Literatura indígena: escrita-eco e [re]tomadas a partir do regime estético das artes de Jacques Rancière

AutorAlessandra Guterres Deifeld
CargoMestranda no Programa de Pós-graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas152-175
|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 20, n. 32, 2020|
doi:10.5007/1984-784X.2020.e82990 152
LITERATURA INDÍGENA: ESCRITA-ECO
E [RE]TOMADAS A PARTIR DO REGIME ESTÉTICO
DAS ARTES DE JACQUES RANCIÈRE
Alessandra Guterres Deifeld
UFSC - CAPES
RESUMO: O presente artigo realiza uma reflexão sobre a expansão do comum e as novas tomadas
de parte no sensível decorrentes da revolução estético-política provocada por sujeitos indígenas na
esfera das artes que apresentam fraturas no consenso, de modo a reaflorar o dissenso e remodelar
a vida democrática. O ponto de partida é a legitimação do indígena enquanto sujeito político de
direitos, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo como fio condutor
as concepções de Jacques Rancière acerca de regime estético das artes, política e democracia. Para
diminuir a lacuna ruidosa entre o contexto que concebe os aparatos teóricos aqui mobilizados e o
contexto em que se inserem os sujeitos indígenas de Pindorama, se procede um ajuste nas lentes que
evidencia o eco da palavra indígena e contemporiza sua existência.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura indígena; Regime estético das artes; Vida democrática.
INDIGENOUS LITERATURE: ECHO-WRITING
AND [RE]CAPTURES FROM JACQUES RANCIÉRE’S
AESTHETICAL REGIME OF THE ARTS
ABSTRACT: This paper reflects about the communal expansion and the new part-takings from the
sensible due to the political and aesthetical revolution made by indigenous individuals in the arts
sphere that presents fractures in the consensus, causing the reinforce of dissent and the remodeling
of democratic life. The starting point is the indigenous individual legitimation as a one that carries
political rights, coming from the 1988’s Brazilian Federative Republic Constitution, together with a
guideline from the conceptions of Jacques Rancière about the aesthetical regime of the arts, politics
and democracy. To diminish the roaring gap between the context that conceives the technical ap-
paratus mobilized here and the context in where the indigenous people of Pindorama are part of,
we proceed an adjust in the lens that evidence the echoes of the indigenous word and temporize its
existence.
KEYWORDS: Indigenous literature; Aesthetical regime of the arts; Democratic life.
Alessandra Guterres Deifeld é mestranda no Programa de Pós-graduação em Literatura da Universidade
Federal de Santa Catarina.
|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 20, n. 32, 2020|
doi:10.5007/1984-784X.2020.e82990 153
LITERATURA INDÍGENA: ESCRITA-ECO
E [RE]TOMADAS A PARTIR DO REGIME ESTÉTICO
DAS ARTES DE JACQUES RANCIÈRE
nós1
I. A  - -  T  
Para além da organização política e estética das comunidades ocidentais,
nos interessa, nesse momento, compreender a organização política e estéti-
ca que se imprime e se expressa através da literatura indígena, e como essa
literatura é utilizada para proporcionar acesso, aos então sujeitos indígenas, à
democracia e às políticas democráticas do Brasil que se diz ocidente.
Isto posto, compreender o sujeito indígena enquanto sujeito de direitos é
pensá-lo a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 19882,
que é o instrumento jurídico que pela primeira vez reconhece o ser indígena
como uma identidade e, dessa forma, como um sujeito político – cidadão –
juridicamente legitimado e com direitos outorgados, tais quais participar da
partilha do sensível, ter acesso aos aparatos democráticos e ser tutelado pelas
leis de cunho universal.
Até o advento da CRFB/88, o indígena era compreendido como uma ca-
tegoria transitória, retratado, tanto pela literatura quanto pela antropologia,
no passado, como um alguém que já foi3. Não obstante a categoria transitória,
o Código Civil dos Estados Unidos do Brasil de 19164 definia o [a]sujeito in-
dígena como “relativamente incapaz” e por isso estabelecia que esses povos
deveriam ser “tutelados” (até 1967 pelo Serviço de Proteção ao Índio e, pos-
teriormente, pela Fundação Nacional do Índio) até que fossem “integrados à
comunhão nacional”.
Assim, era considerado indígena exclusivamente o indivíduo que resi-
dia na aldeia, cujo trajeto natural seria urbanizar-se e, enfim, tornar-se civil.
Tornar-se civil, por sua vez, implicava na abdicação do pertencimento étni-
1 Pensando na permeabilidade das singularidades que nos constituem dentro da(s) comunida-
de(s) que participamos, a polivocidade aqui apresentada não é só minha, e sim de uma multi-
dão de vozes. Diálogos, escutas, experiências singulares em coletivo e coletivas na singulari-
dade moldaram a escrita-eco aqui expurgada. O timbre dessas palavras é meu, o eco evocado
é ancestral, o ruído provocado é por nós.
2 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
3 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas canibais. São Paulo: Ubu Editora, 2018. p. 21
4 Código Civil dos Estados Unidos do Brasil de 1916. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/l3071.htm

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT