Lauro de freitas - 1� vara criminal

Data de publicação14 Julho 2023
Número da edição3372
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE LAURO DE FREITAS
INTIMAÇÃO

0700034-22.2021.8.05.0150 Ação Penal - Procedimento Ordinário
Jurisdição: Lauro De Freitas
Autoridade: Ministério Público Do Estado Da Bahia
Terceiro Interessado: Em Segredo De Justiça
Reu: Bruno Moreira Santos
Autoridade: Defensoria Pública Do Estado Da Bahia

Intimação:

Vistos.

Trata-se de Ação Penal Pública incondicionada ajuizada pelo Ministério Público da Bahia em face de BRUNO MOREIRA SANTOS, imputando a este a prática do crime de ameaça (art. 147 do CP).

Narra a denúncia que o acusado, no dia 14/12/2020, por volta das 19h, ameaçou sua então companheira Sra. Liliany Aragão Peixoto, por meio de aparelho celular, ao mostrá-la uma imagem de uma arma de fogo em cima da cama e proferir os dizeres de que se ela não aceitasse voltar para ele iria matá-la e, logo após, cometer suicídio.

Denúncia recebida em 18/5/2021 (id. 280604032).

Resposta à acusação acostada pela defesa pública.

Audiência de instrução e julgamento ocorrida em dois momentos (ids. 280604288 e 280604291), oportunidade nas quais foi ouvida a vítima e, em seguida, procedido ao interrogatório do réu.

Após, em alegações finais, o órgão ministerial pugnou pela condenação do réu nos termos da denúncia, reconhecendo-se a atenuante da confissão e as circunstâncias atuais relatadas pela vítima.

Por sua vez, também em alegações finais, a Defensoria Pública pugnou pela absolvição do réu por insuficiência de provas quanto a autoria e materialidade e, caso condenado, que seja sua pena fixada no mínimo legal.

Virtualizados os autos, vieram estes conclusos para julgamento.

É o relatório. Passo a fundamentar e decidir.

De início, é importante destacar que o feito tramitou de forma absolutamente regular, tudo em conformidade com o devido processo criminal e princípio acusatório. Sem preliminares arguidas para enfrentar e nem questões preliminares ou prejudiciais a serem apreciadas de ofício, passo ao exame do mérito.

Encerrada a instrução processual penal, tenho que, com muita segurança, restou suficientemente comprovada a materialidade e a autoria delitiva.

É certo que em crimes praticados em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher o depoimento da vítima deve assumir especial relevância no cotejo com as demais provas carreadas, valendo ressaltar o espírito protetivo da lei 11.340/06 que busca, com rigor, prevenir e reprimir qualquer tipo de violência praticada contra a mulher, afinal qualquer violência perpetrada contra a mulher consiste em grave violação de direitos humanos (art. 6º da lei 11.340/06).

Extrai-se dos autos que a vítima formalizou nottitia criminis em face do acusado perante a autoridade policial narrando que este teria, no dia 14/12/2020, esperando ela sair do trabalho e, ao aborda-la, mostrou em seu celular uma foto de uma arma de fogo em cima de uma cama ao tempo em que disse que se ela não voltasse para ele ele tiraria a vida dela e após cometeria suicídio.

Em sede judicial, a vítima, com segurança, ratificou o depoimento prestado em sede inquisitorial, narrando exatamente os mesmos fatos. Narrou, ainda, que, após o acusado ser preso por este fato, este a procurou no dia seguinte, afirmando que a fotografia era "de mentira" que ele tinha baixado no google e, após ela confirmar a pesquisa no referido sítio, acreditou na versão dele. Disse ainda que este mudou totalmente após a prisão, que largou o consumo do álcool, se afastou das amizades ruins e assim fazendo a reconquistou, estando, desde então reconciliados e vivendo em harmonia.

Conforme depoimento da vítima, o fato foi isolado na convivência do casal, embora tenha dito que o acusado, quando bebia, quebrava as coisas da casa e se alterava.

Em sede de interrogatório judicial, o acusado confessou INTEGRALMENTE os fatos, exatamente como colocado pela vítima em ambas as oportunidades em que ouvido.

Embora tenha surgido nos autos a informação de que a fotografia mostrada pelo acusado não fosse verídica, tal fato, por si só, não pode servir como argumento para afastamento da materialidade delitiva.

Ademais, ainda que pelas circunstâncias apuradas tenha se constatado ser falsa a fotografia, o acusado em seu interrogatório foi categórico que sua intenção era assustar a vítima e que, de fato, prometeu mal injusto a ela - retirar a sua vida - caso ela não aceitasse sua condição de reatar o namoro. E isso, inequivocamente, causou na vítima extremo temor de que tal promessa pudesse ser efetivada pelo réu, o que a motivou, inclusive, a ir imediatamente à delegacia de polícia, narrando o servidor da polícia que a atendeu que esta chegou "chorando muito desesperada" na repartição policial (id. 280603658).

Na fase postulatória, não restou alegada e comprovada a existência de causa excludente da ilicitude ou culpabilidade a militar em favor do réu, sendo que este, ao tempo do fato, era plenamente capaz de entender o caráter ilícito de sua conduta e de autodeterminar-se de acordo com tal compreensão.

Assim, com uma análise simples e objetiva das provas e fatos e subsunção do fato a norma, existem fortes fundamentos para condenar o réu pelo crime de ameaça (art. 147 do CP).

Contudo, entendo que, neste feito, não há como o Poder Judiciário ignorar por completo, sob a justificativa de uma deliberação objetiva quanto a materialidade e autoria da imputação sob a compreensão analítica de crime, o desejo da vítima de, há muito, encerrar esta ação penal.

É importante destacar que, neste feito, após decorrido in albis o prazo para o acusado apresentar resposta, nos termos do art. 396-A, §2º do CPP, foram os autos para a Defensoria Pública após despacho proferido no dia 25/5/2021 (id. 280604048). Extrai-se dos autos que a Defensoria Pública, no mesmo dia, acostou Resposta à Acusação (id. 280604200) e, no dia 27/5/2021, acostou declaração de próprio punho da vítima, assinada em 26/5/2021, expressando seu desejo de ter por encerrada esta ação penal em razão de que o acusado teria mudado completamente de comportamento, narrando que “Deus tem sido o centro de nossas vidas” e que “todos podem ver um homem diferente ”e que o acusado se mostrava naquela época como “um pai presente, um marido companheiro” e que seguiam “juntos e num mesmo objetivo continuarmos como uma família” (vide id. 280604208).

Extrai-se dos autos que a denúncia fora recebida no dia 18/5/2021 (id. 280604032), ou seja, 8 dias antes da assinatura pela vítima da carta acima referida.

Contudo, entendo que a espécie não merece solução apenas pela interpretação literal do art. 16 da lei 11.340/06, cujo teor peço vênia para transcrever abaixo:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

É inequívoco que o crime de ameaça se procede mediante ação penal pública condicionada a representação (art. 147, parágrafo único do CP). É inequívoco, também, que a carta da vítima foi acostada aos autos após o recebimento da denúncia.

Contudo, não se pode olvidar que o referido dispositivo só permite “a renúncia da representação” pela vítima perante a autoridade judicial. E, como cediço, a fase judicial é deflagrada com o oferecimento da denúncia pelo órgão ministerial.

Nessa linha, é importante destacar que a legislação não determina ao órgão ministerial que cientifique as vítimas de ameaça (ou outros delitos de iniciativa pública condicionada) no contexto da lei 11.340/06 que ajuizou a respectiva denúncia que lhe interessa.

Assim, entendo que para que o art. 16 da lei 11.340/06 pudesse ter efetividade no sistema jurídico vigente, seria interessante a designação de audiência e intimação da vítima pelo juízo para nela comparecer visando lhe cientificar acerca da possibilidade de renúncia disposta no dispositivo acima transcrito.

Ocorre é vedado a postura acima, pois é firme a jurisprudência dos tribunais superiores no sentido de que o art. 16 da lei 11.340/06 é uma faculdade da vítima, razão pela qual não pode partir de prévia provocação do poder judiciário de ofício, mas apenas e tão somente após sua manifestação inequívoca de vontade neste sentido:

É de se salientar, inclusive, que tal posicionamento dos tribunais superiores restou assentado em sede de recurso especial em regime de recurso repetitivo (tema 1.167), oportunidade na qual a terceira seção do Superior Tribunal de Justiça definiu que “a audiência prevista no art. 16 da lei 11.340/06 tem por objetivo confirmar a retratação, não a representação e não pode ser designada de ofício pelo juiz. Sua realização somente é necessária caso haja manifestação do desejo da vítima de se retratar, trazida nos autos antes do recebimento da denúncia”.

Veja-se:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. AUDIÊNCIA DO ART. 16 DA LEI 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). REALIZAÇÃO. NECESSIDADE DE PRÉVIA MANIFESTAÇÃO DO DESEJO DA VÍTIMA DE SE RETRATAR. IMPOSSIBILIDADE DE DESIGNAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL PROVIDO.

1. Recurso representativo de controvérsia, para atender ao disposto no art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e na Resolução...

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