Jurisprudência e controle da legalidade

AutorAntônio de Padova Marchi Júnior
Páginas89-184
89
Segunda Parte
JuriSPrudência e controLe da
LegaLidade
Em um período mais recente se percebem, na legislação pe-
nal e na teoria do Direito Penal, tendências que consideram
de mínima relevância o princípio da legalidade e a vincula-
ção do juiz à lei. Os campos da “moderna” Política Criminal
(terrorismo e criminalidade organizada; ambiente; economia;
drogas; processamento de dados) são ocupados por bens jurí-
dicos universais descritos de modo vago. Na teoria do Direito
Penal procura-se fazer do Direito a espada contra os “grandes
transtornos” na moderna “sociedade do risco”. A orientação
pelas consequências, a funcionalidade do sistema, a exibi-
lidade e a capacidade de adaptação às crescentes e variáveis
experiências de ameaça são os modelos fundamentais desta
espécie de “modernização” do Direito Penal. Deve-se ter em vista
que a vinculação do Direito Penal aos princípios e a vincula-
ção do juiz criminal à lei constituem garantias diante dos ins-
trumentos rigorosos do Direito Penal, com as quais contam,
em especial medida, as sociedades complexas.
HASSEMER. Introdução ... p. 364.
Book Antonio Padova.indb 89 13/10/2015 12:01:19
90
Antônio de Padova Marchi Júnior
1 A CRisE do diREito PEnAl E sEus REflExos
EntRE os PRinCíPios PolítiCo-CRiMinAis dE
GARAntiA
A partir do segundo pós-guerra, esclarece Guilherme Yacobucci,
“o direito penal sofreu mudanças muito signicativas, sobretudo nos
fundamentos que o justicam como expressão do poder político, como
estrutura normativa do Estado e como ciência jurídica”.262
Devido a isso, fala-se em “crise do Direito Penal” para se referir a
esse fenômeno, que não apenas coloca em dúvida o poder punitivo do
Estado, como também se afasta dos “critérios tradicionais com os quais
a dogmática penal costumava explicar a estrutura do injusto penal e da
culpabilidade”.263
No prólogo da edição espanhola da obra coletiva do Instituto de Ci-
ências Criminais de Frankfurt, intitulada La insostenible situación del derecho
penal, Silva Sánchez assim esclareceu a respeito do que se convencionou
denominar “crise do Direito Penal”:
Hace algunos años caliqué a la crisis como un “estado connatural
al Derecho penal”. En efecto, me parecía – y me sigue pareciendo
– que es inevitable que le complejo institucional a través del que se
canalizan las pretensiones punitivas de la sociedad no alcance nunca
una cómoda estabilidad, sino que se mantenga en una permanente y
vigilante provisionalidad. Ahora bien, dentro del estado estructural
de crisis, es cierto que aparecen coyunturas algo más “críticas”. La
coyuntura en la que se mueve el Derecho penal en los últimos diez
años es una de las más graves, pues compromete los rasgos de-
nitorios de su propia identidad. En efecto, la crisis que se plantea
en la análisis el ejercicio del “jus puniendi” para resolver sobre su
posible limitación: lo que ha constituido la idea rectora de la com-
prensión del Derecho penal ilustrado por parte de los penalistas. Por
el contrario, se trata precisamente de una crisis derivada de la tensión
262 YACOBUCCI, Guillermo Jorge e GOMES, Luiz Flávio. As grandes transformações do direito
penal tradicional. São Paulo: RT, 2005, p. 27.
263 YACOBUCCI, Guillermo Jorge e GOMES, Luiz Flávio. As grandes transformações do direito
penal tradicional. São Paulo: RT, 2005, p. 27.
Book Antonio Padova.indb 90 13/10/2015 12:01:19
91
Princípio da Legalidade Penal
expansiva a que se está sometiendo al Derecho penal para que éste
se encuentre supuestamente en condiciones de afrontar con éxito y
de forma expeditiva la misión de lucha contra una criminalidad cuyo
incremento en cantidad u dañosidad se arma.264
Se entre os anos sessenta e setenta o abolicionismo penal conheceu
seu apogeu, a realidade dos dias atuais pende para o oposto, ou seja,
assiste-se hoje a uma expansão do direito penal insuada, entre outras
variáveis, por uma demanda social de maior segurança.
Vale perceber, inclusive, que as mesmas correntes que outrora critica-
vam o direito penal, como, por exemplo, os ambientalistas, hoje reclamam
sua utilização para a proteção de seus interesses, especialmente das ações
dos poderosos identicados com a corrupção política, a delinquência eco-
nômica e demais “crimes do colarinho branco”.
Daí o clima de aparente contradição que instiga os incautos: por um
lado, se proclama a crise do Direito Penal e, por outro, a sociedade civil
e o poder político buscam cada vez mais sua utilização para o enfrenta-
mento dos conitos e problemas da atualidade, transformando-o num
“meio de resposta normativa cada vez mais intenso e habitual”.265
Ocorre que, na verdade, a contradição é meramente aparente, pois
os motivos de um fenômeno e outro se encontram em boa medida rela-
cionados entre si.
Quando se fala em “crise do Direito Penal”, deve-se relacioná-la aos
princípios de legitimação que, historicamente, permitiram sua edicação,
ocorrida entre a segunda metade do século XVIII e a primeira do século
XIX. Inspirado no ideal iluminista, o Direito Penal surgiu com o propó-
sito de proteger os direitos fundamentais da pessoa contra o poder puni-
tivo estatal, então dominado pela arbitrariedade, violência e despotismo
que caracterizavam o antigo regime.
264 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. Prólogo a la edición española. In: La insostenible situación del
derecho penal. Granada: Comares, 2000. (Estudios de derecho penal, v. 15), p. XI-XV.
265 Cf. YACOBUCCI, Guillermo Jorge e GOMES, Luiz Flávio. As grandes transformações do direito
penal tradicional. São Paulo: RT, 2005, p. 28. Sergio Moccia também analisa criticamente os
novos alcances do direito penal, in MOCCIA, Sergio. La perenne emergenza. Napoli: Edizioni
Scientiche Italiane, 1977.
Book Antonio Padova.indb 91 13/10/2015 12:01:19

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT