Limites ínsitos à relatividade dos direitos fundamentais

AutorFernanda Savian Rodrigues
CargoEspecialista em Direito pelo Instituto de Ensino Superior de Santo Ângelo (IESA).
Páginas85-98

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Considerações Iniciais

A dinâmica das relações sociais ensejou a consolidação de um ideário de Estado sedimentado nos pilares da Democracia e do Direito. Por conseguinte, no centro das Constituições contemporâneas, encontram-se os direitos fundamentais, enquanto postulados legitimadores dessa concepção estatal.

A explicitação dos caracteres e da titularidade desses direitos, sob um prisma evolutivo, revela-se pertinente, a fim de que se compreenda sua extensão conceitual e relevância normativa. A despeito disso, faz-se necessário analisar os direitos fundamentais à luz de sua inserção em um sistema constitucional aberto, composto de regras e princípios.

Nesse contexto, analisa-se a relatividade desses direitos, considerandose as limitações previstas ou permitidas pelo texto constitucional, bem como a necessidade de eventual compatibilização de normas colidentes, não obstante integrantes de um mesmo arcabouço normativo. Com efeito, abordam-se os preceitosPage 86que delimitam a atuação do legislador e do julgador no âmbito de restrição de direitos fundamentais, sob o enfoque da excepcionalidade.

1 Direitos fundamentais: notas introdutórias
1. 1 Conceituação

A inserção dos direitos fundamentais como centro referencial nos textos constitucionais contemporâneos está intrinsecamente relacionada ao ideário paulatinamente consolidado de limitação do poder político.

Assim, em seu nascedouro, vislumbra-se a redefinição da percepção do Estado, não mais revestido de um poder absoluto e descomedido, em detrimento do indivíduo, como consubstanciado originariamente.

Destarte, inspirando-se nas Declarações de Direitos do Homem, alguns direitos subjetivos foram erigidos a normas constitucionais, com o propósito de resguardar o indivíduo frente à atuação estatal e de seus iguais.

Todavia, cumpre ressaltar que a expressão direitos fundamentais não encontra correspondência às locuções direitos humanos ou direitos do homem, em sua acepção restrita, não obstante sejam referidas como definidoras de um mesmo conteúdo protetivo e interajam reciprocamente.

Isso porque, como assevera BONAVIDES (2005), direitos fundamentais são os direitos e garantias nomeados e especificados como tais pela ordem constitucional vigente em cada Estado. Outrossim, detém um grau maior de segurança, uma vez que, via de regra, ou são imutáves, ou são de mudança dificultada, mediante a exigência de emenda à Constituição.

Nesse sentido, MENDES (2008) apresenta um traço divisor entre os termos direitos humanos e direitos fundamentais. Segundo sua definição, a primeira expressão encerra pretensões jusnaturalistas e supranacionais e, por isso, inseridas em documentos de Direito Internacional. Por sua vez, a segunda locução designa posições básicas dos indivíduos, estando assim inscritos em diplomas normativos de cada Estado.

Além disso, o autor enfatiza que “esses direitos não são coincidentes no modo de proteção ou no grau de efetividade. As ordens internas possuem mecanismos de implementação mais céleres e eficazes do que a ordem internacional (2008, p. 234 e 235)”.

No Brasil, sob a égide da Constituição Federal de 1988, os direitos fundamentais encontram-se previstos em seu Título II, subdividindo-se em cinco capítulos, quais sejam, direitos e garantias individuais e coletivas; direitos sociais; direitos de nacionalidade; direitos políticos e direitos concernentes à existência, organização e participação em partidos políticos.

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Por fim, salienta-se que os direitos possuem cunho declaratório, enunciativo, enquanto as garantias revestem-se de cunho assecuratório. A despeito dessa distinção primária, complementam-se como instrumentos consentâneos à afirmação do indivíduo como sujeito primeiro da proteção constitucional.

1. 2 Caracteres imanentes
1.2. 1 Historicidade

Trata-se do caráter histórico-evolutivo dos direitos fundamentais. Nessa perspectiva, imperioso que sejam contextualizados para que alcancem algum sentido. Conforme esse viés, novos direitos surgirão e antigos sucumbirão, consoante à dinâmica das demandas do indivíduo em face das diversas nuanças assumidas pelo poder.

