João dourado - Vara cível

Data de publicação16 Novembro 2022
SectionCADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL
Gazette Issue3217
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE JOÃO DOURADO
SENTENÇA

8000745-78.2020.8.05.0145 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: João Dourado
Autor: Maria Helena Oliveira Torquato
Advogado: Jaquiel Bento Da Silva (OAB:BA57508)
Advogado: Carla Tais Dourado Silva Vasconcelos (OAB:BA52984)
Reu: Banco Itau Consignado S/a
Advogado: Carlos Eduardo Cavalcante Ramos (OAB:BA37489)

Sentença:

Vistos e examinados estes autos.

Dispensado o relatório, segundo regra ínsita do artigo 38, da Lei Federal nº 9.099/95.

FUNDAMENTO E DECIDO

Alega a autora, que ao se dirigir agência bancária para realizar o saque do seu benefício, verificou que haviam sido descontados valores acerca de um empréstimo bancário, ao qual a parte autora alega não ter contratado. Ressalta ainda que buscou administrativamente solucionar o ocorrido, contudo, não teria recebido atendimento satisfatório junto a ré.

Sendo assim, requereu liminarmente a suspensão dos descontos relacionados ao contrato discutido nos autos, e ao final, a restituição do valor descontado em dobro, e a condenação em danos morais.

Em sede de contestação, preliminarmente alega o requerido: Inadmissibilidade do procedimento no Juizado Especial Cível, ausência de pretensão resistida – falta de prequestionamento sobre a regularidade do contrato nos canais administrativos do INSS. No mérito, da regularidade da contratação, a parte autora se beneficiou do valor do empréstimo, valor liberado em favor da parte autora - credito em conta via TED, litigância de má-fé – parte autora não informou do recebimento do valor do empréstimo creditado em sua conta corrente, ausência de dano moral, inexistência de dano material, da necessidade de apresentação de extrato bancário comprovando a ausência de recebimento do empréstimo por parte do autor, não cabimento da inversão do ônus da prova.

O feito comporta julgamento antecipado porque a matéria posta em discussão é unicamente de direito. Conheço, por conseguinte, diretamente da demanda, proferindo o julgamento antecipado do mérito, nos termos do artigo 355, incisos I e II, do código de processo civil, como ensina Cândido Rangel Dinamarco:

“A razão pela qual se permite a antecipação do julgamento do mérito é invariavelmente a desnecessidade de produzir provas. Os dois incisos do art. 330 desmembram essa causa única em várias hipóteses, mediante uma redação cuja leitura deve ser feita com a consciência de que só será lícito privar as partes de provar quando as provas não forem necessárias ao julgamento” (Instituições de Direito Processual Civil, v. III, 2a ed., Malheiros, p.555).

É o caso dos autos, vez que desnecessária dilação probatória, por conta da suficiência da prova documental coligida aos autos para a solução dos pontos controvertidos.

PRELIMINARMENTE

INADMISSIBILIDADE DO PROCEDIMENTO NO JUIZADO ESPECIAL CIVEL: Ao contrário do que afirma a acionada, a causa não é complexa, podendo ser solucionável pela simples verificação dos documentos juntados aos autos, eis que os elementos probatórios trazidos pelas partes são suficientes e aptos para o julgamento do feito. Portanto, rejeito a preliminar alegada.

AUSÊNCIA DE PRETENSÃO RESISTIDA – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO SOBRE A REGULARIDADE DO CONTRATO NOS CANAIS ADMINISTRATIVOS DO INSS:

A ação se mostra útil, necessária e adequada para atingir o fim almejado, não sendo necessário a tentativa de resolução do conflito administrativamente. Com efeito, fica rejeitada a preliminar arguida.

MÉRITO

Quanto ao mérito, inicialmente consigno que é perfeitamente aplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor, que enuncia no seu art. 6, inciso VIII, que o juiz pode inverter o ônus da prova quando for verossímil a alegação ou quando a parte for hipossuficiente (arts. 6º, inciso VIII; 12, § 3º; 14, § 3º; e 38, todos do CDC).

No caso dos autos, tenho que é caso de inversão do ônus da prova, recaindo, portanto, sobre a requerida a carga probatória acerca dos fundamentos que legitimaram os descontos no benefício do requerente, o que de fato não ocorreu. A Ré não acostou aos autos os documentos necessários a fim de embasar a contratação do empréstimo com a parte autora, ônus que lhe incumbia.

