João dourado - Vara cível

Data de publicação06 Outubro 2020
SeçãoCADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL
Número da edição2713
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE JOÃO DOURADO
SENTENÇA

8001210-24.2019.8.05.0145 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: João Dourado
Autor: Ana Suely Neres Santiago
Advogado: Glenia Salum Cardoso Dourado (OAB:0042423/BA)
Advogado: Nilson Cardoso Dourado (OAB:0006798/BA)
Advogado: Victor Cefas Salum Cardoso Dourado (OAB:0032617/BA)
Réu: Banco Bradesco Sa
Advogado: Ianna Carla Camara Gomes (OAB:0016506/BA)

Sentença:

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA

COMARCA DE JOÃO DOURADO – JUIZADO CÍVEL ADJUNTO

AVENIDA ENÉAS DA SILVA DOURADO, nº 615, CENTRO, CEP 44.920-000

Telefone (74) 3668-1114/1113

PROCESSO: 8001210-24.2019.8.05.0145

AUTOR(A): ANA SUELY NERES SANTIAGO

RÉU: BANCO BRADESCO S/A

SENTENÇA

Vistos e examinados estes autos.

Dispensado o relatório em sentença cujo feito foi processado perante o Juizado Especial Cível, de acordo com o artigo 38 da Lei 9.099/95. Decido.

Relata a parte autora que em 30/09/2019 notou que havia descontos não reconhecidos em sua conta corrente, e que ao averiguar nos seus extratos bancários, percebeu que os valores variavam entre R$ 30,00 (trinta reais) e R$72,00 (setenta e dois reais), com vencimento em 05/04/2018, parcela 02/2018, referente a um suposto seguro contratado pela mesma, “MORA CRED PESS”. Desde Janeiro de 2019 a Setembro de 2019, já foi descontado o montante de R$ 1.403,87 (um mil quatrocentos e três reais e oitenta e sete centavos). Requereu, por fim, o cancelamento do contrato supracitado, a suspensão das cobranças e a condenação da parte ré em danos materiais e morais. No decorrer do processo o autor juntou comprovantes de descontos das datas: 27/01/2020 (3460027 R$33,45; R$ 39,88; R$ 71,92); 17/02/2020 (3460045 R$ 33,71; R$ 38,34; R$ 69,16; 7000045 R$ 273,76); 19/02/2020 (3460049 R$ 34,01; R$ 38,81; R$ 69,99; 7000049 R$ 274,88) 25/05/2020 (3460146 R$ 24,74; R$ 39,64; R$ 71,48); 24/06/2020 (3460175 R$ 34,38; R$ 39,40; R$ 71,05) que totaliza R$ 1.258,60 (um mil duzentos e cinquenta e oito reais e sessenta centavos).Toda a comprovação dos descontos do “MORA CRED PESS” importa em R$2.662,47 (dois mil seiscentos e sessenta e dois reais e quarenta e sete centavos).

Em sede contestatória a parte ré alega, preliminarmente, ausência de condição da ação pela falta de interesse de agir. No mérito, alega ausência de pretensão resistida; inexistência de danos morais e materiais; descabimento de devolução em dobro; descabimento de inversão do ônus da prova; não incidência dos juros a partir do evento danoso. Pugna, assim, pela improcedência da ação.

No que se refere à audiência de instrução, entendo que a resolução da lide envolve questão de ordem meramente documental, estando o processo maduro para a sentença, conforme artigo 355, inciso I, do CPC, razão pela qual dispenso a sua realização.

MÉRITO

Inicialmente consigno que é perfeitamente aplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor, a teor de seus arts. 2º e 3º, bem como tendo em vista a teoria finalista mitigada adotada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que consagra como consumidor não apenas o destinatário final de produtos e serviços, mas também a parte vulnerável da relação comercial.

Visto isto, temos que o CDC enuncia no seu art. 6, inciso VIII, que o juiz pode inverter o ônus da prova quando for verossímil a alegação ou quando a parte for hipossuficiente (arts. 6º, inciso VIII; 12, § 3º; 14, § 3º; e 38, todos do CDC).

No caso dos autos, tenho que é caso de inversão do ônus da prova, recaindo, portanto, sobre a requerida a carga probatória acerca dos fundamentos que legitimaram os descontos na conta bancária da requerente, o que de fato não ocorreu.

Nesse sentido, verifico que a parte ré não acostou aos autos o instrumento contratual objeto dos autos com assinatura da autora, e que consequentemente não comprova ter a autora realizado o referido seguro.

Com efeito, a atitude perpetrada pela parte ré, consistente em descontar valores da conta bancária da parte autora sem contratação desta, fere os ditames da boa-fé objetiva, princípio geral do direito previsto tanto no Código de Defesa do Consumidor (artigo 4º, inciso III), quanto no Código Civil (artigos 113 e 187).

Outrossim, segundo redação do artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, é dever do fornecedor prestar “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”, dever este que também não foi cumprido pela parte ré.

Destarte, em relação ao contrato objeto dos autos, a conclusão que se chega é que a parte autora foi vítima de evento danoso.

A Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça, utilizada por analogia, diz ser a empresa ré responsável em tais casos, senão vejamos: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”

Com efeito, tenho que os pressupostos ensejadores à responsabilidade civil estão presentes, pois, embora inexistindo qualquer relação jurídica entre as partes, a parte autora teve valores indevidamente descontados de sua conta bancária, e em razão disso sofreu, além dos danos materiais, danos extrapatrimoniais.

O Código Civil Brasileiro, em seu art. 186, prevê a obrigação de indenizar por parte daquele que cometeu um ato ilícito. E, a ocorrência de um fato lesivo, gera o dever de indenizar, segundo dispõe o art. 927, também do Código Civil.

Tenho que se aplica no caso a teoria do risco da atividade, que estabelece que aquele que desenvolver atividade no mercado de consumo responde pelos danos que causar aos consumidores, independentemente de culpa. Incidente, na espécie, o art. 14 do CDC (Lei 8078/90).

Frisa-se que no caso em exame a parte autora logrou comprovar os fatos articulados na exordial, no sentido de que os descontos levados a efeito pela empresa demandada foram irregulares, comprovando a falha na prestação do serviço. Portanto, não houve a concretização de qualquer relação jurídica de ordem contratual entre as partes em relação ao contrato destacado, sendo-lhe exigido débito sem causa jurídica.

Assim, comprovada a falha na prestação do serviço, deve ser responsabilizada a parte ré pelos descontos indevidos, conduta abusiva na qual assumiu o risco de causar lesão a esta, mesmo os de ordem extrapatrimonial, daí ensejando o dever de indenizar.

No caso em exame, houve manifesto desleixo quanto a esta conduta, o que por si só seria suficiente para responder por culpa, na modalidade negligência, pelo dano causado, pois efetivou descontos na conta bancária da autora, relativo a seguro não contratado.

Percebe-se facilmente que a parte ré não agiu com a devida cautela e probidade ao imputar à autora contrato de seguro jamais realizado pela mesma.

Assim, ante a inexistência da contratação, a requerida deverá restituir os valores descontados indevidamente da conta da parte autora. Nesse diapasão, a parte autora viu descontado R$2.662,47 (dois mil seiscentos e sessenta e dois reais e quarenta e sete centavos), conforme eventos 36236706, 47153991 e 61879253.

Cumpre ressaltar, ainda, que é perfeitamente passível de ressarcimento o dano moral causado no caso em exame, decorrente de terem sido atingidos direitos inerentes à personalidade da parte autora, quais sejam, os atinentes a reputação e o estado biopsicológico desta, tendo em vista que foram procedidos descontos indevidos na conta bancária da parte autora, causando desassossego a esta, sem que houvesse causa jurídica para tanto. Tal medida, abusiva, resulta na violação ao dever de respeitar esta gama de direitos inerentes a cada ser humano.

Com relação ao valor a ser arbitrado a título de indenização por dano moral a que se levar em conta o princípio da proporcionalidade, bem como as condições do ofendido, no caso aposentada, e a capacidade econômica da empresa ofensora, seguradora. Acresça-se a isso a reprovabilidade da conduta ilícita praticada e, por fim, que o ressarcimento do dano não se transforme em ganho desmensurado, deixando de corresponder à causa da indenização.

Portanto, a indenização deve ter um caráter preventivo, com o fito de a conduta danosa não voltar a se repetir, assim como punitivo, visando à reparação pelo dano sofrido. Não devendo, contudo, se transformar em objeto de enriquecimento ilícito devido à fixação de valor desproporcional para o caso concreto.

Isto Posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS DA AUTORA, nos seguintes termos:

A. DETERMINAR o cancelamento do contrato de seguro objeto dos autos, com a consequente suspensão dos descontos realizados na conta bancária da parte autora referente a tal contrato, caso ainda não tenha sido feito;

B. CONDENAR a parte ré a devolver à parte autora o valor de R$2.662,47 (dois mil seiscentos e sessenta e dois reais e quarenta e sete centavos), na forma simples, referente aos valores descontados indevidamente até o momento, a ser corrigido a partir da data citação e juros de mora a contar da data do evento danoso;

C. CONDENAR a parte ré a pagar à parte autora, a título de danos morais, o importe de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), valor esse que deve ser corrigido monetariamente pelo INPC, a partir da sentença, consoante enunciado 362 do STJ, e juros legais a contar da citação;

Declaro extinto o processo com resolução do mérito, na forma do art. 487, inciso I, do CPC.

Não há custas ou sucumbência no âmbito da jurisdição do primeiro grau, nos termos do artigo 55 da Lei...

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