Livro III - Dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas1156-1490
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Caput e §§. A ideia de estabilidade da jurispru-
dência dos tribunais, embora seja elogiável por
propiciar certa segurança jurídica aos jurisdiciona-
dos, encontra barreiras no terreno da realidade, pois
o fenômeno da idiossincrasia é algo inerente ao espí-
rito humano, vale dizer, no espírito dos julgadores.
Convém recordarmos que o substantivo estável sig-
ni ca aquilo que não varia, inalterável, duradouro.
Dessarte, deve-se entender que a norma em exame
esteja a preconizar que a jurisprudência seja estável o
quanto possível; logo, sem caráter absoluto, sob pena,
como dissemos, de confrontar-se com a realidade e
com a dinâmica das relações sociais e jurídicas. Essa
estabilidade se destina a evitar a denominada meta-
noia jurisprudencial.
Seja como for, o fato é que a norma tem inteira
aplicação no sistema do CPC, podendo-se cogitar de
sua incidência atenuada no processo do trabalho, em
face da dinâmica deste processo. Podemos dizer que o
art. 296, do CPC, consagra a força dos precedentes dos
tribunais como elemento conducente à desejada segu-
rança jurídica. O sistema dos precedentes foi adotado, há
muitos anos, pelos regimes da common law, e está liga-
do ao princípio do stare decisis, segundo o qual casos
idênticos ou similares devem ser decididos da mesma
forma. Nosso sistema da civil law, agora, também in-
corpora o sistema ou a técnica dos precedentes.
A escritora norte-americana Toni M. Fine aponta
as seguintes vantagens dos precedentes: a) estabi-
lidade e imparcialidade, pois as regras não variam
de juiz para juiz; b) previsibilidade quanto à inter-
pretação e à aplicação a ser dada a determinada
norma legal; c) fortalecimento institucional do Po-
der Judiciário, em decorrência da uniformidade na
interpretação e na aplicação da lei; d) estabilidade
do próprio ordenamento jurídico (O uso do preceden-
te e o papel do princípio do stare decisis no sistema legal
norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.
89, n. 782, dez./2000, p. 90/96).
O precedente não deixa de constituir uma espécie
de leading case (caso condutor, caso principal).
A respeito da conveniência de manter-se a esta-
bilidade da jurisprudência, disse Alfredo Buzaid:
“Na verdade, não repugna aos juristas que os tribu-
nais, num louvável esforço de adaptação, sujeitem a
mesma regra a entendimento diverso, desde que se
alterem as condições econômicas, políticas e sociais;
mas repugna-lhe que sobre a mesma regra jurídica
deem os tribunais interpretação diversa e até contra-
ditória, quando as condições em que ela foi editada
continuam as mesmas. O dissídio resultante de tal
exegese debilita a autoridade do Poder Judiciário,
ao mesmo passo que causa profunda decepção às
partes que postularam perante os tribunais” (Uni-
formização de Jurisprudência, Revista da Associação
dos Juízes do Rio Grande do Sul, 34/139, julho de 1885).
O art. 926 do CPC veio, por assim dizer, para
ocupar o espaço que até então era preenchido pelo
incidente de uniformização de jurisprudência, pre-
visto nos arts. 476 a 479 o CPC de 1973.
Nas edições anteriores deste livro, dissemos: “Seja
como for, o art. 926 do CPC não é aplicável ao pro-
cesso do trabalho pois a CLT contém norma expressa
acerca do tema da uniformização da jurisprudência,
como evidencia o seu art. 896, §§ 3º a 9º e 13, com a
redação dada pela Lei n. 13.015, de 21.7.2014”. Tem-
pos depois, entretanto, a Lei n. 13.467/2017, por seu
art. 5º, inciso I, alínea “o”, revogou os §§ 3º, 4º, 5º e 6º,
do art. 896, da CLT, que dispunham sobre o incidente
de uniformização da jurisprudência. Em decorrência
disso, cogitamos da aplicação supletiva, ao processo
do trabalho, do art. 926, do CPC. Há, nesse episódio,
uma certa ironia.
LIVRO III
DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS E DOS MEIOS DE
IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
TÍTULO I
DA ORDEM DOS PROCESSOS E DOS PROCESSOS DE
COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra
e coerente.
§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os
tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os .tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas
dos precedentes que motivaram sua criação.
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Código de Processo Civil
• Comentário
Caput. O texto estabelece algumas situações que
deverão ser observadas pelos juízes e pelos tribunais.
Para logo, devemos dizer que, tirante os incisos I
e II, o caput do art. 927, conjugado com os incisos III
a V, são, a nosso ver, inconstitucionais.
Com efeito, somente nos casos de controle concen-
trado da constitucionalidade, realizado pelo STF, e das
denominadas súmulas vinculantes, oriundas do mes-
mo tribunal, pode haver efeito vinculativo em relação
aos demais órgãos do Poder judiciário. E isso somente
se tornou possível por força do expressamente dis-
posto nos arts. 102, § 2º, e 103-A, respectivamente, da
Constituição Federal. O que estamos a argumentar,
portanto, é que somente a Constituição da República
pode autorizar um tribunal a adotar súmula ou cons-
trução jurisprudencial vinculativa dos outros órgãos
integrantes do Poder Judiciário brasileiro, ou normas
de caráter genérico, abstrato, impositivas. No caso do
art. 927, incisos III a V, não há autorização constitucional
para permiti-lo exigir observância, por parte de juízes e
tribunais, do disposto nos incisos III a V. Uma coisa é
a norma infraconstitucional pretender uniformizar a
jurisprudência dos tribunais, e, outra, impor, de modo
geral e abstrato, o acatamento a essa jurisprudência.
Reforcemos nosso argumento com um registro
histórico, extraído da própria Justiça do Trabalho. O
art. 902, da CLT, facultava ao TST adotar prejulgados
— na forma do seu regimento interno —, que, uma
vez estabelecidos, obrigavam os Tribunais Regionais
do Trabalho, as Juntas de Conciliação e Julgamento
(atuais Varas do Trabalho) e os juízes de Direito in-
vestidos na jurisdição trabalhista a acatá-los. Tempos
depois, o Procurador-Geral da República ingressou
no STF com representação de inconstitucionalidade
dos prejulgados, por entender que somente a Consti-
tuição Federal poderia impor norma de acatamento
geral pelo Poder Judiciário. Embora o STF não tenha
admitido a representação, por ter sido dirigida aos
prejulgados, e não ao art. 902, da CLT, mandou um
“recado” ao TST, dizendo que, de qualquer modo,
não reconhecia efeito obrigatório (vinculativo, portan-
to) nesses prejulgados. Foi o quanto bastou para
que o TST: a) não mais adotasse prejulgados; b) pela
Resolução n. 1/1982 convertesse os prejulgados em
súmulas. Logo a seguir, a Lei n. 7.033, de 5 de outu-
bro de 1982, revogou o art. 902 da CLT, pondo m,
desse modo, ao longo império despótico dos malsi-
nados prejulgados.
Como estamos a sustentar a inconstituciona-
lidade dos incisos III a V do art. 927, do CPC, isso
signi ca que os juízes — inclusive os de primeiro
grau de jurisdição — podem arguir, nos casos con-
cretos, de maneira incidental (controle difuso), o
contraste do precitado artigo da CPC com a Cons-
tituição da República, deixando, em consequência,
de aplicá-lo.
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I — as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constituciona-
lidade;
II — os enunciados de súmula vinculante;
III — os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas
repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV — os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional
e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V — a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando
decidirem com fundamento neste artigo.
§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento
de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de
pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal
e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode
haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese
adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação
adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da
confiança e da isonomia.
§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão
jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.
Art. 927
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Código de Processo Civil
Inciso I. Controle de constitucionalidade. No Bra-
sil, o controle jurisdicional da constitucionalidade
das leis e dos atos normativos do Poder Público é
exercido sob as formas: a) difusa; e b) concentra-
da. A primeira é realizada de maneira incidental,
competindo a qualquer órgão do Poder Judiciário,
inclusive, de primeiro grau; a segunda é efetua-
da por meio de ação direta, para cuja apreciação o
Supremo Tribunal Federal detém competência ex-
clusiva (CF, art. 102, I, “a”).
É no tocante às decisões proferidas pelo STF no
controle concentrado que se refere o art. 927, I, do CPC.
Inciso II. Súmulas vinculantes. O adjetivo vincu-
lante não está dicionarizado. O correto é: vinculativo
ou vinculatório. Tais súmulas são editadas pelo STF.
Estão previstas no art. 103-A, da Constituição Fede-
ral, assim redigido: “O Supremo Tribunal Federal
poderá, de ofício ou por provocação, mediante deci-
são de dois terços de seus membros, após reiteradas
decisões sobre matéria constitucional, aprovar sú-
mula que, a partir de sua publicação na imprensa
o cial, terá efeito vinculante em relação aos demais
órgãos do Poder Judiciário e à administração públi-
ca direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal, bem como proceder à sua revisão ou can-
celamento, na forma estabelecida em lei”.
O desrespeito a essas súmulas ensejará reclama-
ção ao STF (CPC, art. 988). Dispõe a esse respeito
o art. 156 do Regimento Interno do STF: “Caberá
reclamação do Procurador-Geral da República, ou
do interessado na causa, para preservar a compe-
tência do Tribunal ou garantir a autoridade das
suas decisões”.
Consta, ainda, da norma interna corporis do Excelso
Pretório: “Art. 161. Julgando procedente a reclama-
ção, o Plenário ou a Turma poderá: I — avocar o
conhecimento do processo em que se veri que usur-
pação de sua competência; II — ordenar que lhe
sejam remetidos, com urgência, os autos do recurso
para ele interposto; III — cassar decisão exorbitante
de seu julgado, ou determinar medida adequada à
observância de sua jurisdição”.
Inciso III. Incidente de assunção de competência. In-
cidente de resolução de demandas repetitivas. Recursos
extraordinário e especial repetitivos. Os acórdãos profe-
ridos nesses casos também devem ser acatados por
juízes e tribunais, ressalvada a nossa opinião quanto
à inconstitucionalidade do preceito legal sub examen.
O CPC disciplina esses procedimentos nos se-
guintes artigos:
Incidente de assunção de competência: art. 947;
Incidente de resolução de demandas repetitivas:
arts. 976 a 987;
Julgamento de recursos extraordinários e espe-
ciais repetitivos: arts. 1.036 a 1.041.
Esses dispositivos legais serão examinados no
momento oportuno.
Para já, contudo, devemos rememorar que o art. 332,
do CPC, determina que o juiz rejeite, liminarmente,
os pedidos formulados na inicial, que contrariarem:
I — enunciado de súmula do Supremo Tribunal
Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II — acór-
dão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo
Superior Tribunal de Justiça em julgamento de re-
cursos repetitivos; III — entendimento rmado em
incidente de resolução de demandas repetitivas ou
de assunção de competência; IV — enunciado de sú-
mula de tribunal de justiça sobre direito local.
Com vistas ao processo do trabalho, podemos
incluir também o julgamento dos recursos de revis-
ta repetitivos, mencionados no art. 896-B, da CLT,
que manda aplicar, no que couber, as normas do
CPC que regulam o julgamento dos recursos ex-
traordinários e especiais repetitivos, vale dizer, os
arts. 1.036 a 1.041.
Inciso IV. Súmulas do STF e do STF. As súmulas
do STF em matéria constitucional, assim como as do
STJ em matéria infraconstitucional, devem ter os res-
pectivos enunciados acatados por juízes e tribunais,
ressalvando, também neste caso, o nosso entendi-
mento quanto à inconstitucionalidade do preceptivo
em questão.
Podem ser aqui incluídas as súmulas do TST so-
bre matéria infraconstitucional.
Inciso V. Plenário ou órgão especial. As orientações
adotadas pelo tribunal, seja pelo seu plenário, seja
pelo órgão especial, devem ser observadas pelos
magistrados que se encontrarem vinculados a esses
órgãos. A norma também é inconstitucional.
Uma nótula histórica: nas edições pretéritas deste
livro, ocorridas anteriormente ao advento da Lei n.
13.467/2017, escrevemos:
“Devemos, nesta altura, enfrentar uma ques-
tão correlata. A Lei n. 13.015, de 21 de julho de
2014, deu nova redação ao art. 896, § 3º, da CLT,
para determinar que os Tribunais Regionais do
Trabalho procedessem, em caráter obrigatório,
à uniformização de sua jurisprudência. A gran-
de polêmica que se formou, a contar da vigência
dessa normal legal, foi quanto a saber se a súmu-
la uniformizadora da jurisprudência deveria, ou
não, ser acatada por todos os magistrados vincu-
lados ao tribunal, inclusos os de primeiro grau.
Quando ainda estava a viger o CPC de 1973, lan-
çamos um opúsculo sob o título ‘Comentários à
Lei n. 13.015/2014’, no qual sustentamos o ponto
de vista de que a referida súmula não teria ca-
ráter obrigatório, fosse quanto aos magistrados
do tribunal, vencidos na votação do incidente,
fosse quanto aos de primeiro grau, pois a úni-
ca súmula com efeito vinculativo era a adotada
pelo STF, nos termos do art. 103-A, da Consti-
tuição da República. Pois bem. Entra em vigor
o novo CPC, cujo art. 927, V, estabelece que os
juízes e tribunais deverão observar ‘a orientação
do plenário ou órgão especial aos quais estive-
rem vinculados’. Caso se venha a entender que
Art. 927

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