Discutindo-se a prestação defeituosa de serviço, incide a responsabilidade civil objetiva inerente ao próprio risco da atividade econômica, consagrada no art. 14, caput, do CDC, que impõe ao fornecedor o ônus de provar causa legal excludente (§ 3º do art. 14), algo que a Requerida não se desincumbiu.

O julgamento da presente causa envolve a análise de normas do campo civilista e consumerista. Para aplicação das referidas normas, imperioso invocar a teoria do diálogo das fontes, que permite a aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas. Destarte, conclui-se que tais normas não se excluem, pelo contrário, se complementam para chegar a uma solução justa ao processo.

Assim sendo, muito embora a relação travada entre as partes envolvidas no processo seja de consumo, na forma dos arts. e 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, serão ponderados na presente sentença diversos aspectos da norma civilista, sobretudo os que envolvem a teoria do negócio jurídico e o direito contratual.

A parte autora foi vítima do procedimento irregular por parte da empresa requerida, pois consoante se denota das alegações constantes da peça exordial, bem como dos documentos acostados aos autos, aliado a ausência de lastro probatório em sentido contrário, a ré firmou contrato inadequado com o autor, sem o respeito ao que determina ao artigo 39 e 46 do CDC, em que pese haver os descontos na conta bancária deste. Apesar do requerido colacionar aos autos o suposto contrato de empréstimo bancário, e não comprova a anuência da parte autora para efetivar a contratação, nem a autorização dos descontos, haja vista que o contrato colacionado aos autos, apresenta diversas informações divergentes, portanto, resta claro que a parte autora foi vítima de um contrato fraudulento.

Não fosse suficiente, a conduta da acionada foi realizada ao arrepio da Lei 10.820/03 que disciplina a matéria figurou, além de haver ofendido expressamente o CDC, art. 39, III. Observe-se que inexiste qualquer advertência ou cientificação da acionada sobre valores ou comprometimento de margem consignável o que torna nula a contratação de qualquer serviço ante a ofensa aos princípios da boa fé e transparência.

A abusividade da conduta da acionada mostra-se inequívoca e deve ser duramente reprimida em face da hipossuficiência acentuada da parte autora, pessoa idosa nos termos da lei, e, portanto, duplamente vulnerável. A posição de extrema vantagem da ré na relação contratual entabulada mostra-se excessiva e desproporcional. Pontue-se, ainda, que a parte autora não desbloqueou o cartão, inexistindo evidência de compras nas faturas juntadas pela requerida.

Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ANOTAÇÃO INDEVIDA À MARGEM DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RMC - RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. previdenciário a questionada RMC Reserva de Margem Consignável. Ofensa ao dever de informação, decorrente do princípio da boa-fé objetiva (artigo 422, do Código Civil) e que encontra previsão expressa no Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, inciso III; e art. 31). Dever de indenizar configurado. 2. Quantum indenizatório fixado de acordo com as circunstâncias do caso concreto e os precedentes do Colegiado. 3. Ônus de sucumbência redirecionados, na forma do art. 20, do Código de Processo Civil. APELO PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70045233244, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 19/10/2011).

Registre-se ainda que houve, ademais descumprimento do quanto determinado no art. 21 da instrução normativa nº 28:

Art. 21. A instituição financeira, ao realizar as operações de consignação/retenção/constituição de RMC dos titulares de benefícios deverá, sem prejuízo de outras informações legais exigidas (art. 52 do Código de Defesa do Consumidor - CDC), observar a regulamentação expedida pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil, em especial as disposições constantes da Resolução nº 2.878, de 26 de julho de 2001, e alterações posteriores, bem como dar ciência prévia ao beneficiário, no mínimo, das seguintes informações: I - valor total com e sem juros;II - taxa efetiva mensal e anual de juros;II - todos os acréscimos remuneratórios, moratórios e tributários que eventualmente incidam sobre o valor do crédito contratado; IV - valor, número e periodicidade das prestações - soma total a pagar com o empréstimo pessoal ou cartão de crédito; e VI - data do início e fim do desconto. VII - valor da comissão paga aos terceirizados contratados pelas instituições financeiras para a operacionalização da venda do crédito, quando não for efetuado por sua própria rede. (Incluído pela IN INSS/PRES Nº 43, DE 19/01/2010) VIII - o...

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