Jurisdição voluntária e registro de imóveis

AutorAdalberto Narciso Hommerding, Carlos Cini Marchionatti
CargoUniversidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Santo Ângelo, RS, Brasil/Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Santo Ângelo, RS, Brasil
Páginas119-143
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JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E REGISTRO DE IMÓVEIS
VOLUNTARY JURISDICTION AND PROPERTY REGISTRATION
Carlos Cini MarchionattiI
Adalberto Narciso HommerdingII
Resumo: Na forma da lei e da Constituição, o Juiz tem o
dever fundamental de justificar as decisões que prolata nos
casos que lhe são submetidos. Lei e equidade têm destaque
como critérios que justificam o julgamento judicial. Pode-
se também julgar por conveniência ou oportunidade no
âmbito da jurisdição voluntária, em que o Juiz não fica
condicionado à legalidade estrita que obriga, por exemplo,
o Oficial do Registro de Imóveis. O Oficial não pode
dispensar as exigências legais previstas ao registro de um
título, mas o Juiz pode justificar a dispensa desta ou daquela
exigência legal e determinar o registro. Este trabalho destina-
se à demonstração de como o Juiz pode julgar e ampliar a
possibilidade do registro que não se pode obter diretamente
do Oficial. A efetivação do registro no exercício da jurisdição
voluntária tem enorme alcance jurídico e resulta em benefício
da Sociedade, destinatária da atividade do Poder Judiciário.
Palavras-chave: Conveniência e Oportunidade. Decisão
Judicial. Jurisdição Voluntária. Registro de Imóveis.
Abstract: In the form of law and Constitution, the Judge
has the fundamental duty to justify his decisions. Law and
equity has deserved prominence as criteria that justify the
judicial judgment. One can also judge by convenience or
opportunity within the Voluntary Jurisdiction, where the
Judge is not conditioned to the strict legality, which obliges
the Property Registry Officer. e Official may not waive
the legal requirements set forth for a title’s Registration,
but the Judge can justify the waiver of this or that legal
requirement and determine the registration. is work
aims to demonstrate how the Judge judges and expands the
possibility of the registry, which cannot be obtained directly
from the Official. e achievement of the registration by the
voluntary jurisdiction has huge legal scope and results in the
benefit of the Society, which is the recipient of the Judiciary’s
activities.
Keywords: Convenience and Opportunity. Judicial Decision.
Voluntary Jurisdiction. Property Registration.
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v16i40.584
Recebido em: 08/11/2021
Aceito em: 16/11/2021
I Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí,
SC, Brasil. Doutorando em Direito.
E-mail: anhommerding@gmail.com
II Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e das Missões – URI, Santo
Ângelo, RS, BRasil. Doutor em Direito.
E-mail: anhommerding@gmail.com
120 Revista Direitos Culturais | Santo Ângelo | v. 16 | n. 40 | p. 119-143 | set./dez. 2021
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v16i40.584
1 Introdução
O objeto deste artigo é distinguir a relação existente entre a jurisdição voluntária1 e o
Registro de Imóveis2 no sentido de que o Juiz, no exercício da jurisdição voluntária quando
aplicada nalgumas questões envolvendo o Registro de Imóveis, pode adotar em cada caso a
solução que reputar mais conveniente ou oportuna, ao passo que o Registrador fica adstrito ao
critério da legalidade estrita. Isso não significa, evidentemente, que o Juiz pode afastar-se da
Constituição e da lei, mas que esta e os critérios da legalidade estrita, equidade e conveniência e
oportunidade, passam a integrar o “princípio constitucional do dever fundamental de justificar
as decisões”3 que, por sua vez, deve balizá-los. Dito de outro modo, apesar da utilização de tais
critérios, o dever fundamental de justificar as decisões judiciais não deixa – ou não pode deixar
- de ser respeitado pelos juízes quando estes decidem no âmbito dos procedimentos afeitos à
jurisdição voluntária e ao Registro de Imóveis.
Não se desconhece que algumas críticas4 vêm sendo feitas a respeito da possibilidade
do uso de tais critérios, uma vez que, resumindo tais objeções, constituiriam eles expedientes
de “retificação da lei supostamente injusta para a solução do caso concreto suscitado em juízo”,
despertando o “fantasma de Bülow”5 e o “voluntarismo judicial”. Tais apontamentos, portanto,
não passam aqui despercebidos. De fato, fora o desgaste do princípio da legalidade, pilar do
Estado Democrático de Direito, o campo de conceituação da equidade, conveniência ou
1 Também chamada de ou conhecida por jurisdição administrativa, jurisdição graciosa, honorária ou não-
contenciosa.
2 O Registro de Imóveis é o cartório onde se registram os direitos reais sobre imóveis ou se averbam situações
sobre os imóveis registrados. O conceito é extraído do artigo 1.227 do Código Civil, o bastante aos propósitos
deste trabalho e sem descurar de que cada imóvel tem matrícula própria em que se registram atos jurídicos
relacionados legalmente e averbam atos acessórios também relacionados legalmente.
3 A designação é amplamente utilizada teórica e judicialmente e, especialmente, embasa-se em texto de STRECK,
Lenio Luiz. Hermenêutica e princípios da interpretação constitucional. In: CANOTILHO, J.J. Gomes;
SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz; MENDES, Gilmar Ferreira. Comentários à Constituição
do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 83 [Série IFP]. O capítulo em referência denomina-
se: “Princípio quatro: o dever fundamental de justificar as decisões ou de como a motivação não é igual à
justificação”. Vê-se na página 85: “Há de se levar em conta, ademais, que justificar quer dizer fundamentar.
E que isso vai além do “motivar”. Posso ter vários motivos para fazer algo; mas talvez nenhum deles seja
justificado. Isto quer dizer que fica afastada a possibilidade de se dizer que o juiz primeiro decide para só depois
fundamentar (ou “motivar”)”.
4 Nesse sentido, consulte-se: STRECK, Lenio Luiz; DELFINO, Lúcio. Novo CPC e decisão por equidade: a
canibalização do Direito. In: Revista Consultor Jurídico (CONJUR), 29 de dezembro de 2015, 7h49min.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-dez-29/cpc-decisao-equidade-canabalizacao-direito
5 No seu A Teoria das Exceções Processuais e dos Pressupostos Processuais, publicado em 1868, Bülow concebeu o
processo como uma relação jurídica pública e contínua, que avança gradualmente e que se desenvolve passo a
passo, lastreada primordialmente na figura do juiz (as partes seriam levadas em conta unicamente no aspecto
do seu vínculo e cooperação com a atividade judicial). No original: “Se trata en el proceso de la función
de los oficiales públicos y desde que, también, a las partes se las toma cuenta únicamente en el aspecto de
su vinculación y cooperación con la actividad judicial”. BÜLOW, Oskar Von. La Teoría de las Excepciones
Procesales y los presupuestos procesales. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-America, 1964, p. 2. Essa
defesa do protagonismo judicial foi tornada explícita depois, na sua obra de 1885, Gesetz und Rechteramt (Lei
e Magistratura), no qual defende uma aplicação livre e, em certa medida, subjetiva do direito pelos juízes:
uma teoria da criação do direito pelo juiz. Bülow, assim, é um jurista bem identificado com a socialização
do processo.Veja-se, nesse aspecto, a crítica a Bülow em: NUNES, Dierle José Coelho. Processo Jurisdicional
Democrático: Uma Análise Crítica das Reformas Processuais. Curitiba: Juruá, 2008, p. 98-101. Também em:
LEAL, André Cordeiro. Instrumentalidade do Processo em Crise. Belo Horizonte: Mandamentos, Faculdade
de Ciências Humanas, FUMEC, 2008.

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