

Aduz a parte autora inicialmente que é a consumidora final dos serviços prestados pela empresa Ré, com o contrato nº. 7034727737, e possui um consumo médio de 331,75Kwh mensal, e estaria sendo indevidamente cobrado em fevereiro de 2019 pela concessionária demandada no valor de R$ 9.494,40 (nove mil, quatrocentos e noventa e quatro reais e quarenta centavos), sob alegação de que o do medidor estava avariado. As faturas cobradas datam de 09/04/2019 nos valores de R$ 3.613,38 (três mil seiscentos e treze reais e trinta e oito centavos) e R$ 5.881,02 (cinco mil oitocentos e oitenta e um reais e dois centavos).

Em peça contestatória a parte ré aduz preliminarmente da necessidade de produção de prova pericial - impossibilidade da tramitação do feito nos termos da lei 9099/95. No mérito narra à realidade dos fatos, que o débito objeto da lide se refere a consumo acumulado em virtude de faturamento incorreto, causando prejuízos à concessionária. Afirma ter agido em conformidade com Resolução 414 da Aneel, não havendo irregularidade, e que a cobrança é devida pela parte autora. Alega a licitude dos procedimentos de inspeção técnica adotados pela ré, a licitude da cobrança decorrente da irregularidade apontada – cálculos elaborados de acordo com a legislação pertinente, a presunção de veracidade do ato administrativo instaurado pela concessionária ré; a inexistência de nexo causal entre o dano alegado e a conduta da ré – dever de indenizar inexistente; a inexistência de dano moral; a indevida repetição de indébito; inviabilidade da inversão do ônus da prova. Faz pedido contraposto, e por fim, pugnou pela improcedência da demanda.

PRELIMINARMENTE

INCOMPETÊNCIA – NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL - Aduz a parte ré a necessidade de produção de prova pericial. Consoante estampa o Enunciado 54 do Fonaje, “a complexidade da causa é aferida não em relação ao direito versado e sim no que concerne a prova a ser realizada contra os fatos articulados”. No presente feito, entende este Julgador que não se pode afastar, de logo, a dilação probatória, pois não se mostra a situação "sub examine" como única forma de elucidação por meio de exames periciais, o que impede o acolhimento da preliminar suscitada. E mais, a suposta irregularidade fora sanada, como alega a ré, perdendo, pois, o objeto da prova pericial. Sendo assim, há de ser rejeitada essa preliminar, o que ora se faz.

MÉRITO

Observa-se que a hipótese dos autos é de relação de consumo, na medida em que a ré é fornecedora do serviço público de energia elétrica e a autora seu destinatário final (arts. 2º e 3º, do CDC), aplicando-se ao caso as normas previstas no Código de Defesa do Consumidor.

Nesse viés, dispõe o art. 6º, VI, do CDC, que constitui direito básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação dos danos morais e materiais, assim como preceitua no inciso VIII, o direito a facilitação da defesa, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, principalmente, se considerarmos que a parte autora se apresenta como desqualificada tecnicamente para produzir prova de fato negativo, eis que nega a existência da fraude e sua autoria.

De mais a mais, o art. 14, caput, do Código Consumerista, indica ser objetiva a responsabilidade decorrente de falha na prestação do serviço, ou seja, basta apenas à comprovação do dano e do nexo de causalidade entre ambos. É evidente que a apuração unilateral de fraude no medidor de energia elétrica praticada pela ré, demonstrada em telas sistêmicas, lavrado por seus prepostos, não é prova robusta apta a ensejar a legalidade da cobrança enviada ao autor, sequer houve apresentação de laudo técnico que pudesse comprovar a irregularidade no aparelho de medição da residência da parte autora.

Não há como se admitir que a ré, julgando-se vítima de fraude, produza provas unilaterais a seu favor, sem a efetiva participação do usuário, posto que tal conduta fira o contraditório, garantia constitucional assegurada aos procedimentos administrativos, nos termos do art.5º, LV, da Constituição Federal. Destarte, em que pese os argumentos da ré, sua conduta é ilegal e abusiva.

No caso dos presentes autos, a Ré averiguou e corrigiu a suposta irregularidade do medidor sem possibilitar à parte autora qualquer defesa técnica a respeito da infração imputada, tendo a ré, somente se limitado a sustentar que a cobrança suplementar é legal e lícita.

