O legado kantiano na Filosofia do Direito Internacional de Kelsen

AutorCristina Foroni Consani, Joel Thiago Klein
CargoProfessora Adjunta no Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Paraná e professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFPR/Professor de Filosofia Moderna, Ética e Filosofia Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde atua na graduação e pós-graduação
Páginas1-33
1
https://doi.org/10.5007/2177-7055.2023.e79080
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ARTIGO OR IGINAL
e7908 0
O legado kantiano na Filosofia do
Direito Internacional de Kelsen
The Kantian Legacy in Kelsen’s Philosophy of International Law
Cristina Foroni Consani¹
Joel Thiago Kle in¹
¹Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil.
Resumo: Este artigo defende a existência de uma relação teórica muito próxima
entre Kant e Kel sen no âmbito da loso a do direito intern acional. Argu menta-se
que há uma hera nça teórica especia lmente com relação aos conceito s de soberania,
monismo, e a exi gência de um direito i nternacional como eleme nto necessário par a
assegurar a paz. A metodologia utilizada é hermenêutica e analítico-conceitual.
Palavras-chave: Kant, Kelsen. Direito Inter nacional. Cosmopolitismo.
Abst ract: This article defends a narrow theoretical relation between K ant and
Kelsen in the eld of philosophy of inter national law. We argue for a theoretical
heritage conc erning the concepts of soverei gnty, monism, and the requ irement of
an intern ational law as a necess ary element for achievi ng peace. The methodology
used is hermeneutical and analytic-conceptual.
Keywor ds: Kant. Kelsen. International Law. Cosmopolitanism.
1 INTRODUÇÃO
Segundo Paulson, O desenvolvimento da teoria de Kelsen apre-
senta três fases, sendo que em duas delas o pensamento kantiano
2 SEQÜÊNCI A (FLORIANÓPOL IS), VOL. 44, N. 93, 2023
O LEGADO K ANTIA NO NA FILOSO FIA DO DIREI TO INTERNA CIONAL DE KEL SEN
exerceria grande inuência. A primeira fase (1911-1921), denominada
“construtivismo crítico”, caracteriza-se pela armação da ciência
jurídica como disciplina normativa e pela construção dos conceitos
fundamentais do direito. Nesta fase, a ascendência kantiana sobre
Kelsen manifesta-se na puricação de conceitos centrais da ciência
jurídica. Na segunda fase (1921-1960), chamada de “fase clássica”,
Kelsen publica a primeira edição da Teoria Pura do Direito (1934),
sendo que os argumentos neokantianos são invocados para resolver
o problema da normatividade. Ao longo deste período verica-se
também a inuência empirista e da lógica formal aplicada ao direito.
Essas inuências distintas marcam a divisão da fase clássica em dois
períodos: o neokantismo (1921-1935) e o período híbrido (1935-
1960), no qual o neokantismo funde-se com elementos analíticos.
Na terceira fase (1960-1973), denominada “fase cética”, Kelsen aban-
donaria as doutrinas neokantianas familiares à fase clássica. É desta
fase a publicação da segunda edição da Teoria Pura do Direito (1960) e
dos textos publicados após a sua morte sob o título “Teoria Geral das
Normas” (Paulson, 1998, p. xxiv-xxx). Entretanto, esse artigo chama
a atenção para o fato de que o afa stamento de Kelsen do neokantismo
não signica um afastamento da losoa kantiana, especialmente
com relação a algumas posições defendidas por Kant em seus textos
de losoa política e do direito, ainda que o próprio Kelsen não diga
isso explicitamente.
De acordo com Paulson, “a chave para a dimensão norm ativa da
Teoria Pura do Direito, particularmente nos escr itos de 1920 e início
de 1930, é um argumento kantiano” (Paulson, 1992, p. 312). Kelsen,
assim como Kant, localiza o Direito no reino do dever ser. Mas o dever
ser kelseniano é pensado de uma forma distinta. Kant considera que
o Direito é uma subclasse das leis morais cuja fundamentação última
se encontra na razão e não no âmbito da Física ou da experiência. É
exatamente neste ponto que Kelsen afasta-se de Kant e aproxima-se
do positivismo cientíco, pois busca um fundamento para o direito
no âmbito do fenômeno ou da experiência.
CRIST INA FORONI CON SANI JOEL THIAGO KL EIN
SEQÜÊNCI A (FLORIAN ÓPOLIS), VO L. 44, N. 93, 202 3 3
Os textos de Kelsen que serão objeto de análise neste arti-
go perpassam todas as fases apontadas pela classicação de Paulson.
Contudo, ao invés de chamar a atenção para a proximidade da teoria
kelseniana do direito com a teoria do conhecimento kantiana, como
fazem muitos intérpretes, nosso objetivo é lançar luz sobre os pontos
de encontro entre a losoa do direito internacional de Kelsen e a
losoa política e jur ídica kantiana acerca do cosmopolitismo. Ao re-
aliza r essa aproximação entre Kant e Kelsen no âmbito da losoa do
direito internacional, será ress altada também a tensão inter na existente
no conjunto da obra de Kelsen entre a metodologia proposta para a
teoria do direito e aquela apresentada no âmbito de um projeto para
as instituições do direito internacional, no qual o jurista notadamente
assume uma determinada ideologia política. Esse artigo está dividido
em três seções: primeiramente, apresenta-se a teoria do cosmopolitis-
mo jurídico de Kant, num segundo momento, apresenta-se a losoa
do direito internacional de Kelsen. Essa construção pretende colocar
ênfase em conceitos como soberania, monismo, e a proposta de um
direito internacional capaz de assegurar a paz. Na última seção faz-
-se um balanço de como ambos os lósofos podem ser colocados no
mesmo espectro da losoa do direito internacional.
2 KANT E O COSMOPOLITISMO JURÍDICO
Para enquadrar o tópico desse artigo é preciso traçar aqui uma
distinção entre o direito cosmopolita, enquanto u m tipo particular de
direito, e o cosmopolitismo jurídico em Kant. O direito cosmopolita
é uma subespécie do direito público, um direito de hospitalidade,
que garante “o direito de um estrangeiro a não ser tratado com hos-
tilidade em virtude da sua vinda ao território do outro”, o qual nessa
formulação possui como objetivo central invalidar qualquer tipo de
colonialismo (cf. Caimi 1997), pois um povo que recebe a visita tem
o direito de “rejeitar o estrangeiro, se isso não puder ocorrer sem a

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