MENDES, nesse particular, ressalta que “os direitos fundamentais não podem pretender valia unívoca de conteúdo a todo tempo e em todo lugar (2008, p. 231).” Ademais, aponta o traço da historicidade como indispensável à compreensão da gênese e do desenvolvimento desses direitos.

1.2. 2 Relatividade

Não obstante a relevância da inclusão dos direitos fundamentais nas ordens constitucionais contemporâneas, enfatiza-se que não se consubstanciam eles em comandos absolutos. Aliás, pacifica-se o entendimento de que não há direitos ilimitados.

Nesse sentido, ganha forma o princípio da limitatividade dos direitos fundamentais ou convivência das liberdades públicas, na expressão de MORAES (2007). Logo, esses direitos poderão encontrar balizas tanto em outros direitos fundamentais, como em outros princípios preconizados pela Constituição.

Reitera-se, porém, que quaisquer limitações referentes aos direitos fundamentais deverão arrimar-se em comandos legais, em consonância com a autorização constitucional para tanto. Não se trata, portanto, de arbitrariedades que, porventura, venham a macular a efetividade dos direitos fundamentais. Verifica-se, sim, a harmonização do sistema a fim de compatibilizar as regras e princípios que encerra em seu bojo.

1.2. 3 Universalidade

Via de regra, os direitos fundamentais representam um patrimônio da humanidade. Logo, a condição de ser humano é suficiente para exercer a titularidade desses direitos. No entanto, vislumbram-se exceções.

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Isso porque determinadas categorias de direitos restringem-se a um grupo específico de indivíduos. É o que ocorre, por exemplo, com os direitos sociais no Brasil, os quais, embora integrem a gama de direitos fundamentais, referem-se apenas aos trabalhadores (MENDES, 2008).

1.2. 4 Concorrência

Os direitos fundamentais são cumuláveis, ou seja, não são auto- excludentes de acordo com a sua sucessão ao longo do tempo. Sendo assim, quem os detém poderá exercê-los, sem que isso comprometa o exercício dos demais direitos que compõem o rol constitucional. Destarte, a consolidação dos direitos fundamentais numa perspectiva evolutiva atribui a eles esse caráter cumulativo.

1.2. 5 Indisponibilidade

Essa característica permeia a definição dos direitos fundamentais. Afinal, se não fossem eles irrenunciáveis, o conteúdo e a potencialidade assecuratória que encerram cairiam no vácuo. Por óbvio, poderão deixar de serem exercidos, ao alvedrio de seu titular, o qual não poderá, entretanto, dispor de sua titularidade.

Outrossim, “nada impede que o seu exercício seja restringido em prol de uma finalidade acolhida ou tolerada pela ordem constitucional”, como preceitua MENDES (2008, p.234).

1. 3 Dimensões dos direitos fundamentais numa perspectiva evolutiva
1.3. 1 Direitos civis e políticos

A princípio, cabe salientar que o termo dimensão revela-se mais adequado do que a expressão geração, largamente utilizada, porquanto essa última sugere a idéia de substituição de direitos fundamentais ao longo do tempo, o que não procede.

Constituem os denominados direitos de primeira dimensão. São direitos negativos, na medida em que, em seu nascedouro, objetivaram deter a onipresença do Estado na vida do indivíduo. Nesse particular, nortearam-se pelo princípio da liberdade, sendo que as liberdades individuais os representam.

Situando-os num contexto histórico específico, pode-se afirmar que seus contornos adquiriram nitidez e relevância em função de fatos determinados, quais sejam, a Independência dos Estados Unidos, em 1776, e a Revolução Francesa, em 1789.

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1.3. 2 Direitos econômicos, sociais e culturais

De seu turno, os direitos de segunda dimensão trazem consigo o ideário de prestações positivas do Estado para com o indivíduo, consubstanciando-se no fundamento basilar para as ações afirmativas. O vetor da igualdade matiza essa...

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