Sem o devido processo legal, a atitude da ré há de ser considerada abusiva, inclusive em face das normas do Código de Defesa do Consumidor, podendo, nesse passo, ser lembrada a lição de Hely Lopes Meirelles, na clássica obra "Direito Administrativo Brasileiro", Malheiros Editores, 1997, p.595: "Processo administrativo sem oportunidade de defesa ou com defesa cerceada é nulo, conforme têm decidido reiteradamente nossos tribunais judiciais, confirmando a aplicabilidade do princípio constitucional do devido processo legal ou, mais especificamente, da garantia de defesa". Desse modo, não se pode responsabilizar a parte autora pela falha ou irregularidade no medidor, uma vez que os equipamentos de medição pertencem à ré e é dela a responsabilidade pela fiscalização de sua regularidade e funcionamento. E, se seus funcionários comparecem mensalmente nos locais para a leitura do consumo, evidente que a cobrança retroativa e meramente presumida, em prejuízo do consumidor, mostra-se incabível.

Como tal, o certo é que neste caso a concessionária não está autorizada a cobrar diferenças, sobretudo se não houve prova. Não pode ser a autora penalizada por um consumo presumido, decorrente de simples Resolução da ANEEL, o que importaria em aplicação pura e desarrazoada de responsabilidade objetiva, incabível tanto no âmbito cível como criminal. Diante de tal contexto fático e da confortável e lucrativa postura inerte da ré na fiscalização das unidades de consumo, entendo que é ilícito presumir um consumo e fazê-lo retroagir, o que implica em presumir um consumo e impor ao destinatário dos serviços o pagamento de uma dívida de duvidosa existência, sem falar que baseada na falta de fiscalização da ré.

A ré na qualidade de prestadora de serviço público, a bem da verdade, tem o direito de se receber pelos serviços prestados ao consumidor, até porque, como se sabe, referido serviço não é gratuito e, assim tem o consumidor o dever de pagar pelos serviços utilizados, mas a cobrança não pode ser feita de maneira abusiva.

Restou, também, evidenciado o sofrimento moral suportado pela parte autora, em decorrência da conduta do acionado, pois que o fato de ser cobrado por dívida decorrente de suposta fraude no medidor de energia é suficiente e bastante para ensejar o dever de indenizar, além da suspensão dos serviços, pelo que deve ser ressarcida pelos danos morais decorrentes da falha na prestação de serviços que ultrapassa o mero dissabor. Por fim, tendo como inexistente o débito questionado, e mediante a comprovação pela parte autora de que o seu consumo é inferior ao cobrado pela empresa ré, do valor de R$ 9.494,40 (nove mil, quatrocentos e noventa e quatro reais e quarenta centavos), constata-se o vício na prestação do serviço, prática vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, autorizando a condenação na obrigação de restituir o valor pago indevidamente.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO CONTRAPOSTO DO RÉU, E JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS DO AUTOR nos seguintes termos:

A. DECLARAR o cancelamento da dívida objeto da lide, das faturas do contrato de nº 7034727737, com vencimento em 09/04/2019, no valor de R$ 3.613,38 (três mil seiscentos e treze reais e trinta e oito centavos) e R$ 5.881,02 (cinco mil oitocentos e oitenta e um reais e dois centavos), devendo as mesmas, serem refaturadas sem a aludida cobrança indevida e com base na média de consumo de 331,75 kwh mensal (média de consumo entre março de 2018 e fevereiro 2019);

B. CONDENO ainda a ré a suportar uma indenização que arbitro em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais em favor da parte autora, acrescido de correção monetária pelo INPC e juros de mora na base de 1% (um por cento) ao mês, na forma do artigo 406, do Código Civil, c/c o parágrafo primeiro do artigo 161, do Código Tributário Nacional, desde a data do arbitramento, até o efetivo pagamento, como imposto pela Súmula 362 do STJ.

Declaro extinto o processo com resolução do mérito, na forma do art. 487, I do Novo CPC. Não há custas ou sucumbência no âmbito da jurisdição do primeiro grau, nos termos do artigo 55 da Lei...

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