Considerações jurídicas em torno do conceito constitucional de renda e a ajuda de custo parlamentar

AutorProf. Geílson Salomão Leite
CargoMestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP

Mestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP. Professor de Direito Tributário da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, Universidade de João Pessoa - UNIPÊ e Escola Superior da Magistratura da Paraíba - ESMA. Advogado em João Pessoa/PB.

I Colocação do tema

Em 23 de outubro de 2000, a Secretaria da Receita Federal - SRF em João Pessoa/PB instaurou procedimento fiscal contra vários Deputados Estaduais, cujo objetivo reside em apurar a possível existência de rendimentos tributáveis no período compreendido entre 1995 a 1998

Devidamente aberto o procedimento, os contribuintes foram notificados para apresentar as informações. Encerrada a ação fiscal, a SRF autuou os contribuintes exigindo o pagamento de crédito tributário correspondente, em termos individuais, a R$ 30.000,00 dividido entre os seguintes títulos: a) imposto; b) juros de mora; c) multa.

Nos termos expressos no auto de infração, os contribuintes não declararam como rendimentos tributáveis as ajudas de custo auferidas nos exercícios relativos a 1995, 1996, 1997 e 1998.

Cabe ressaltar que a ajuda de custo era efetivamente paga em duas ocasiões anuais (janeiro e julho ), segundo determinação contida na Resolução nº 522, editada em 23 de janeiro de 1995 pela Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba.

Entretanto, o fundamento eleito pela SRF consiste em que "a ajuda de custo caracteriza-se como rendimento tributável disciplinado pelo art. 43 do RIR, especialmente em seus incisos I e X". Além disso, invoca o art. 97, VI e 111 do Código Tributário Nacional para realçar que as isenções são instituídas por meio de lei, exigindo, ainda, uma interpretação literal dos seus dispositivos.

Embora mereça respeito a exegese suscitada pela SRF, não se pode concordar com seus termos, uma vez que os institutos e categorias do Direito Tributário brasileiro foram analisados inadequadamente, sobretudo em face da perspectiva constitucional.

Assim, passaremos a abordar os principais aspectos relativos a incidência do IR sobre a renda ajuda de custo decorrente de atividade parlamentar.

II Imposto sobre a renda. Pressupostos constitucionais

A Constituição Federal brasileira adotou um modelo tributário bastante peculiar. Isto porque, se comparado a outros ordenamentos jurídicos, nenhum deles tratou de forma exaustiva e minudente os temas tributários em sede constitucional. Na maioria dos casos, as relações jurídicas havidas entre o fisco e o contribuinte são disciplinadas pela legislação infraconstitucional.

Não há dúvidas que a análise dos institutos tributários são necessariamente constitucionais. Daí se apresentar com toda expressão a rígida discriminação de competências (arts. 153, 155 e 153) em matéria de impostos. Por outro lado, é inegável a proteção da esfera jurídica dos contribuintes, expresso no catálogo denominado "limitações constitucionais ao poder de tributar", onde observam-se os princípios constitucionais da legalidade, igualdade, irretroatividade, anterioridade e não confisco (art. 150, I, II, III e IV). Assim também, o rol de situações e negócios jurídicos protegidos pelo manto constitucional, inviabilizando a incidência de tributos, naquilo que se convencionou denominar de imunidades tributárias (art. 150, VI, a, b, c, d).

No âmbito dos tributos não vinculados, por certo que a Lei Fundamental desenhou uma norma-padrão de incidência tributária. Para Roque Carrazza, a Constituição "ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu - ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador - a norma padrão de incidência ( o arquétipo genérico, a regramatriz ) de cada exação. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel a norma padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador, enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional. Era precisamente isto que Albert Hensel queria expressar quando enfatizou que toda norma tributária deve respeitar as limitações jurídicas impostas pela Constituição" 1.

Neste contexto, alude a Constituição Federal ao imposto sobre a renda no art. 153, III, verbis:

Compete à União instituir impostos sobre:

III - renda e proventos de qualquer natureza

No processo de positivação do direito, o Código Tributário Nacional regulou estipulativamente o imposto sobre a renda nos seguintes termos:

"Art. 43. O imposto, de competência da união, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Por outro lado, prevê o art. 43, X, do RIR:

Art. 43. São tributáveis os rendimentos provenientes do trabalho assalariado, as remunerações por trabalho prestado no exercício de empregos, cargos e funções, e quaisquer proventos ou vantagens percebidas, tais como:

I - salários, ordenados, vencimentos, soldos, soldadas, vantagens, subsídios, honorários, diárias de comparecimento, bolsa de estudo e de pesquisa, remuneração de estagiários

....................................................................................................................

X- Verbas, dotações ou auxílios, para representação ou custeio de despesas necessárias para o exercício do cargo, função ou emprego."

Em uma aproximação inicial, pode-se afirmar que o título "ajuda de custo" não integra o conceito constitucional de renda.

Para Misabel Derzi, a definição de renda, do ponto de vista econômico- fiscal, coincide com a de "excedente ou acréscimo de riqueza, considerado o fluxo de satisfações e serviços consumidos ou meramente disponíveis, representados por seu valor monetário, fluxo que engloba as entradas e saídas em um período determinado de tempo...Renda é, necessariamente, a livre disposição da parcela acrescida da riqueza, do excedente do que pode dispor alguém, pressupondo os gastos necessários para produzí-lo e mantê-la. Está, portanto, integrada de sucessivos atos no tempo, afetada - de forma inafastável, pela idéia de período de tempo, mesmo que, dentro desse período de tempo, considerem-se tributáveis certos rendimentos eventuais, cuja fonte não seja permanente"2.

No Brasil, doutrina e jurisprudência aceitam de maneira unânime que:

  1. RENDA: é produto, fluxo ou acréscimo patrimonial, inconfundível do patrimônio de onde promana, assim entendido o capital, o trabalho ou a sua combinação;

  2. PROVENTO: é a forma específica de rendimento tributável, tecnicamente compreendida como o que é "fruto não da realização imediata e simultânea do seu patrimônio, mas sim, do acréscimo patrimonial resultante de uma atividade que já cessou, mas que ainda produz rendimentos",

  3. ACRÉSCIMOS PATRIMONIAIS: sempre pressupõem a disponibilidade econômica ou jurídica, sendo certo que, mesmo não havendo a jurídica, a...

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