Hipoteca Judiciária: A Redescoberta do Instituto diante da Súmula n. 375 do STJ ? Execução Efetiva e Atualidade da Hipoteca Judiciária

AutorBen-Hur Silveira Claus
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho na Vara do Trabalho de Carazinho ? RS (4ª Região) e mestre em direito pela Unisinos
Páginas447-455

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Introdução

Instituto previsto no art. 466 do Código de Processo Civil1, a hipoteca judiciária não tem sido utilizada por magistrados e advogados, em que pese sua utilidade como ferramenta para a efetividade da execução. O advento da Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça – STJ, entretanto, veio a resgatar a atualidade deste instituto esquecido pela prática judiciária2.

A afirmação de que a Súmula n. 375 do STJ resgata a atualidade do instituto da hipoteca judiciária reclama explicação. É o que tento fazer a seguir.

1. A súmula n 375 do STJ: proteção ao terceiro de boa-fé

A Súmula n. 375 do STJ assenta o entendimento de que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”3.

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A leitura do verbete revela que a Súmula n. 375 do STJ visa proteger o terceiro que adquiriu de boa-fé o bem do executado. Há uma clara opção pela segurança jurídica do negócio celebrado entre o executado e o terceiro adquirente de boa-fé.

Editada em 30.03.2009, a Súmula n. 375 do STJ teve inspiração no art. 240 da Lei dos Registros Públicos (LRP) e no art. 659, § 4º, do Código de Processo Civil.

O art. 240 da Lei Registros Públicos estabelece: “Art. 240. O registro da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior.”

Já o § 4º do art. 659 do Código de Processo Civil atribui ao credor o ônus de registrar a penhora no cartório de registro de imóveis. Isso para que se estabeleça presunção absoluta de conhecimento por terceiros da existência da penhora. A atual redação do § 4º do art. 659 do CPC foi dada pela Lei n. 11.382, de 06.12.2006: “§ 4º. A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4º), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial.”

Como é de intuitiva percepção, é muito difícil para o credor prejudicado provar que o terceiro adquirente agiu de má-fé ao adquirir o bem do executado. De acordo com inteligência da súmula, cabe ao credor prejudicado provar que o terceiro adquirente tinha conhecimento da existência da ação movida contra o executado-alienante.

A comprovação da ciência da existência da ação caracteriza a má-fé do terceiro adquirente. Não havendo tal comprovação, a diretriz da súmula é a de não reconhecer fraude à execução, preservando-se a eficácia do negócio realizado entre o executado e o terceiro adquirente de boa-fé – em detrimento do interesse do credor prejudicado pela alienação do imóvel do executado.

2. A hipoteca judiciária como remédio contra os males da súmula n 375 Do STJ

Contudo, se, por ocasião da sentença, o juiz tomar a iniciativa de determinar o registro da hipoteca judiciária na matrícula dos imóveis da empresa reclamada, a existência desse gravame será considerada de conhecimento geral, pois o cartório de registro de imóveis é um registro público, que pode ser consultado por todas as pessoas. A iniciativa do juiz de determinar o registro da hipoteca judiciária é providência expressamente prevista no art. 466 do CPC4, a ser realizada de ofício.

Feito o registro da hipoteca judiciária, o terceiro adquirente já não mais poderá alegar a condição de adquirente de boa-fé, pois tinha acesso à informação5 da existência de ação judicial contra a empresa alienante (a futura executada), situação em que o terceiro adquirente passa a ser considerado adquirente de má-fé6. Em outras palavras, o registro da hipoteca judiciária esvazia a alegação de ter o terceiro adquirido o imóvel de boa-fé e atua para fazer caracterizar fraude à execução no negócio celebrado entre a empresa reclamada e o terceiro adquirente.

A teoria jurídica identifica a hipoteca judiciária como efeito anexo imediato da sentença condenatória7. Tal identificação decorre de expressa previsão legal (CPC, art. 466). A previsão legal é a de que a sentença condenatória “... valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária” (caput). A previsão legal é completada pela afirmação de que “A sentença condenatória produz a hipoteca judiciária” (parágrafo único). É dizer, a simples publicação da sentença condenatória produz a hipoteca judiciária.

Publicada, a sentença condenatória produz a hipoteca judiciária cuja eficácia é imediata quanto ao réu, que é parte no processo.

Contudo, a eficácia da hipoteca judiciária quanto a terceiros – que não são parte no processo – depende do respectivo registro no cartório imobiliário no qual estão registrados os imóveis da empresa reclamada. Realizado tal registro, presume-se em fraude à execução a alienação superveniente do imóvel hipotecado judiciariamente.

A pessoa que adquire o imóvel da empresa reclamada é considerada terceiro; trata-se do terceiro adquirente.

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Apesar das virtudes da hipoteca judiciária8 para a efetividade da execução, registra-se grande timidez dos magistrados trabalhistas na utilização dessa útil ferramenta.

Nada obstante a jurisprudência do TST já estar pacificada a respeito da licitude da aplicação de ofício da hipoteca judiciária ao processo do trabalho9, ainda é bastante restrita a utilização dessa medida pelos juízes.

O advento da Súmula n. 375 do STJ, porém, opera como um importante estímulo à redescoberta da hipoteca judiciária. Isso por que os prejuízos que a Súmula n. 375 do STJ acarreta à efetividade da execução podem ser atenuados pelas virtude do instituto da hipoteca judiciária.

3. As sete virtudes capitais da hipoteca judiciária

A timidez dos juízes do trabalho na utilização dessa ferramenta pode ser mais facilmente vencida, na medida em que sejam percebidas as virtudes do instituto da hipoteca judiciária para a efetividade da execução trabalhista, virtudes a seguir resumidas.

3. 1 A primeira virtude: a publicação da sentença constitui a hipoteca judiciária

a primeira virtude do instituto está na circunstância de que a hipoteca judiciária é constituída pela simples publicação da sentença condenatória.

A hipoteca judiciária é efeito anexo imediato da sentença estabelecido em lei: a mera publicação da sentença condenatória constitui a hipoteca judiciária, por força de previsão legal. A previsão legal está no caput do art. 466 do CPC: “Art. 466. A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos.”

Ratificando a previsão de que a sentença condenatória constitui hipoteca judiciária, o parágrafo único do art. 466 do CPC explicita tal efeito anexo imediato da sentença, ao estabelecer que “A sentença condenatória produz a hipoteca judiciária”. O verbo produz está para efeito anexo imediato, como a metáfora está para a poesia. Daí a assertiva categórica de Moacir Amaral Santos: “Do só fato de haver sentença de efeito condenatório resulta, por força de lei, hipoteca judiciária sobre os imóveis do condenado, e, assim, o poder do autor de fazer inscrevê-la median-te simples mandado do juiz”10.

Portanto, a constituição da hipoteca judiciária não exige nenhum ato complementar, embora seja necessário o respectivo registro na matrícula dos imóveis da empresa reclamada no Cartório do Regis-tro de Imóveis, a fim de valer contra terceiros – vale dizer, a fim de valer contra o terceiro adquirente11.

3. 2 A segunda virtude: a implementação de ofício

a segunda virtude da hipoteca judiciária é sua implementação de ofício, pelo juiz.

Com efeito, o caput do art. 466 do CPC atribui ao magistrado a iniciativa para o ato, ao estabelecer que a inscrição da hipoteca judiciária “... será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos.” Ao comentar o instituto da hipoteca judiciária, Pontes de Miranda identifica a inscrição da hipoteca judiciária como um dever do juiz estabelecido pela lei processual quando se tratar de sentença condenatória: “O elemento mandamental da sentença de condenação é tornado bastante, pelo art. 466, parágrafo único, para a inscrição. Há dever do juiz”12.

A implementação da hipoteca judiciária é realizada de ofício pelo juiz, dispensando pedido da parte beneficiária da condenação. A doutrina de Antônio Álvares da Silva é precisa a respeito: “A hipoteca judiciária é automática e será ordenada pelo juiz, como determina o art. 466 do CPC. Por-

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tanto independe de requerimento da parte. É uma consequência da sentença”13.

A jurisprudência do TST é pacífica14 a respeito: não é necessário requerimento da parte para o registro da hipoteca judiciária15. A iniciativa é do juiz: basta mandar expedir o mandado de registro da hipoteca judiciária; se os imóveis da empresa reclamada estão localizados fora da área de jurisdição da Vara do Trabalho, expede-se carta precatória de registro da hipoteca judiciária. Alguns cartórios de imóveis aceitam registrar a hipoteca judiciária por simples ofício expedido pelo juízo, o que simplifica ainda mais o procedimento. A determinação de expedição de mandado de registro da hipoteca judiciária...

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