O estado laico segundo o Supremo Tribunal Federal: aspectos da legalidade oblíqua e contramajoritária no brasil

AutorBruno Galindo
CargoProfessor Associado da Faculdade de Direito do Recife/Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Páginas56-79
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Edi
çã
o Comemorativa dos 1 30 anos da Revista Acad
ê
mica
GALINDO, Bruno. O ESTADO LAICO SEGUNDO O SUPREMO TRIBUNAL FEDER AL: ASPECTOS DA LEGALIDADE
OBLÍQUA E CONTRAMAJORITÁRIA NO BRASIL. Revista Acadêmica da Fac uldade de Direito do Recife - ISSN: 2448-
2307, Edição Comemorativa dos 130 anos da Revista Acadêmica, p. 56-79. Nov. 2021. ISSN 2448-2307. <Disponível e m:
https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/article/view252585>
56
O ESTADO LAICO SEGUNDO O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
ASPECTOS DA LEGALIDADE OBLÍQUA E CONTRAMAJORITÁRIA NO
BRASIL
THE SECULAR STATE ACCORDING TO THE BRAZILIAN SUPREME FEDERAL
COURT: ASPECTS OF OBLIQUE AND CONTRAMAJORITARIAN LEGALITY
Bruno Galindo*
RESUMO
O presente ensaio pretende debater a leitura das dimensões do Estado laico no Brasil que o
Supremo Tribunal Federal tem feito em sua jurisprudência. A hipótese central é a de que ao menos
nesse particular, a Suprema Corte brasileira tem construído uma legalidade oblíqua e
contramajoritária como uma espécie de rule of law de defesa dos direitos de segmentos vulneráveis
da população, por vezes atingidos quando levadas adiante concepções religiosas hegemônicas. As
decisões analisadas, envolvendo principalmente embates entre ciência e religião e a oposição de
segmentos religiosos a direitos da população LGBTQIA+ permitem a verificação da hipótese no
desenvolvimento das teses nelas prevalentes e se a dita legalidade oblíqua e contramajoritária
realmente está presente na concepção jurisprudencial dominante na Corte sobre o Estado laico.
PALAVRAS-CHAVE: STF; Estado laico; rule of law; legalidade; contramajoritariedade; religião;
LGBTQIA+.
ABSTRACT
This essay intends to discuss the reading of the dimensions of the secular state in Brazil that the
Federal Supreme Court has made in its jurisprudence. The central hypothesis is that, at least in this
regard, the Brazilian Supreme Court has constructed an oblique and counter-majoritarian legality
as a kind of rule of law to defend the rights of vulnerable people, sometimes affected when
hegemonic religious conceptions are carried out. The analyzed decisions, mainly involving clashes
between science and religion and the opposition of hegemonic religions to the rights of the
LGBTQIA+ population, enable to verify the hypothesis in the development of the prevailing theses
in them and if the so-called oblique and counter-majoritarian legality is really present in the
dominant jurisprudential conception in the Court about the secular state.
KEYWORDS: STF; secular state; rule of law; legality; counter-majority; religion; LGBTQIA+.
“Os homens nunca fazem o mal tão completa e entusiasticamente como quando o
fazem por convicção religiosa.” (Eco: 2011, p. 21)
1 INTRODUÇÃO: MINORIAS
1
E PAPEL CONTRAMAJORITÁRIO DO PODER
* Professor Associado da Faculdade de Direito do Recife/Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Doutor em
Direito pela UFPE/Universidade de Coimbra-Portugal (PDEE); e-mails: bruno.tgalindo@ufpe.br;
brunogalindoufpe@gmail.com.
1
Embora não ignoremos que os segmentos vulneráveis da p opulação possam ser em alguns casos até maioria, caso
das mulheres em geral e das pessoas negras em muitos países, consideramos aqui como minorias para efeito d e
compreensão do papel contramajoritário da legalidade oblíqua promovida pelo poder judiciário, em especial cortes
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Edi
çã
o Comemorativa dos 1 30 anos da Revista Acad
ê
mica
GALINDO, Bruno. O ESTADO LAICO SEGUNDO O SUPREMO TRIBUNAL FEDER AL: ASPECTOS DA LEGALIDADE
OBLÍQUA E CONTRAMAJORITÁRIA NO BRASIL. Revista Acadêmica da Fac uldade de Direito do Recife - ISSN: 2448-
2307, Edição Comemorativa dos 130 anos da Revista Acadêmica, p. 56-79. Nov. 2021. ISSN 2448-2307. <Disponível e m:
https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/article/view252585>
57
JUDICIÁRIO
Na feliz oportunidade de escrever para essa edição comemorativa referente aos 130 anos
da Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife/UFPE, instituição da qual tenho imenso
orgulho de ser docente há 15 anos, resolvi esboçar algumas reflexões sobre as relações entre Estado
laico e poder judiciário, em especial o STF, verificando a hipótese de estarmos edificando uma
legalidade oblíqua e contramajoritária no Brasil como parte integrante e fundamental do Estado
democrático de direito.
É bem sabido que democracia enquanto regime político é essencialmente caracterizada
como “governo do povo”, pelo menos desde a Grécia antiga (Atenas), na junção dos vocábulos
demos e kratos. O “povo”, diretamente ou por meio de seus representantes (aqui já na era
moderna), exerce o poder político em um Estado democrático.
Nesses contextos, as deliberações políticas legislativas são comumente atribuídas aos
representantes do povo que, por maioria, decidirão em nome deste o que deve ser obrigatório,
permitido e proibido em termos de legislação geral dirigida à população e aos poderes públicos.
Contudo, para que a democracia majoritária não se torne uma “tirania da maioria”, é
comum nas democracias a estipulação constitucional de direitos fundamentais de segmentos
sociais minoritários, precisamente para que as maiorias não se tornem opressivas impondo às
minorias de modo coercitivo suas concepções ideológicas, morais e religiosas. Diante da ocasional
impossibilidade dos parlamentos, casas majoritárias, de resguardarem com eficiência os direitos
das minorias, o poder judiciário pode ser o catalisador da defesa desses direitos, notadamente por
sua condição de poder eventualmente contramajoritário, pois na maioria das democracias é um
poder que não tem o dever imediato de dar satisfações às maiorias.
A partir de tal constatação, para muitos estaríamos ante o fenômeno do ativismo judicial,
especialmente quando o poder judiciário, no exercício do controle da constitucionalidade das leis
e diante de ações e omissões legislativas inconstitucionais, se coloca em aparente confronto com
a instituição parlamentar majoritária sob o argumento de defesa da constituição (LIMA, 2014, p.
164 et seq.; VÁSQUEZ, 2010, p. 390 et seq.; VALLE, 2009, p. 39). Particularmente, ante o
estigma negativo que o termo ativismo adquiriu, prefiro trabalhar com uma ideia por mim esboçada
tempos atrás em um ensaio que é a de legalidade oblíqua e contramajoritária (GALINDO, 2009).
Esse debate é bastante amplo, e neste ensaio não tenho a pretensão de enfrentá-lo em sua
plenitude. As pretensões aqui são mais modestas e, em virtude disso, o estudo foi delimitado da
seguinte maneira: a legalidade oblíqua a ser estudada será aquela realizada pelo Supremo Tribunal
Federal, excluindo, em princípio, investigações sobre decisões de outras cortes e juízos; e do ponto
de vista material, a defesa do Estado laico perpetrada por esta Corte, em posicionamentos
contrários às pressões políticas de maiorias religiosas no Congresso Nacional. Para o estudo,
proponho a bifurcação em dois temas nos quais a concepção de Estado laico é especialmente
relevante: 1) o embate ocasional entre ciência e religião, traduzido nas decisões proferidas na ADI
3510 e na ADPF 54, referentes respectivamente às questões das células-tronco embrionárias e da
interrupção da gravidez de feto anencéfalo; e 2) os direitos LGBTQIA+ e a oposição de maiorias
religiosas a eles, questão que perpassa as decisões nas ADIs 4277 e 4275 e na ADO 26,
respectivamente referentes às uniões estáveis homoafetivas, aos direitos de personalidade de
pessoas transgênero e à criminalização da LGBTfobia, não sem antes proceder a esclarecimentos
conceituais para situar o leitor no atual “estado da arte” da questão.
2 DEMOCRACIA PARLAMENTAR E DIREITOS DAS MINORIAS: ENTRE A
SUPREMACIA DO PODER LEGISLATIVO E O RULE OF LAW
constitucionais e supremas cortes, como o ST F. Em razão disso, utilizaremos o termo “minorias” nessa acepção
ampla para os limites deste ensaio.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT